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CADE apura se resolução do Conselho Federal de Medicina  é anticompetitiva

Atualizado: 19 de fev.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) é uma autoridade de defesa da concorrência. Sua responsabilidade é julgar e punir administrativamente, em instância única, pessoas físicas e jurídicas que pratiquem infrações à ordem econômica. Além disso, o Conselho também analisa atos de concentração, de modo a minimizar possíveis efeitos negativos no ambiente concorrencial de determinado mercado.


Em razão dessas competências, o  Conselho instaurou inquérito administrativo  para apurar uma representação formulada pelo Movimento Inovação Digital (MID) contra o Conselho Federal de Medicina, após a publicação de uma norma -  Resolução CFM 2.382/2024 - que determina que a plataforma Atesta CFM seja o  sistema  oficial  e  obrigatório  para  emissão  e gerenciamento  de  atestados  médicos,  inclusive  de  saúde  ocupacional,  em  todo  o  território  nacional, sejam em meio digital ou físico. 

 

A Resolução também determina que a plataforma deve dar suporte à  emissão de atestados em meio físico, para  casos excepcionais  que  necessitem  da  emissão  de  atestados  em papel,  e  ainda  atender  às  premissas de rastreabilidade, autenticidade e validação equivalentes ao meio digital.

 

A representação apresentada pelo MID ao CADE 


O MID, ao propor que se instaurasse o inquérito administrativo contra o CFM, sustentou que a Lei de Defesa da Concorrência aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas e que as práticas empresariais infracionais podem se viabilizar através de associações ou sindicatos, como federações de indústria ou associações de determinado segmento de mercado ou de certa região, citando, inclusive, decisão do Conselho que já condenou o CFM por condutas anticompetitivas.


E explicou que a Resolução CFM n°. 2.382/2004 instituiu uma plataforma a ser operada pelo próprio CFM, a partir da regulação expedida também pelo CFM, que será:


  • o único agente habilitado a emitir atestados físicos;

  • o agente centralizador do armazenamento e gerenciamento de toda emissão de atestados eletrônicos emitidos no Brasil; e

  • o agente encarregado de validar a atuação de seus próprios concorrentes.


A norma traria impactos para o mercado de infraestrutura tecnológica de emissão, gerenciamento e armazenamento de documentos utilizados por profissionais de saúde e estabelecimentos de saúde, um mercado relevante nos dias atuais, que já conta  com a  Lei n° 14.063/2020, que validou o uso de assinaturas eletrônicas em documentos de saúde, incluindo atestados médicos.


A lei de 2020 acelerou o surgimento e consolidação de plataformas digitais de saúde que vão desde prontuários eletrônicos, aplicativos de documentos eletrônicos a sistemas de gerenciamento de clínicas e hospitais. Plataformas que incluem tecnologias desenvolvidas pelos setores privado e público, sem exclusão dos conselhos profissionais.


Outro ponto da representação do MID é que a Resolução do CFM promove a centralização,  concentração e controle de informações estratégicas e dados pessoais de médicos e pacientes, tática que lhe confere posição dominante tanto econômica como informacional, com implicações severas para os profissionais e usuários dos serviços de saúde. Seria um abuso de posição dominante e da competência de fiscalizar a ética profissional para tentar regular o mercado e obter benefícios como agente econômico.


Lembrando que o sistema de validação de assinaturas e documentos criado é próprio, monopolístico e realmente faz com que o CFM ingresse na esfera econômica e invada um mercado já constituído no território nacional. 


O Movimento Inovação Digital entende, pois, que a normativa traz consigo efeitos anticompetitivos que eliminam a concorrência e estabelecem monopólio no setor, criando controle exclusivo sobre o mercado de infraestrutura tecnológica de documentos utilizados pelos profissionais de saúde e estabelecimentos como hospitais e clínicas, prejudicando a inovação e o desenvolvimento do setor.

 

Ao final, o MID requereu a condenação do CFM por ilícito concorrencial a sanções pecuniária e não-pecuniária consistente nos deveres de:


  1. abster-se de impor regulações e restrições à concorrência no mercado de prescrições e atestados médicos por meio de plataformas digitais, ou em qualquer segmento de infraestrutura tecnológica para emissão, armazenamento e gerenciamento de documentos de saúde;

  2. abster-se de implementar medidas que imponham o compartilhamento de dados comercialmente sensíveis e dados pessoais associados à atividade dos agentes do mercado de prescrições e atestados médicos por meio de plataformas digitais; e

  3. abster-se de se apresentar, por meio de atos normativos, de sua plataforma, ou por qualquer meio, como plataforma oficial para a emissão, armazenamento e gerenciamento de documentos de saúde.


O Conselho Federal de Medicina


Perante o CADE, o CFM reforçou que sua plataforma de atestados  oferecerá à sociedade serviços gratuitos de validação e chancela de atestados médicos emitidos no país. E que, com isso, tem mecanismos efetivos para combater fraudes e outras irregularidades na emissão desses documentos.


Para o Conselho Federal de Medicina, a norma atacada beneficia médicos, que contarão com a proteção do seu ato profissional; beneficia os trabalhadores, que terão a certeza de que os atestados que portam foram assinados por médicos de fato; e as empresas, que poderão detectar irregularidades em documentos que foram entregues, mas são fraudulentos.


E se reafirma como o órgão regulador da prática médica no Brasil: o detentor do registro de todos os médicos brasileiros e o ente com a  prerrogativa de determinar e fazê-los cumprir suas normas. Foi com base nessas premissas que aprovou a Resolução CFM nº 2.382/2024.


Processo na Justiça Federal – n. 1087770-91.2024.4.01.3400


Além da representação formulada no CADE, o MID ajuizou ação anulatória contra o CFM para suspender os efeitos da Resolução, sendo requerida tutela de urgência.


Dentre as razões já citadas, apontou violação de competência formal e material do Ministério da Saúde e da Anvisa, aos quais  caberia editar atos sobre as hipóteses e os critérios para a validação dos documentos eletrônicos subscritos por profissionais de saúde e relacionados à sua área de atuação, bem como impossibilidade da Resolução criar obrigação que só a lei poderia introduzir (como a exclusão da validade de documentos físicos e formulação de exigências especiais para documentos eletrônicos).


Outro ponto suscitado na ocasião foi o de que a Resolução em debate obriga o compartilhamento de dados pessoais sensíveis de saúde por parte de outras plataformas com o próprio CFM, sem base legal para que se possa explorar economicamente os dados, além de prever o uso com vícios de consentimento.  E que a Resolução não apresenta informações sobre o tratamento que dispensará aos atestados que passarão a constar de sua base de dados para, supostamente, combater as fraudes, contrariando seus próprios argumentos.


Proferida decisão em tutela de urgência, foi acolhida a tese de que o CFM, ao prever o uso imperativo de plataforma criada por si mesmo, sem a participação dos demais atores regulamentadores e certificadores, invadiu a competência legislativa da União Federal, representada no caso concreto pelo MS, ANVISA e ANPD.


No entender do juiz, a normatização realizada pelo CFM pode representar concentração indevida de mercado certificador digital por ato infralegal, fragilizando o tratamento de dados sanitários e pessoais de pacientes.  Para ele, houve realmente uma extrapolação no poder regulamentar quando da disciplina da emissão e  gerenciamento de atestados médicos físicos e digitais em todo o território nacional nas situações previstas na Resolução CFM nº 2.382/24, inclusive porque a matéria já foi regulada no ordenamento jurídico da União.


O Conselho Federal de Medicina recorreu da decisão e frisou ter atuado no processo de desenvolvimento do Atesta CFM com base em sua competência legal e total respeito aos princípios que regem a administração pública e à LGPD. E que, por permitir integração a outras plataformas já usadas por médicos, a Atesta CFM não representa qualquer tentativa de monopólio.


Duas autarquias


O Conselho Federal de Medicina é uma autarquia federal corporativa com poder normativo, de polícia e disciplinador sobre a classe médica.  O Conselho Administrativo de Defesa Econômico, por sua vez, é uma autarquia em regime especial com função judicante, com jurisdição em todo o território nacional.


Ainda que ambas sejam autarquias federais e, portanto, sem hierarquia administrativa, essa não seria a primeira vez que o CADE agiria cumprindo sua atribuição repressiva contra o CFM. Em 2020, por exemplo, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica condenou o CFM e o Cremesp ao pagamento de multas por práticas anticompetitivas.


De toda forma, a questão suscita debates diversos em torno da possibilidade de publicação de normas por conselhos de profissões regulamentadas e a tutela da concorrência, bem como se a emissão de atestados médicos digitais seria ou não uma atividade econômica.


Aguardemos a decisão final a ser expedida no inquérito administrativo e no eventual processo administrativo, ambos de competência do CADE, e também o desenlace do feito que tramita na Justiça Federal.

  



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