Bem antes da pandemia do coronavírus e do fechamento das escolas a situação estudantil das meninas já era preocupante. Dados de 2017, como informa a diretora da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), já davam conta de mais de 62 milhões de garotas por todo o mundo sem o direito à educação respeitado.
E isso porque, em 1959, foi declarada pela Organização das Nações Unidas que a educação seria garantida como direito a todas as crianças, independentemente de seu sexo, cor, língua ou religião.
Infelizmente, porém, a privação do acesso das meninas a essa garantia é um problema que ainda assombra diversos países. A falta de igualdade educacional entre meninos e meninas ocorre em nível mundial: apenas 60% conseguiram alcançar a igualdade na educação primária e só 38% na secundaria.
A boa notícia é que o tema nunca foi tão discutido e vem ganhando apoio de boa parcela da sociedade, que precisa – antes de tudo – discutir um tema espinhoso, o machismo. Não pode ser aceitável que as mulheres representem dois terços dos quase 800 milhões de adultos analfabetos do mundo, sendo ainda mais grave a situação nos países em desenvolvimento.
Danos
Meninos e meninas fora da escola são os futuros adultos com pouca instrução que, consequentemente, formarão famílias também pouco instruídas. A pouca educação perpetua preconceitos, estereótipos e, também, o machismo, que coloca homens em posição dominante sobre as mulheres.
O ciclo é infinito, havendo, então, maior discriminação entre homens e mulheres; como não poderia ser diferente, meninas são obrigadas a focar nas tarefas domésticas, engravidam cedo ou são “dadas” em casamento, se vendo impossibilitadas de retornar, caso tenham ido algum dia, à escola.
A falta de escolaridade leva a um alto índice de mortalidade feminina e também a um alto índice de natalidade e, consequentemente, a níveis ainda maiores de mortalidade infantil e mortalidade no parto.
Além da gravidez, as meninas sem informação adquirem doenças sexualmente transmissíveis mais cedo e mais facilmente; sem escola a vida sexual é inevitavelmente precoce e sem proteção.
Vamos frisar que na grande maioria das vezes é na escola que as meninas saberão que o corpo delas deve ser respeitado; que elas precisam se proteger de doenças e, principalmente, que não devem começar uma família tão cedo.
Há países africanos e asiáticos que ainda negam a educação de uma maneira geral para as meninas: as razões podem ser culturais, sociais, religiosas ou por simples falta de estrutura.
De acordo com os ativistas da Conexão Planeta, na Somália, por exemplo, estima-se que 95% das garotas entre 7 e 16 anos nunca tenham ido para a escola. Isso nas comunidades mais pobres. Na Nigéria, há mais de 5 milhões de estudantes do sexo feminino fora da sala de aula.
Quanto maior o nível educacional das mulheres, alerta a Unesco, menor é o número de casamentos envolvendo crianças. Uma menina que completa o ensino fundamental tem 14% menos chances de se casar precocemente. Com o ensino médio terminado a porcentagem aumenta para 60%. Os benefícios sociais da escola são extraordinários.
O dados no Brasil
Os dados no Brasil são interessantes. O índice de alfabetização entre as meninas é maior que em relação aos meninos; elas também estudam por mais tempo e frequentam mais a escola.
Os altos índices de evasão escolar são para ambos os sexos, mas as razões são diferentes. Os meninos param de estudar – normalmente – para trabalhar. As meninas param para ajudar nas tarefas de casa ou para atuarem como cuidadoras de alguém da casa ou de seus próprios filhos.
Como no resto do mundo, a gravidez precoce é uma das principais causas do abandono escolar entre meninas.
Os dados do Datasus mais recentes a esse respeito são de 2017 e revelam que, em 2017, a cada hora, nasceram 55 bebês de mães com menos de 19 anos no país. No mesmo ano, um a cada seis bebês nascidos no país foi de meninas menores de 19 anos de idade. Na região Nordeste em específico os números são maiores.
A PNAD de 2016
A última Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) foi feita em 2015, publicada em 2016, e revelou que 8% dos brasileiros com mais de 15 anos não sabem ler nem escrever. Não há um desequilíbrio notável entre homens e mulheres nas taxas de analfabetismo, mas é marcante a discriminação contra a mulher, o que reflete, entre outras coisas, em salários mais baixos.
Estar na escola, aprender a ler, escrever e desenvolver senso crítico é imprescindível e reflete em melhorias para toda a sociedade.
Uma pessoa com acesso à educação formal percebe que tem direitos, pode lutar para exercê-los e – ainda - pode oferecer à comunidade os benefícios de suas capacidades.
Para as mulheres a educação ainda lhes acende a luz para a realidade de discriminação. Mulheres educadas continuarão a luta pela equivalência social entre os sexos e exercerão suas potencialidades de maneira muito mais plena. Lembrando que muitos saberes do cotidiano, formados a partir de hábitos, crenças, preconceitos e tradições, podem ser altamente perniciosos. Só o estudo e o desenvolvimento do pensamento crítico são agentes de mudança e melhorias.
Não podemos deixar de mencionar que, indo à escola e se formando, a mulher terá mais chances de conseguir um bom emprego, podendo, então, alcançar a independência financeira.
Malala Yousafzai
Malala Yousafzai é o símbolo moderno da luta pela educação das meninas. Sobreviveu a um atentado de talibãs que queriam proibir a instrução feminina no Paquistão e hoje roda o mundo ajudando garotas a estarem dentro da sala de aula.
Mais jovem vencedora do Prêmio Nobel da Paz e recém formada pela Universidade de Oxford em Filosofia, Política e Economia anunciou também investimentos no Brasil, patrocinando e acompanhando três escolas, sendo duas no Nordeste e uma em São Paulo.
A Malala Fund apresentou um relatório alertando que, devido à pandemia, mais de 10 milhões de meninas pelo mundo correm o risco de perder seus direitos à educação. Esse número, somado aos estimados 62 milhões ainda em 2017 são assustadores.
As análises levaram em conta as recentes crises como a epidemia de Ebola (2014-2015) e a crise financeira global de 2008 para entender as consequências de curto e longo prazo da Covid-19. As meninas mais marginalizadas, isso em diversos pontos do mundo, serão as mais prejudicadas.
Apesar das dificuldades os planos de Malala são ambiciosos: ela deseja ver toda garota dentro de uma sala de aula e, para isso, aponta com exatidão o que precisa ser feito: exigir que líderes se comprometam com a educação e que se comprometam com o financiamento para a educação. Sem isso não há mudanças possíveis.
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