Alunos de graduação podem, sim, cursar disciplinas da pós-graduação, o que inclui a especialização, o mestrado e o doutorado, isso ainda durante a graduação. Para que a disciplina seja aproveitada na pós-graduação, todavia, requisitos devem ser obedecidos.
Vamos por partes, inicialmente com o porquê de o aluno da graduação poder cursar disciplinas da pós-graduação:
Existe, em nosso modelo atual de ensino, uma articulação entre suas etapas e modalidades: de acordo com o art.1º da LDB, diversos processos formativos devem ser considerados como educacionais e, nos termos do art. 43 da mesma lei, pesquisa e extensão também são finalidades da educação superior. Tanto quanto o ensino.
A CAPES, por exemplo, agência do governo para a coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior, valoriza como indicador de qualidade dos cursos de mestrado e doutorado, a integração com a graduação. Isto na medida em que o programa demonstra ações que revelem articulação entre a pós-graduação stricto sensu e os cursos de graduação da unidade acadêmica em que se insere.
No Brasil, a Educação Superior pode ser ministrada por meio de cursos de graduação, pós-graduação, extensão e sequenciais. Esses formatos de cursos estão descritos no art. 44 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB.
As modalidades de pós-graduação são etapas subsequentes da graduação: exige-se como regra a graduação como requisito de acesso à matrícula na pós-graduação. Não há, porém, impedimento de acesso a disciplinas da pós-graduação.
Art. 44. A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas: [...]
II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo;
III - de pós-graduação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de especialização, aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados em cursos de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino;
A pós-graduação tem dois segmentos: o Lato Sensu e o Stricto Sensu. O segmento lato sensu abrange cursos centrados no ganho de prática e no estudo de técnicas que ajudarão o profissional no cotidiano do trabalho. A especialização permite que o aluno aprimore seus conhecimentos em uma área específica de sua atuação, diferentemente da graduação, generalista por excelência. O segmento stricto sensu, por sua vez, tem como objetivo aprofundar os conhecimentos teóricos; discussões e análise de conceitos, teorias e conhecimentos plurais de diferentes perspectivas e momentos históricos servem de base para os estudos do aluno. Normalmente quem busca esses cursos pretende ingressar na carreira acadêmica e desenvolver conhecimentos e produções científicas.
A liberdade de atuação das Instituições de Ensino Superior
Tanto a Constituição da República quanto a Lei de Diretrizes e Bases concedem liberdade de atuação para as IES. A autonomia no ensino é ampla, tanto para elaborar e executar a proposta pedagógica quanto para criar cursos, fixar currículos, estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa.
Não há previsão de intervenção estatal excessiva nos assuntos educacionais e seria mesmo absurdo que se impedisse que um aluno/graduando cursasse disciplina ofertada na pós-graduação, seja ela qual for. Pelo menos em tese o aluno estaria recebendo conteúdo de igual ou maior qualidade que o oferecido na graduação.
A questão, portanto, não é a possibilidade de cursar disciplina da pós-graduação enquanto se estiver matriculado na graduação. O conflito reside em como vai ser aproveitada a disciplina, pois a LDB é clara ao dizer que os cursos de pós são destinados a alunos diplomados em cursos de graduação (Art. 44, III), ou seja, só podem ser matriculados na pós-graduação alunos que não apensa tenham concluído conteúdo da graduação, mas que já possuam diploma.
Em 2007 o CNE emitiu parecer considerando ilegal não só a matrícula em curso de pós-graduação lato sensu de estudante não portador de diploma de nível superior, mas também em disciplinas isoladas de curso dessa modalidade, mesmo sob outras denominações, para fins de aproveitamento posterior em cursos de pós-graduação.
Entendemos que houve equívoco por parte do CNE. O Conselho, via parecer, supõe que o estudante que cursa disciplinas que serão aproveitadas pela pós-graduação já está matriculado no curso de especialização antes de completar a graduação, o que não encontra suporte na realidade.
Nada impede que o estudante curse as disciplinas e depois se matricule na pós, aproveitando, a partir de então, os conteúdos já cursados. Só depois da matrícula na pós-graduação serão aproveitadas, ou não, disciplinas cursadas antes da data de seu início.
O que não pode ocorrer, e com isso concordamos, é forjar uma situação em que o aluno da graduação participa de disciplinas de um curso de extensão, mas, ao final de sua graduação, resta-lhe faltosa apenas a monografia da pós-graduação. Feita a monografia, ele obteria a titulação de graduado e pós-graduado, em um verdadeiro simulacro da realidade.
Articulação entre graduação e pós-graduação
Já dissemos acima que cursos de mestrado, doutorado e especialização podem ter conteúdos cursados durante a graduação, desde que o objetivo seja promover a integração entre os dois subníveis (graduação e pós-graduação), ou seja, etapas subsequentes do nível educação superior.
Diante da possibilidade dessa articulação entre etapas de ensino, vamos nos ater ao que foi determinado no parecer do CNE de 2007, citado acima, desta vez especificamente no voto do Conselheiro Milton Linhares. Ele atesta que não há vedação para a prática no ordenamento educacional vigente e especifica as seguintes condições:
que o conteúdo seja ministrado em disciplina eletiva;
que não substitua componentes curriculares estabelecidos pelo projeto pedagógico do curso de graduação;
e que a matéria da pós-graduação seja cursada em período distinto daquele destinado à integralização da carga horária total do curso de graduação.
O aproveitamento de disciplinas em especializações profissionalizantes
Outra questão que deve ser realçada é que a pós-graduação lato sensu tem características próprias de ensino profissionalizante, devendo ser analisada com base nas peculiaridades desta modalidade educacional. Ou seja, cursos de especialização têm natureza de educação profissional.
E em razão dessa natureza é coerente que a estes cursos se apliquem as regras da educação profissional previstas na LDB:
Art. 40. A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho.
Art. 41. O conhecimento adquirido na educação profissional e tecnológica, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos.
Neste raciocínio fica ainda mais clara a possibilidade de aproveitamento de disciplinas, até mesmo das eletivas ou cursos (sequenciais ou de extensão), para fornecer educação de qualidade, integrada e incentivadora do prosseguimento dos alunos em cada um dos ramos profissionais existentes.
Sobre a educação profissional e o aproveitamento de estudos, o Conselho Nacional de Educação, em dois pareceres (Parecer CNE/CEB nº 11/2012 e Parecer CNE/CEB nº 11/2015 ), ressalta que as novas políticas públicas devem contemplar oferta mais flexível de cursos e programas objetivamente destinados à profissionalização dos trabalhadores de acordo com itinerários formativos que lhes possibilitem contínuo e articulado aproveitamento de estudos e de conhecimentos, saberes e competências profissionais constituídas.
No segundo Parecer citado, responde o CNE positivamente à questão formulada em relação à possibilidade de “uma instituição escolar que tenha cursos técnicos legalmente autorizados pelo Conselho Estadual de Educação, proceder ao aproveitamento de estudos de disciplinas prestadas em cursos livres da mesma área do curso técnico”.
A justificativa é que os cursos destinados à formação inicial e continuada de trabalhadores ou qualificação profissional, bem como os alunos especiais em cursos escolares– chamados pelo Art. 50, da Lei nº 9.394/96 (LDB) de “alunos não regulares” – são valorizados na medida em que a legislação e normas educacionais permitem o integral aproveitamento dos conhecimentos e saberes profissionais neles desenvolvidos, para continuidade nos cursos técnicos de nível médio, quando diretamente relacionados com o perfil profissional da respectiva habilitação profissional.
É bastante claro que, nestes casos, para fins de prosseguimento ou conclusão de estudos, a escola deve avaliar, reconhecer e certificar esses saberes. O aproveitamento de determinada disciplina, cursada pelo chamado aluno especial, decorre de avaliação, reconhecimento e certificação, responsável e intencionalmente assumidos pela escola.
Os cursos de natureza profissionalizante, inclusive de pós-graduação, não podem, portanto, conter limitação de aproveitamento de conhecimento ou desprezar estratégias que articulem níveis, subníveis e modalidades educacionais. Pelo contrário, devem contemplar ampla possibilidade de aproveitamento de conhecimentos, que pode ser previamente planejada como estratégia de integração entre a graduação e a pós-graduação.
A oferta de vagas para alunos em “disciplinas isoladas” é uma prática de mercado; instituições de grande renome ofertam disciplinas da pós para seus alunos de graduação.
Um exemplo dessa prática é o ITA - Instituto Tecnológico de Aeronáutica, que possui o Programa Integrado Graduação-Mestrado (PIGM). Segundo o art. 4º da Portaria 02/IE, de 05/07/1996, o programa garante que: “as matérias de pós-graduação, cursadas como optativas na graduação, freqüentadas com aproveitamento, em primeira-época, poderão contribuir com até seis créditos para a pós-graduação”. Na UFMG também é permitido o mesmo tipo de integração, por meio de programa de “formação avançada”. Neste programa, da renomada IES mineira, é permitida, inclusive, a matrícula de estudantes de graduação em disciplinas da pós-graduação.
Mais recentemente, as Diretrizes Curriculares dos cursos de Direito, Resolução CNE/CES 05/2018, tratou como necessária a integração entre graduação e pós, no Art. 2º, § 1º, VIII. Essa inovação deve, no mínimo, fazer com que as IES e o CNE inovem seu entendimento, antigo e infundado, de que estudantes de graduação não possam cursar disciplinas da pós-graduação.
Parece, em verdade, que a proibição de que alunos cursem disciplinas de qualquer curso entre os níveis de graduação e pós-graduação é apenas um tabu. E justamente por isso são muito relevantes as recomendações feitas no também já mencionado parecer do CNE de 2007, pelo então Conselheiro Milton Linhares, que assim podem ser escritas nos dias atuais:
Os estudantes de graduação interessados nos conhecimentos integradores devem ser matriculados em disciplinas ou cursos de extensão ou sequenciais, nunca diretamente em cursos de pós-graduação;
As disciplinas ou cursos não devem esgotar o conteúdo dos cursos de pós-graduação, não devem buscar substituí-los e devem estar incluídas em claros projetos pedagógicos que promovam a articulação entre subníveis e/ou fortaleçam os conhecimentos profissionais;
Em virtude de indicativo do CNE, no voto de vista do Parecer CNE/CES 356/2009, não se pode aproveitar na pós-graduação os conteúdos curriculares necessários para a formação na graduação.
As disciplinas da pós-graduação, cursadas pelos alunos graduandos/especiais, não podem ocorrer nos horários regulares desses alunos.
Seguir estas orientações é muito importante para que não se configurem atos de simulação por parte da IES, que, de maneira ilícita, poderia fornecer certificado de conclusão de pós-graduação – mais provavelmente uma especialização – quando o estudante teria finalizado apenas o processo de graduação.
Se os objetivos da IES foram lícitos e harmoniosos em relação aos princípios da educação superior, dentre eles promover a integração entre os subníveis graduação e pós-graduação, não há que se falar em impedimento na oferta ‘antecipada’ de cursos de especialização, do mestrado ou do doutorado. Disciplinas podem e devem ser ofertadas a todos que, como ressalta o Art. 50, da LDB, demonstrem a capacidade de cursá-las com proveito.
Gostou deste artigo? Faça parte de nossa lista de e-mail para receber regularmente textos como este e notícias de seu interesse.
Fazendo seu cadastro você também pode receber mais informações sobre nossos cursos: em março de 2020 teremos o curso de Direito de Informação e Proteção de Dados nas Instituições de Ensino. Em breve também faremos nossos encontros sobre Direito Educacional.