O relatório produzido pela Comissão Europeia, intitulado Tendências e implicações políticas da tecnologia na Educação, e sobre o qual falamos em nosso último texto, possui um capítulo somente para discutir a chamada “Próxima Internet”, termo cuja definição pode causar ainda alguma dúvida.
Alguns pesquisadores dão este nome à próxima fase da Era Digital, caracterizada por três sistemas unidos: computação em nuvem, análise de big data e Internet das Coisas.
Na atual circunstância a Próxima Internet já está reformulando as práticas laborais e representando uma ameaça para a privacidade, por exemplo. A nuvem também já se tornou uma fábrica de dados em vez de um utilitário de armazenamento e é utilizada por profissionais de marketing, contadores e governos.
No estudo europeu ela também representa um novo conceito de abordagem às redes digitais, causando importantes consequências sociais e cognitivas. Destaca-se, então, o uso do 6G e espera-se que passemos por uma nova transformação, tal qual passamos quando do nascimento da Internet e da World Wide Web, quando as formas estabelecidas de comunicação humana e o acesso ao conhecimento foram modificadas, impactando nossa interação e cognição. Em diferentes níveis, o impacto do 6G será semelhante, quiçá mais profundo.
Não se sabe exatamente esta mudança ocorrerá, mas os pesquisadores estão certos que ela afetará a aprendizagem e nossas atuais teorias sobre como ela acontece.
Rumo às redes 6G
Termos como ‘mundos virtuais’ e ‘realidade estendida’ já são comumente usados, embora existam muitas interpretações do que signifiquem na prática. Para melhor esclarecer as redes 6G, apresentamos alguns usos propostos para o futuro.
A ideia é de termos à disposição, por exemplo, reuniões 3D em tempo real de alta qualidade durante viagens de trem de alta velocidade; cirurgias remotas utilizando interação de realidade virtual, e aplicações ainda mais singulares, como holo-presença. Do ponto de vista da aprendizagem, o campo de possibilidades é imenso. Basta imaginarmos as representações possíveis do mundo físico em diferentes níveis digitais - do campo atômico, celular, até a compreensão do espaço – para entendermos a disruptividade da tecnologia em sua nova fase.
Tópico interessante é que, no lugar da nuvem centralizada, grande parte do processamento ocorrerá próximo ao usuário. Fato é que os usuários experimentarão uma velocidade muito alta e uma rede de baixa latência, ou seja, sem atrasos.
Outro detalhe é que as redes 6G utilizarão extensivamente o aprendizado de máquina e a inteligência artificial. Em contraste com as redes 4G e 5G, que dependem de torres de celular onde a estação base precisa se conectar a rede sem fio e a redes fixas e à internet, o 6G irá além do paradigma da rede celular. As velocidades muito altas que se espera que a rede forneça exigirão novas tecnologias de acesso sem fio, que podem incluir pontos de acesso de amplo espectro incorporados em residências, escritórios e salas de aula.
De acordo com o estudo da Comissão Europeia, com a Próxima Internet, o físico e o digital será mais interconectado em aspectos mais profundos e complexos e irá além do instrumental óbvio e do uso de novas possibilidades técnicas, como presença holográfica e simulação imersiva.
O material apresentado é muito interessante; pode soar ficcional para algumas pessoas, mas ele mesmo nos lembra que a organização do tempo e da era industrial foi perturbado pelo surgimento da Internet. Depois, os aumentos nas capacidades das redes na virada da década de 1990 criaram uma nova infraestrutura social.
Manuel Castells
O sociólogo espanhol Manuel Castells, uma das maiores autoridades acadêmicas no tema do impacto das tecnologias da informação na sociedade, é citado no relatório europeu. Ele mapeou o “ciberespaço” e suas conclusões, amplamente estudadas por sociólogos, filósofos, estudiosos culturais, orientaram filosoficamente cientistas da computação nas últimas décadas.
Castells se concentrou nas redes e nos fluxos entre os centros de informação, tecnologia, ideias e interações organizacionais e suas consequências. Já o 6G conecta-se mais diretamente com a cognição, o espaço e a ação. No entender dos autores do documento, portanto, estamos caminhando para um mundo “pós-Castellsiano”, no qual a aprendizagem necessitará das teorias construtivistas que enfatizam a ação prática como uma fonte de aprendizagem.
Para muitos a aprendizagem está enraizada na experiência concreta e requer prática e experimentação com o mundo material. Ela só começaria de fato quando nossa ação habitual não leva aos resultados esperados e a ação é movida a um nível intelectual. Da mesma forma, Lev Vygotsky – no século 19 - defendia que as crianças aprendem internalizando a ação prática.
Fato que, enquanto a transformação social discutida por Castells focou na nova organização tempo-espaço da interação social, as características técnicas da rede 6G implicam em uma reorganização no nível mais profundo de cognição e ação humana.
Tecnologias imersivas
Os desenvolvedores têm apostado em uma vasta gama de tecnologias imersivas; uma das áreas de mais sucesso é a das aplicações que permitem que estudantes pesquisem a anatomia de humanos e animais e façam procedimentos cirúrgicos. Simulações XR têm sido usadas para permitir visitas a períodos históricos e ao espaço sideral, para a aprendizagem interativa de línguas, visualização de funções matemáticas, treinamento de funcionários, tarefas de trabalho perigosas em plataformas de petróleo e supermercados, e para formação de profissionais atletas.
A adoção de XR na educação em saúde também pode ter um impacto significativo na qualidade da educação, fornecendo experiências simuladas para treinamento e prática, habilidade, avaliação e conhecimento processual.
Uma variante das tecnologias imersivas que chama bastante a atenção é o holograma. Os tridimensionais foram propostos para usos educacionais pelo menos desde o início da década de 1990 e agora contam com a transferência de dados necessária e capacitada para fazer acontecer.
Pandemia e futuro
Com a pandemia do Covid-19 e o fechamento das escolas, pudemos perceber que os maiores prejudicados foram os estudantes com pior situação socioeconômica. No documento publicado pela Comissão Europeia existe uma confiança de que a Educação, servida pela Internet 6G, possa dar um melhor respaldo a esta população quando passarmos novamente por períodos conturbados.
Faz sentido, para o cidadão comum, tratar a internet desta maneira daqui para frente ou para daqui a alguns anos ou décadas? Seremos surpreendidos em breve pela disponibilização de ferramentas que só contemplamos em teoria?
O fato é que as inovações estão nos alcançando mais rápido do que o previsto: já contabilizamos mais de 21 bilhões de “coisas” habilitadas com internet no mundo todo. Nossa realidade se assemelha mais à ficção do passado do que poderíamos cogitar.
No caso dos gestores educacionais e decisores políticos há a necessidade de um passo à frente. Eles precisam estar cientes do andamento das pesquisas, de participar dos debates e agregar as inovações tecnológicas na atividade pedagógica. Sempre, claro, com uma postura crítica, devem tomar as decisões para a implantação e implementação dos processos mais adequados.
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