Já publicamos sobre a Educação em Direitos Humanos e Ambiental nas DCNs da Educação Básica. Por ora vamos tratar da Educação Escolar Indígena, uma das modalidades da Educação Básica juntamente com a Educação de Jovens e Adultos; a Educação Especial; a Educação Profissional e Tecnológica; a Educação Básica do campo; a Educação a Distância e a Educação Escolar Quilombola.
Sobre estes tópicos acima temos vários textos que podem ser de seu interesse. Separamos alguns deles. Leia também:
Pontos gerais sobre a Educação Escolar Indígena
A escola desta modalidade tem uma realidade própria, circunscrita a terras e cultura indígenas; ela também requer pedagogia singular em respeito à especificidade étnico-cultural de cada povo ou comunidade, normas e ordenamento jurídico próprios, ensino intercultural e bilíngue e formação específica do quadro docente.
Ainda assim, mesmo que as escolas tenham que valorizar as culturas dos povos e afirmar e manter a diversidade étnica, os princípios constitucionais, a base nacional comum e os princípios que orientam a Educação Básica brasileira precisam ser observados.
São elementos básicos para a organização, a estrutura e o funcionamento da escola indígena:
localização em terras habitadas por comunidades indígenas, mesmo se se estenderem por municípios ou estados contíguos;
exclusividade de atendimento a comunidades indígenas;
ensino ministrado nas línguas maternas das comunidades atendidas;
organização própria, com a participação da comunidade na organização e gestão e estruturas sociais; práticas socioculturais e religiosas; formas de produção de conhecimento, processos próprios e métodos de ensino-aprendizagem; e atividades econômicas;
escolas construídas para atender aos interesses das comunidades indígenas;
uso de materiais didático-pedagógicos condizentes com o contexto sociocultural de cada povo.
Importante dizer que, como toda escola, as escolas indígenas possuem seus projetos pedagógicos e regimentos escolares, mas podem desenvolver suas atividades com certas prerrogativas. Elas podem funcionar independentemente do ano civil, respeitando o fluxo das atividades econômicas, sociais, culturais e religiosas. Ou seja, a duração de seus períodos escolares pode ser diferente das demais escolas, de acordo com as condições de cada comunidade.
O próprio projeto pedagógico - por escola ou por povo indígena - tendo por base as DCNs referentes a cada etapa da Educação Básica, podem ter características próprias em respeito à especificidade étnico-cultural de cada povo ou comunidade e as realidades sociolínguísticas. Os conteúdos curriculares também podem ser especificamente indígenas e os modos próprios de constituição do saber e da cultura indígena precisam ser respeitados. A formação dos professores também é específica, desenvolvida no âmbito das instituições formadoras de professores.
Legislação
Esta modalidade teve diretrizes próprias instituídas pela Resolução CNE/CEB nº 3/99, com base no Parecer CNE/CEB nº 14/99, que fixou Diretrizes Nacionais para o Funcionamento das Escolas Indígenas. Posteriormente foi pautada pelo Parecer CNE/CEB Nº 13/2012 e pela Resolução nº 5, de junho 2012, a qual estabelecem que as DCNs estão disciplinadas pelos princípios da igualdade social, da diferença, da especificidade, do bilinguismo e da interculturalidade.
O Parecer CNE/CEB Nº 13/2012
De acordo com o Parecer CNE/CEB Nº 13/2012, a partir do ano 2000 houve uma maior evidência do reconhecimento, por parte do Estado brasileiro, da importância política e pedagógica da temática escolar indígena na construção das diretrizes da educação nacional. Os movimentos sociais dos índios, por sua vez, contribuíram para a garantia do direito a uma educação escolar diferenciada. Não foi sem muita luta e trabalho coletivo, portanto, que se estabeleceram estas DCNs específicas, que expressam o compromisso de representantes de diversas esferas governamentais e não governamentais na construção de projetos escolares diferenciados, que contribuem para a afirmação das identidades étnicas e sua inserção digna na sociedade brasileira.
As DCNs para a Educação Escolar Indígena têm por objetivo, por exemplo:
orientar as escolas indígenas de educação básica e os sistemas de ensino dos entes da federação na elaboração, desenvolvimento e avaliação de seus projetos educativos;
orientar os processos de construção das normas dos sistemas de ensino para tornar a Educação Indígena um projeto orgânico, articulado e sequenciado de Educação Básica entre suas diferentes etapas e modalidades;
assegurar que os princípios da especificidade, do bilinguismo e multilinguismo, da organização comunitária e da interculturalidade fundamentem os projetos educativos das comunidades indígenas;
assegurar que a gestão das escolas indígenas leve em consideração as práticas socioculturais e econômicas das comunidades, bem como suas formas de produção de conhecimento, processos próprios de ensino e de aprendizagem;
orientar os sistemas de ensino a incluir, tanto nos processos de formação de professores indígenas, quanto no funcionamento regular da Educação Escolar Indígena, a colaboração e atuação de especialistas em saberes tradicionais, como, por exemplo, os pajés e xamãs, raizeiros, parteiras, e outros necessários ao bem viver dos povos indígenas.
O direito à diferença cultural
O direito à diferença cultural tem sido bandeira de luta do movimento indígena desde a década de 1970, articulado a outros movimentos da sociedade civil, como das entidades indigenistas. Finalmente em 1988 ele foi reconhecido e estabelecido na CF. O art. 210, § 2º, por exemplo, assegura às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. E no art. 231 é reconhecido o direito a sua organização social, costumes, línguas e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. O direito a uma educação diferenciada também encontra respaldo na LDB, que estabelece uma série de princípios gerais para o ensino.
Em relação à Educação Escolar Indígena, a atual LDB regulamenta normas contidas na Constituição de 1988, determinando, em seu art. 78, que a União, em colaboração com as agências de fomento à cultura e de assistência aos indígenas, deverá desenvolver programas integrados de ensino e pesquisa para a oferta de educação escolar bilíngue e intercultural. Os objetivos são proporcionar a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências e garantir o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades (indígenas e não-indígenas).
Sobre competência, cabe à União apoiar técnica e financeiramente os sistemas de ensino no provimento da Educação Escolar Indígena, por meio de programas integrados de ensino e pesquisa.
Bilinguismo
É importante pontuar que a Educação Escolar Indígena, para sua realização plena, precisa estar baseada em uma política linguística que assegure o princípio do bilinguismo e multilinguismo, e em uma política de territorialidade, ligada à garantia do direito a terra, a autossustentabilidade das comunidades e a efetivação de projetos escolares que expressem os projetos societários e visões de mundo e de futuro dos diferentes povos que vivem no território nacional.
A escola deve ser criada por reivindicação ou iniciativa da comunidade interessada (ou com anuência da mesma) e, como já afirmamos, sua localização deve ser em terras habitadas por comunidades indígenas, com professores indígenas oriundos da respectiva comunidade.
Número de escolas ao longo dos anos e estudantes pelos níveis de ensino
Tem havido um aumento progressivo no número de escolas indígenas a cada ano em que se registram dados a respeito. Em 1999, quando realizado um primeiro censo, foram identificadas 1.392 escolas. No último censo divulgado foram 3.359 escolas. O aumento se deve a um maior rigor no fornecimento de informações para pesquisa, mas também porque, ne ínterim, os sistemas de ensino regularizaram as escolas das aldeias, reconhecendo-as como escolas indígenas. Também se explica pela importância que a escola passou a ter nos últimos anos para os grupos indígenas, pela forma de acesso a conhecimentos e práticas que se quer dominar e pela possibilidade de recebimento de alimentação escolar ou assalariamento de membros da comunidade, por meio da contratação de professores, diretores, merendeiras, faxineiras e vigilantes.
Infelizmente, a distribuição dos estudantes, pelos níveis e modalidades de ensino, vive um grande desequilíbrio na progressão dos anos de estudo, havendo uma forte concentração dos estudantes indígenas nas primeiras séries do Ensino Fundamental.
A expansão da escola indígena pelo país tem registrado uma pequena melhora nas últimas décadas. Porém, uma melhor adequação da distribuição dos estudantes pelos diferentes níveis e modalidades de ensino – que ainda é preocupante - exige um grande esforço por parte dos sistemas de ensino.
É necessário ampliar os programas de formação de professores indígenas, tanto em nível de magistério na modalidade normal quanto superior; construir, reformar e equipar as escolas, provendo-as com equipamentos e materiais didático-pedagógicos próprios, que permitam o exercício e a prática da educação intercultural e diferenciada almejada pelas comunidades indígenas e garantida na legislação educacional brasileira.
Os sistemas de ensino também precisam assegurar às escolas indígenas uma estrutura adequada às necessidades dos estudantes e das especificidades pedagógicas da educação diferenciada, garantindo bibliotecas, espaços para atividades esportivas e artístico-culturais, assim como equipamentos que garantam a oferta de uma educação escolar de qualidade. Além, claro, da valorização e formação dos professores, que é específica. Ou seja, precisam de muito investimento; mais um desafio para os gestores que devem refletir e agir da melhor forma possível em prol também das novas gerações dos povos indígenas.
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Muito bom gostei muito