Em primeiro de julho de 2022, exatamente 640 dias após a publicação das Portarias SERES/MEC nº 279 e 783, ambas de 2020, as quais dispunham sobre os prazos para fins de aprovação tácita dos atos públicos de liberação, de responsabilidade da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior – Seres, o Ministério da Educação revogou as duas normas por meio da Portaria 468/2022.
O prazo próximo dos 600 dias é relevante porque esse é o prazo máximo que implicaria na aprovação tácita dos pedidos autorizativos não decididos e parece ser o motivo que ensejou a edição da norma que aqui será debatida.
As Portarias 279 e 783/2020 eram as normas que estipulavam os prazos que tratavam de aprovação tácita dos atos do Ministério, ou seja, da aprovação automática dos atos em virtude da inércia ou da omissão da Administração quanto ao seu dever de decidir. A revogação dessas normas, portanto, parece casuísta: aparentemente teve como objetivo evitar que as instituições que protocolaram pedidos perante o Ministério da Educação entre o período de outubro a dezembro de 2020 (período de requerimentos daquele ano) obtivessem as autorizações que teriam direito em virtude da inércia do Poder Público.
Apenas a título de exemplo, os pedidos referentes à credenciamentos exclusivos para oferta de Pós-Graduação que foram protocolados entre os dias 1º e 30 de dezembro de 2020 possuíam entre 518 e 547 dias de tramitação quando a norma de credenciamento tácito foi revogada; já os processos de autorização de cursos de Direito na modalidade EAD protocolados em outubro daquele ano tinham entre 579 e 608 dias.
No primeiro caso, referente ao credenciamento, o prazo limite disposto nas Portarias era de 600 dias e com a revogação delas o MEC pode ter tentado impedir que ficasse configurada a autorização tácita, pois em alguns processos protocolados nenhum ato decisório chegou a ser praticado. Sem a revogação faltariam apenas 50 ou 60 dias para que a omissão do Órgão resultasse em diversos atos autorizativos aprovados.
No caso dos pedidos referentes à oferta de cursos de Direito na modalidade a distância, se eventualmente protocolados no período da janela regulatória de 2020, alguns deles já estão tacitamente aprovados. Nesses casos, o prazo máximo para as autorizações era de 540 dias, conforme Portaria 279/2020, da SERES/MEC. Porém, para que as Instituições exercessem seus direitos no âmbito administrativo as normas agora revogadas seriam necessárias. Ou seja, após a Portaria 468/2022 revogar as Portarias 279 e 783/2020 da SERES/MEC, para que as Instituições tenham seus pedidos tacitamente aprovados, agora, só restou a via judicial.
A revogação dessas normas, sem qualquer substituição, soa absurda e especialmente contraditória. Ora, foi o próprio Poder Executivo quem teve a iniciativa de editar a Lei de Liberdade Econômica, que prevê o direito. Foi ele quem criou o Decreto que regulamentou a lei e, por fim, as Portarias que regulamentaram a aprovação tácita no âmbito do Ministério da Educação. Era de se esperar que por ter engendrado o novo direito e escolhido os prazos, o Executivo cumprisse suas obrigações de decidir o processo ou emitir os atos comprobatórios dos atos autorizativos tacitamente aprovados, ou seja, era esperado que a Administração cumprisse suas próprias normas.
Se, como parece óbvio, a razão para a revogação das Portarias sobre o credenciamento tácito foi impedir a aprovação tácita de instituições e cursos, a tentativa parece fadada ao fracasso.
Os processos protocolados e iniciados no ano de 2020 devem ser julgados com base na norma vigente à época e, não bastasse isso, a revogação das portarias específicas do MEC ensejará na aplicação do Decreto, que tem prazos ainda mais curtos para a aprovação tácita.
Sobre aplicação das normas contemporâneas ao início dos processos de regulação do MEC existem, inclusive, decisões do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que garantem que as decisões administrativas devem considerar a legislação vigente à época do pedido:
“O pedido de autorização para aumento de número de vagas em curso superior deve ser analisado pela autoridade competente à luz da legislação vigente à época do requerimento, não sendo legítimo que norma mais gravosa retroaja para o alcance de situações pretéritas. (AG 0044606-60.2014.4.01.0000 / GO, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma, e-DJF1 p.524 de 25/11/2014)“ (REOMS 1014638-45.2017.4.01.3400, DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, TRF1 - QUINTA TURMA, PJe 17/07/2020 PAG.)
“O pedido de autorização de criação de curso superior deve ser analisado pela autoridade competente à luz da legislação vigente à época do requerimento, não sendo legítimo que norma mais gravosa retroaja para o alcance de situações pretéritas. Prevalência do princípio da segurança jurídica.“ (AG 0044606-60.2014.4.01.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, TRF1 - SEXTA TURMA, e-DJF1 25/11/2014 PAG 524.)
“A controvérsia, assim, se resume a saber qual a legislação aplicável para a análise de pedido administrativo formulado: se a vigente na época do protocolo ou a norma posterior, que introduziu alterações no procedimento de exame dos pedidos de autorização de curso superior. A questão já foi objeto de análise por este Tribunal, tendo sido decidido que "o pedido de autorização de criação de curso superior deve ser analisado pela autoridade competente a luz da legislação vigente a época do requerimento, não sendo legítimo que norma mais gravosa retroaja para o alcance de situações pretéritas. Prevalência do princípio da segurança jurídica" (AG 0044606-60.2014.4.01.0000/GO, Relator Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma, e-DJF1 p.524 de 25/11/2014)”. (AG 1010941-55.2022.4.01.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO, TRF1, PJe 13/04/2022 PAG.)
Os acórdãos mencionados seguem precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ, AgRg no MS 13.588/DF, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/11/2008, DJe 27/02/2009), o que concede razoável certeza de que esse direito será reconhecido, especialmente diante da evidente estranheza que a revogação das normas causa.
A respeito do Decreto nº 10.178/2019, que regulou, ainda em 2019, a Lei de Liberdade Econômica, cabe dizer, em primeiro lugar, que ele determinou a criação de normas específicas em cada órgão da administração pública federal (Art. 10) e dispôs ao final que “Enquanto o órgão ou a entidade não editar o ato normativo a que se refere o art. 10, o prazo para análise do requerimento de liberação da atividade econômica, para fins de aprovação tácita, será de trinta dias, contado da data de apresentação de todos os elementos necessários à instrução do processo”(Art. 16).
Ainda em relação ao Decreto, há regra sobre a omissão dos Órgãos quanto as normas específicas:
Art. 11. Para fins do disposto no § 8º do art. 3º da Lei 13.874, de 2019, o órgão ou a entidade não poderá estabelecer prazo superior a sessenta dias para a decisão administrativa acerca do ato público de liberação. (Vide)
§ 1º O ato normativo de que trata o art. 10 poderá estabelecer prazos superiores ao previsto no caput, em razão da natureza dos interesses públicos envolvidos e da complexidade da atividade econômica a ser desenvolvida pelo requerente, mediante fundamentação da autoridade máxima do órgão ou da entidade.
(...)
Art. 18. O prazo a que se refere o art. 11 será:
I - de cento e vinte dias, para os requerimentos apresentados até 1º de fevereiro de 2021; e
II - de noventa dias, para os requerimentos apresentados até 1º de fevereiro de 2022.
Dessa forma, ou a revogação levaria à aplicação do Art. 16, se for considerada a demora na criação das regras, ou a aplicação do Art. 11, se for considerado simplesmente que as normas não existem e que a definição de prazos dilatados é apenas uma possibilidade (o Art. 11, § 1º, diz “...poderá estabelecer....”) e não uma obrigação do MEC. Enfim, o prazo para os processos mencionados seria de 30 ou 60 dias, contados de fevereiro de 2021.
Em resumo, se a intenção do MEC ao revogar as Portarias 279 e 783/2020 era de impedir a caracterização de aprovações tácitas dos processos que tiveram início na vigência da norma, o resultado não parece ser o mais benéfico ao Órgão.
Diante da situação narrada, uma revogação aparentemente inexplicável, motivos que parecem absurdos e resultados incertos só é possível dizer que ninguém ganha com a revogação das Portarias sobre aprovação tácita. E essa conclusão é natural, pois há muitos anos os brasileiros esperam ter direito à duração razoável dos processos e o MEC seria muito enaltecido se estipulasse e cumprisse os prazos.
Por fim, cabe dizer que a aprovação tácita deve ser efetivada em todos os processos em tramitação que ultrapassaram os prazos de tramitação previstos nas referidas Portarias revogadas, pois ao não fixarem nenhuma norma de transição abarcam, até por razoabilidade, todos os processos em atraso.
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