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Edgar Jacobs

Ato falho? Associação admite vício na atuação do MEC que restringiu a abertura de cursos de Medicina

Atualizado: 14 de dez. de 2022

Em petição bastante enfática, a associação que promove a ADC 81 expôs no processo constitucional algumas contradições, omissões e confusões de seu pleito. Esses equívocos vieram acompanhados de alguns, pode-se dizer, atos falhos.


Os problemas são evidentes. Em primeiro lugar, o texto afirmou que o fechamento do mercado pode revelar um vício jurídico, mas trata o vício como um fato insignificante que durou 4 anos. Depois, mencionou reiteradamente uma suposta abertura “indiscriminada” de vagas e cursos, mas omitiu que a própria AGU entende que os processos judiciais questionados apenas instam o MEC a avaliar as propostas de cursos, sem entrar no mérito do pedido.


Além disso, dentre outras falhas, fez confusão entre as visitas in loco que antecedem a análise do MEC em processos regulares e a visita de monitoramento presente nos processos iniciados via chamamento público, que é parte de um procedimento licitatório e ocorre após a definição do vencedor do chamamento público.


Cada um desses equívocos veio acompanhado de uma confissão inconsciente.


Sobre o cerceamento do direito de abertura de novos cursos de Medicina, tema central das ações judiciais questionadas na ADC, a petição, usando o termo “moratória” para se referir a Portaria 328/2018, afirma que:


126. Sem se falar que, apesar de instituída para obstar, por um momento a disponibilização de novas vagas — até que o Governo Federal avaliasse sua necessidade —, a vigência da referida portaria está próxima do fim: abril de 2023. Essa questão não merece ser levada em conta nesta ação.
127. Não é mesmo possível suscitar a inconstitucionalidade da política pública dos chamamentos públicos, instituída pelo art. 3º da Lei 12.871/2013, a partir de eventual vício da dita moratória.
128. Com efeito, caso esse e. STF entenda que, para a resolução do problema, seja necessário o afastamento da referida moratória, é possível que se determine ao Ministério da Educação que abra novos chamamentos públicos, nos termos da Lei 12.871/2013, ao invés de, como fazem as decisões, “revogar” a política pública instituída pelo legislador, que em nada veda a abertura de novas escolas médicas (!). (Sublinhamos)

Este trecho da petição admite o “eventual vício” da moratória e tenta minimizá-lo. E faz pior, sugere que o STF determine a abertura de novos chamamentos, deixando claro que, neste momento, a política pública que a ação constitucional defende nem sequer está ativa. Portanto, as alegações feitas parecem um ato falho, que desmonta grande parte da ADC 81.


Vale também observar que, logo no início desse fragmento de texto, foi dito que a moratória está “próxima do fim” e que, por isso, “não merece ser levada em conta nesta ação”. Essas afirmações tratam a ilegalidade como passado, mas negligenciam que a razão de ser da ADC 81 é desqualificar processos judiciais que foram propostos durante a vigência da quase finalizada Portaria 328/2018 e negligenciam que esta ilegalidade é um dos fortes fundamentos daqueles processos. Talvez esse trecho seja um claro exemplo da afirmação feita por F. Scott Fitzgerald no sentido de que “Um ponto de exclamação é como rir de sua própria piada”. Afinal, há um certo tom cômico no argumento de que uma norma irregular não precisa ser considerada porque sua eficácia está prestes a terminar.


A segunda questão é mencionada por no mínimo 6 vezes na petição juntada. A questão suscitada é a suposta “abertura indiscriminada de novos cursos”.


Essa alegação, acompanhada de trechos descontextualizados de declarações feitas na recém-realizada audiência pública, pode ser facilmente derrubada por dois argumentos: (1) o representante da AGU respondeu diretamente ao Ministro Relator da ação que os processos judiciais não criam cursos novos à revelia da avaliação de qualidade, ou seja, disse, literalmente, que as decisões judiciais “…pedem para que os ministérios façam um escrivo [SIC] e não determinam, de fato, a concessão ou o deferimento de um novo curso…”; e (2) as informações trazidas à ADC pelo MEC e pela AGU demonstram que há rigor na avaliação de qualidade, pois apesar das centenas de ações ajuizadas menos de 10 processos administrativos foram exitosos.


Os dados mostram que não há, nem haverá, abertura indiscriminada de cursos de Medicina, pois o MEC e o Conselho Nacional de Saúde (CNS) cumprem o papel de análise rigorosa e detalhada de cada procedimento protocolado. Aliás, é importante destacar a atuação do CNS em processos regulares, pois este importante órgão faz a análise da necessidade social e das condições locais de implantação do curso, afastando, também, a alegação de que os novos cursos não contribuem com a redução das desigualdades ou não consideram a infraestrutura de saúde local.


Neste caso, o deslize inconsciente veio no pedido subsidiário feito ao final. Depois de reiteradamente defender o risco na abertura de vagas em cursos de medicina, a petição apresentou um pedido cautelar no sentido de que, caso o STF “... entenda que há necessidade de abertura de novas vagas...” seja determinado que “...liminares deferidas judicialmente somente poderão determinar que o Ministério da Educação, em prazo a ser assinalado na decisão, publique novos editais de chamamentos públicos”.


Este é um pedido bastante incomum, não há dúvida, mas neste momento é bom frisar que o requerimento demonstra uma incongruência absurda entre o que a petição defende e o que pede - é quase como dizer: eu sei que meus argumentos sobre um possível caos na saúde são fracos e por isso quero aderir aos pedidos de ampliação das vagas e cursos de medicina. Essa desconexão, que valida a tese de que há necessidade de novos cursos, só pode ser classificada como um segundo ato falho.


Por fim, existe no texto uma confusão generalizada de procedimentos. Por exemplo, em várias passagens da petição são exaltadas as contrapartidas dadas pelas instituições que vencem os chamamentos públicos, mas isso é feito sem a ressalva de que “contrapartidas” são uma retribuição por benefícios que o vencedor dos certames do chamamento tem.


Tempo reduzido, direito a abertura de cursos atribuído sem a prévia existência de instituição de ensino na cidade e até amplos compromissos de infraestrutura de saúde feito previamente pelos Municípios são algumas das vantagens de quem vence os chamamentos públicos. Daí a necessidade de contrapartidas no âmbito daquela política pública.


A mistura de temas chama a atenção, ainda, quando a petição da ADC tenta desqualificar um diagrama alegando que não foi mencionada a existência de avaliação in loco prévia e decisão da SERES nos procedimentos de chamamento público.


Ora, a “avaliação” mencionada na petição é, na verdade, o monitoramento, um procedimento que apenas verifica o cumprimento da proposta vencedora. É bem mais cômodo receber uma avaliação após ter a certeza de que há o direito de abertura do curso de Medicina; o risco é menor e, como dito, o Município já fez compromissos. Além disso, a avaliação in loco de cursos é fase prévia de um procedimento regulatório e o monitoramento é um procedimento de controle interno de licitação (Lei 14.133, de 2021, Art. 11, parágrafo único), similar aos atos fiscalização e ao recebimento dos serviços licitados (Art. 117 e 140, da mesma Lei de Licitações). Por isso, o procedimento de monitoramento não é uma fase independente e nem fase igual à visita in loco da regulação, descrita no diagrama.


Já a suposta “decisão da SERES” é um ato de chancela. Nesse sentido, a Portaria MEC 572/2018, que tratava do monitoramento, afirma que após a primeira visita feita com essa finalidade: O MEC considerará apta a instituição que tiver cumprido os requisitos (...) atestados mediante parecer da Comissão de Monitoramento. (Art. 12, § 2º). Como visto, não há espaço para discricionariedade, o Ministério simplesmente recebe e confirma o parecer da comissão. Dessa forma, não ocorre uma fase de decisão da SERES como existe na regulação e seria incorreto descrever isso em um fluxograma.


A discussão técnica é importante, porém é preciso frisar que há, novamente, um ato falho na petição. Quando a Autora da ação constitucional cria seu próprio diagrama com duas vias para abrir cursos de Medicina ela contraria sua tese de que o chamamento é uma via única e admite, talvez sem perceber, que podem existir duas formas para buscar a autorização desse tipo de curso superior.


Como visto, enfim, há bastante confusão e outras falhas na petição juntada. Nenhuma peça judicial está isenta disso. Na realidade, confrontar-se com seus erros e com o limite de suas teses faz parte da atuação dos advogados. Mas é inegável que esses equívocos corroboram uma provável falta de fundamentos da ação constitucional e que os atos falhos entregam um pouco da real situação da demanda.


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