O Projeto de Lei 4513/2020, de autoria da Deputada Ângela Amin (PP/SC), institui a Política Nacional de Educação Digital e insere novos dispositivos na Lei de Diretrizes de Base da Educação Nacional (LDB). Quais são os objetivos e previsões desse projeto que está na pauta do plenário virtual da Câmara dos Deputados, para apreciação com urgência, e aguarda envio ao Senado Federal?
Pois bem, de acordo com a justificação do projeto de lei, sua apresentação está relacionada à revolução que as tecnologias digitais estão provocando em nossa sociedade e que foram evidenciadas de forma explícita pela pandemia do COVID-19, em todos os setores da atividade humana e, particularmente, na educação.
As crianças nascem, crescem e vivem em um mundo onde as tecnologias digitais são onipresentes, nos afetando em todos os aspectos da vida e os sistemas educacionais não seriam menos afetados, não só porque a tecnologia pode impactar a forma como a educação é oferecida, mas também porque a educação tem um papel a desempenhar na preparação dos jovens para um mundo movido pela tecnologia.
Crescer na era digital também não tornaria os chamados “nativos digitais” inerentemente competentes e confiantes com as tecnologias digitais, até porque o uso da tecnologia é em grande parte restrito às atividades de lazer não escolares. É diante desse contexto que a proposição de lei pretende instituir uma política de educação digital que resulte em benefícios difusos para toda a sociedade brasileira.
A propósito, o projeto foi inspirado na proposta europeia para competência digital, também conhecida como DigComp, publicada pela primeira vez em 2013 e, desde então, revisada algumas vezes. Também foi fonte de inspiração o documento “Portugal INCoDe.2030: Iniciativa Nacional Competências Digitais e.2030”, da República Portuguesa.
O projeto compreende 5 eixos do que se denomina educação digital; são eles a inclusão digital, a educação digital escolar, a qualificação digital, a especialização digital e a pesquisa digital.
Esses 5 eixos – ou pilares - pretendem contemplar a amplitude do propósito da inclusão digital, de maneiras formais e não-formais que possam alcançar todas as camadas da população, tanto do ponto de vista do mercado de trabalho, do ponto de vista social e do ponto de vista educacional.
Na justificação do PL, consta que as políticas europeias e nacionais há muito reconheceram como prioridade a necessidade de todos os cidadãos entenderem que, enquanto competência essencial, a competência digital deve continuar a ser desenvolvida ao longo da vida. De fato, de forma contínua e desde cedo, precisamos aprender a nos proteger de riscos como o cyberbullying e o vício na internet, bem como a perda de privacidade, o uso indevido de dados pessoais, a divulgação de notícias falsas, entre outros.
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Duas perspectivas diferentes
É interessante pontuar que o projeto de lei usa a expressão “educação digital” para destacar duas perspectivas diferentes, mas complementares:
a aquisição e o desenvolvimento das competências digitais de estudantes e professores;
e o uso pedagógico de tecnologias digitais para apoiar, melhorar e transformar a aprendizagem e o ensino.
Os professores, além de conhecerem as tecnologias digitais, devem estar abertos a pedagogias inovadoras e compreender os benefícios que elas podem trazer para seu trabalho. Um foco importante na educação digital é, portanto, a capacitação de professores, juntamente com políticas que priorizem o desenvolvimento de infraestrutura para as escolas.
Afinal, os resultados do uso de tecnologias digitais na educação dependem de uma variedade de condições, como o tipo de aluno, a intensidade de uso e a motivação para o engajamento, bem como a qualidade dos recursos digitais e a pedagogia.
Os eixos e seus objetivos
1 - Inclusão digital
O principal alvo da inclusão digital são as populações vulneráveis e excluídas do mundo digital. O interessante é que neste ano de 2022 o Senado aprovou Proposta de Emenda à Constituição (PEC 47/2021). Seu relator, Fabiano Contarato, argumentou que o acesso à internet é essencial para o pleno exercício da cidadania e para obter outros direitos sociais como educação, saúde e trabalho. Hoje, no Brasil, 17% dos lares brasileiros ainda não possuem acesso à rede, situação ainda pior nas áreas rurais e nas classes sociais mais humildes.
Dentre as estratégias previstas no PL para a consecução da inclusão digital estão a promoção de competências digitais; o desenvolvimento de sistema digital de autodiagnóstico de competências para todos os cidadãos; o treinamento de competências digitais na perspectiva do usuário, incluindo os grupos de cidadãos mais vulneráveis; a criação de plataforma de recursos digitais de acesso gratuito ao suporte digital de treinamento e o desenvolvimento de um sistema de certificação digital de competências para uso dos cidadãos.
2 - Educação digital escolar
A educação digital escolar é direcionada às atividades de ensino e parte do letramento digital, que é a capacidade de compreender as situações de leitura e escrita que acontecem no contexto tecnológico e mais: significa o processo pelo qual uma pessoa passa para possuir as habilidades necessárias para viver, aprender e trabalhar em uma sociedade onde a comunicação e o acesso à informação ocorrem cada vez mais por meio de tecnologias digitais, como plataformas de internet, mídias sociais e dispositivos móveis.
Não poderia deixar de incluir a promoção da inovação pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem; o desenvolvimento de recursos educacionais digitais; a formação de professores; a promoção e divulgação da robótica e do letramento digital e o reforço da formação no ensino superior em parceria com empresas da área da digitalização industrial.
3 - Qualificação digital
A qualificação digital é direcionada à formação e treinamento da força de trabalho, seja para o cidadão empregado ou não, com o objetivo de melhorar a empregabilidade do trabalhador.
Esse eixo será desenvolvido com a identificação das competências digitais necessárias para a empregabilidade, com a promoção de qualificação em TIC, incluindo acesso a certificações especializadas, com a requalificação e integração profissional de graduados e desempregados, com a atualização e qualificação de adultos, trabalhadores e desempregados, incluindo os desempregados de longa duração e qualificação digital de servidores públicos em cargos públicos.
Também são previstas a implantação de rede nacional de apoio ao ensino interativo à distância, de rede nacional de cursos de educação profissional e superior e de rede de academias e laboratórios digitais nos Centros Tecnológicos das Instituições Federais de Educação Superior.
4 - Especialização digital
O foco da especialização digital é no estímulo de competências digitais no ensino superior, a partir da implementação de redes de programas de formação, bem como no incentivo de cursos de pós-graduação (mestrados e doutorados), além do estabelecimento de laboratórios de inovação nas instituições de ensino superior.
Vale ressaltar que o projeto de lei menciona nesse quarto eixo a criação de rede de professores 4.0 no âmbito das Instituições Federais de Educação Superior, com o objetivo de integrar um conjunto de conteúdos e competências nos planos de formação, com enfoque na indústria 4.0.
5 - Pesquisa digital
O objetivo é de assegurar a produção de novos conhecimentos a partir de políticas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) nas áreas de computação científica, ciências e tecnologias quânticas, inteligência artificial, mídia digital, com ênfase em quatro áreas principais:
a) ciberinfraestrutura avançada, incluindo todos os campos de computação científica avançada;
b) centros de computação e comunicação, incluindo computação quântica, entre outras áreas;
c) sistemas de computação e redes, incluindo big data, computação nas nuvens e internet das coisas (IoT), entre outros;
d) sistemas de informação e inteligência, incluindo inteligência artificial e computação centrada no indivíduo em relação aos meios digitais;
A ideia é que se façam parcerias com os setores privados do mercado, além da interação internacional com outros países.
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Exclusão digital e futuro
Uma análise de mérito a respeito do PL 4513/2020 foi feita pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Alagoas (SINTEAL) e nela consta que, apesar de um dos eixos da norma fomentar a inclusão digital, “com o objetivo de garantir que toda a população brasileira tenha igual acesso às tecnologias digitais para obter informações, comunicar-se e interagir com outras pessoas”, não apresenta soluções viáveis para eliminar a enorme exclusão digital a que o país está submetido.
Pesquisas dão conta que mais de 20 milhões de estudantes matriculados no ensino obrigatório (4 a 17 anos) não tiveram a possibilidade de frequentar aulas remotas durante a pandemia por falta de computadores e internet de banda larga. E essa segregação foi uma grave negação ao direito à educação durante a pandemia.
Inclusive, na contramão, o governo ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a implementação da Lei nº 14.172/21, que dispõe sobre a garantia de acesso à internet com fins educacionais a alunos e a professores da educação básica pública. Esta lei deve contemplar mais de 18 milhões de estudantes e cerca de 1,5 milhão de professores das escolas públicas (o veto presidencial à lei já foi derrubado pelo Congresso Nacional).
Realmente, é importante que, ao mesmo tempo em que a legislação venha inovar, sintonizada com as demandas contemporâneas da sociedade, também apresente meios de concretizar esses anseios.
No caso específico do PL, o texto determina que a política será regulamentada pelo poder executivo e deverá estar presente no plano nacional plurianual e nas legislações orçamentárias. Após a publicação da lei, outras normativas deverão regulamentar seu texto, viabilizando e materializando as estratégias previstas.
É o que esperamos: a concretização e a incorporação da cultura digital no processo educacional do aluno/cidadão.
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