A Resolução n. 25, de 05 de julho de 2023, oriunda da Secretaria de Estado de Educação de São Paulo, é alvo de investigação pelo Ministério Público/SP, por possível violação de direitos. Vejamos o porquê.
A normativa paulista estabelece critérios e procedimentos para o lançamento do chamado registro de Não Comparecimento (NCOM) dentro das escolas do estado. O objetivo da norma seria ‘o pleno atendimento à demanda do Ensino Fundamental e Ensino Médio, na rede pública de ensino do Estado de São Paulo’.
A resolução
No artigo 1º da norma já se prevê que na hipótese de o aluno não comparecer às aulas no período de 15 dias letivos, contados a partir do primeiro dia subsequente do registro da matrícula, sem justificativa para as ausências, terá seu nome lançado na plataforma SED, pela escola, com o registro de “Não-Comparecimento” – NCOM.
Este lançamento poderá ser realizado durante todo o ano letivo aos estudantes que não obtiverem registro de frequência nos últimos 15 dias letivos consecutivos, sem justificativas, esgotados os procedimentos de busca ativa; no caso, a opção para lançamento do “Não Comparecimento” na plataforma SED é disponibilizada à escola por cinco dias letivos, imediatamente após ao final do período do artigo 1º da resolução.
Passado este prazo, ainda será possível à instituição efetivar o registro da situação dos alunos que se enquadrem na situação, sendo considerado, então, um “Não-Comparecimento fora de prazo” – NFP (artigo 3º).
Uma das previsões é que, no ato do lançamento, devem ser informados pela unidade escolar quais procedimentos de Busca Ativa foram realizados para descobrir o que houve com o estudante; os dados devem ser inseridos no prontuário do aluno (artigo 4º).
Continuando, o artigo 5º prevê que o aluno com matrícula ativa que possuir inscrição por Transferência ou Intenção de Transferência e receber o “Não Comparecimento” terá sua inscrição cancelada automaticamente. Neste caso, se demonstrar interesse em retornar à rede pública de ensino, deverá efetuar nova inscrição em qualquer unidade escolar da rede pública, nos postos do Poupatempo ou pela plataforma SED.
Por fim, pelo artigo 6º, há a previsão de que a Coordenadoria de Informação, Tecnologia, Evidência e Matrícula – CITEM e a Coordenadoria Pedagógica – COPED poderão expedir instruções complementares para o cumprimento do disposto na resolução, no âmbito de suas competências.
O Ministério Público de São Paulo
Analisando a resolução, o Ministério Público de São Paulo instaurou inquérito civil para apurar o que entende ser uma "possível violação ao Direito Constitucional de Permanência Escolar", com o quê concordamos.
Pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB – Lei 9.394, de 1996), da mesma forma que o estudante não pode ser aprovado caso sofra um número de faltas superior a 25% das horas-aula integrantes do ano letivo, a quantidade de faltas não pode prejudicar o direito à permanência na escola.
E mais: na hipótese das faltas ultrapassarem 30% do percentual permitido pela legislação em vigor, os conselhos tutelares – sequer mencionados pela Seduc - devem ser acionados. No caso, as faltas acionam um alerta para o que pode ou deve estar acontecendo com o estudante, não devendo ser um critério para o desligamento escolar.
Mais a mais, outro ponto que acende a luz para a irregularidade da medida é o dever do Estado em garantir educação básica, obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, bem como cuidar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência escolar.
Educação
O conjunto de princípios e fundamentos da Constituição de 1988 permitiu a publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente e alçou o direito à educação a um dos direitos fundamentais. O ECA, então, trouxe ferramentas para que este direito fosse efetivado e reconheceu que crianças e adolescentes estão em formação da personalidade e que precisam ser protegidas em sua integridade física e moral, aspectos fundamentais para o desenvolvimento humano.
Não à toa os eixos centrais do Estatuto são a sobrevivência, o desenvolvimento pessoal e social, a integridade física, moral, psicológica e social e as políticas prioritárias são a saúde, a educação e a proteção especial.
Além do direito à educação, como já mencionado, o ECA determinou como direitos fundamentais que devem ser garantidos: o direito à vida, à saúde e à alimentação; à cultura, ao esporte, ao lazer e à profissionalização.
A convivência familiar e comunitária, a liberdade, a dignidade e o respeito também são direitos garantidos pela lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
Segundo o Estatuto, “a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”.
A lei também assegura à criança e ao adolescente o direito de ser respeitado pelos educadores; o direito de contestar critérios avaliativos (podendo recorrer às instâncias escolares superiores); o direito de organização e participação em entidades estudantis, o acesso a escola pública e gratuita próxima de sua residência e a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola.
Para que estes direitos sejam assegurados, o estatuto prevê os deveres do Estado, dentre eles garantir o ensino fundamental - obrigatório e gratuito -, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria.
O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é um direito público subjetivo, ou seja, caso o Poder Público não o garanta ou não o faça de maneira regular, existe possibilidade de exigi-lo judicialmente.
Dito isto, a previsão da Resolução da Secretaria de Educação do estado de São Paulo que prevê que o aluno possa ter sua matrícula cancelada automaticamente em razão de ter recebido o lançamento de “Não-Comparecimento” na plataforma SED nos parece mesmo uma possível violação ao Direito Constitucional de Permanência Escolar.
Cancelar a matrícula do aluno neste caso vai justamente de encontro ao que o Estado precisa e deve fazer. Em verdade, todos os poderes e níveis da federação devem empregar o máximo esforço para efetivar o Direito de Permanência Escolar, bem como fiscalizar seu cumprimento.
Evasão escolar
Entre 2019 e 2021 foi observado um aumento na evasão escolar, muito em razão da ocorrência da pandemia do Covid-19. Caso a medida proposta pela Resolução n. 25/23 seja mantida a situação pode se agravar, desvirtuando o propósito da própria normativa.
Sem contar, claro, que, estando tutelado o direito de permanência, é corolário lógico a proibição das transferências compulsórias ou expulsões por ato unilateral da escola.
No lugar de cancelar as matrículas, a Secretaria de Educação deve pesquisar o que leva o aluno a ficar mais de 15 dias longe da escola e, então, a partir daí, dialogar com o Conselho Estadual de Educação e com o Ministério Público.
Coordenadorias de Educação (escolas municipais), Diretorias Regionais de Ensino (escolas estaduais), Secretarias de Educação municipais, Conselhos Tutelares e Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente são também órgãos competentes para tanto.
Nota da Secretaria da Educação de São Paulo
A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, em nota, esclareceu que a resolução SEDUC 25 de 5 de julho de 2023 é uma iniciativa que complementa uma série de ações da pasta, iniciadas nos primeiros meses da nova gestão para que o aluno ausente volte para a sala de aula. E que garante que, a qualquer momento, todo aluno possa ingressar ou voltar à rede de ensino estadual.
Para a Secretaria, a medida combate a evasão escolar, juntamente com o aplicativo Diário de Classe SP, utilizado para registro diário da frequência dos alunos da rede estadual e a plataforma Aluno Presente, um painel de controle de frequência que exibe desempenho por aluno, escola e Diretoria de Ensino. São ferramentas que permitiriam que a Secretaria, as diretorias de ensino e as escolas possam acompanhar em tempo real os dados de frequência e tomem medidas para melhorar o comparecimento.
“A nova resolução estabelece que a partir de 15 dias letivos consecutivos, e depois de esgotados todos os procedimentos de busca ativa (contato telefônico, presencial, carta e e-mail), a escola registra um NCOM (Não Comparecimento) e o aluno tem a matrícula cancelada. Os 15 dias seguem determinação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que prevê que o Conselho Tutelar deve ser notificado quando as faltas atingirem 30% do máximo permitido em lei, estabelecido atualmente em 50 faltas.
Importante reforçar que a resolução tem como objetivo identificar a ausência dos alunos com mais agilidade e possibilitar providências antes que o estudante abandone a escola de vez. No modelo anterior, o abandono só era conhecido no final do ano letivo e o Não Comparecimento poderia ser registrado sem justificativas sobre a não frequência dos estudantes. Agora, é obrigatório que em todo o registro de “Não Comparecimento” a escola informe se fez ou não a busca ativa".
Por ora vamos aguardar os desdobramentos das medidas tomadas pelo Ministério Público de São Paulo; acompanhe-nos e se mantenha informado.
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