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Ana Luiza Santos e Edgar Jacobs

Carga horária do Novo Ensino Médio gera impasse e adia votação do PL n. 5.230/2023 para 2024

No dia 13 de dezembro a Câmara dos Deputados aprovou, por 351 votos contra 102, a urgência do projeto de lei que altera o Novo Ensino Médio. Com isso, o projeto poderia ter sido votado ainda neste mês. A aprovação da urgência foi até curiosa, pois o governo argumentava que a medida precisava de mais tempo para ser debatida, com expectativa de que a votação ficasse para 2024. 


Fato que o relatório que seria votado às pressas reduz a carga horária da Base Nacional Comum e traz o notório saber em papel de destaque. Também retira a obrigatoriedade do espanhol, da sociologia, da educação física, da filosofia e da arte.


O projeto original enviado pelo Executivo retomava a carga horária de 2,4 mil horas de formação geral básica das 3 mil horas totais. O Novo Ensino Médio havia fixado esta formação básica em 1,8 mil horas. Já o substitutivo do relator Mendonça Filho - que era o ministro da Educação do governo Temer à época da elaboração da reforma no ensino médio - fixou em 2,1 mil horas, com 300 horas de aulas que relacionem os conteúdos da Base Nacional Comum Curricular com a formação técnica profissional.  


Ainda, o projeto do Executivo cortou a previsão de autorizar a contratação de profissionais sem licenciatura, desde que sejam reconhecidos com notório saber sobre a disciplina. O substitutivo previu novamente a possibilidade de contratar profissionais com notório saber na área de formação profissional e técnica.  


O substitutivo  


O substitutivo sofreu duras críticas de sindicatos, movimentos sociais, estudantis e comunitários, que entendem que o novo texto apenas retoma as normas do projeto do governo Temer, tão criticada.


Uma das medidas mais atacadas foi a da nova carga horária. Para o professor Daniel Cara, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), o relator praticamente reeditou a Medida Provisória do Temer, fazendo uma falsa determinação de 2,1 mil horas. Na prática, seriam 2,1 mil horas de formação geral básica, mas 300 horas podem ser feitas dentro dos itinerários formativos. Portanto, voltam as 1,8 mil horas de formação básica.   


A reintrodução do notório saber como suficiente para contratação de professores também é vista com espanto, pois disponibiliza profissionais não necessariamente preparadas para serem professores.  


O Todos Pela Educação analisou que o substituto do relator até traz avanços em relação ao texto do governo federal, mas precisa de melhorias. E, no caso desta ONG em específico, há uma boa vontade em aceitar a contratação de profissionais sem formação própria de professor; a argumentação é que a proposta original do Executivo “dificultaria sobremaneira a ampliação da educação profissional e tecnológica”. 


Reviravolta por conta da carga horária


Agora, a votação da proposta do Novo Ensino Médio vai ficar para 2024. O motivo é a celeuma com o governo sobre a carga horária prevista no projeto.


Com a manutenção da carga horária inferior ao que o atual Ministério da Educação havia sugerido no projeto original, o Coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade avaliou a votação do Requerimento n. 4.275/2023, ocorrida na Câmara dos Deputados.


Segundo os profissionais educadores, a redução acarreta na diminuição de dois meses de aulas tradicionais, como matemática e português.


O Coletivo, enfim, fez um estudo sobre o tema e produziu um documento que informa que a redução na carga horária da formação geral básica para 2.100 horas representa uma redução de 30 minutos no acesso aos conteúdos das disciplinas escolares a cada dia. Ou seja, é como se os estudantes das escolas públicas tivessem apenas 2,7 anos de escolaridade no ensino médio, enquanto nas escolas privadas a formação continuaria a mesma. Se a carga horária das disciplinas permanecer nas 1.800 horas totais, o efeito será duplicado, segundo o Coletivo.


Fato que o Coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade, composto por especialistas do direito à educação e professores, de diversos movimentos sociais e universidades públicas, produziu um manifesto que apresenta os equívocos no parecer apresentado pelo deputado Mendonça Filho ao PL n. 5.230/2023 e pleiteou, ao final:


  • o mínimo de 2.400 horas para a FGB;

  • a igualdade de acesso ao conhecimento;

  • a determinação de obrigatoriedade da oferta das disciplinas, sem hierarquias e com abordagem integrada, incluindo a língua espanhola;

  • educação profissional de qualidade na forma de Ensino Médio Integrado (EMI), e não de “itinerário formativo”;

  • organização curricular formada por uma base comum e por uma parte diversificada definida pelas redes de ensino;

  • Ensino Médio obrigatoriamente presencial;

  • valorização da formação docente, vedando a docência por “notório saber” no Ensino Médio; a superação do subfinanciamento do Ensino Médio e da Educação Profissional e, por fim,

  • a retirada da urgência constitucional na tramitação do PL n. 5.230/2023 e pelo amplo diálogo.


Os desacordos na Câmara dos Deputados sobre as matérias em geral e a pressão da sociedade, enfim, já fizeram com que o último pedido fosse acatado e o tema só deve voltar à pauta em março do próximo ano.


Análises


Para o Coletivo Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o texto do relator Mendonça Filho não supera a Reforma do Ensino Médio; pelo contrário, praticamente a reitera.


Neste ponto, infelizmente, de se lembrar que a reforma, para muitos estudiosos, agrava as desigualdades do país no acesso à educação de qualidade, na medida em que caberia aos sistemas de ensino definir o que eles iriam ou não oferecer aos estudantes.


Por exemplo, alunos de cidades menores e de escolas desassistidas não teriam acesso a alguns dos conteúdos hoje considerados obrigatórios para todos.


Os críticos concluíram que se antes já tínhamos um sério problema do ponto de vista curricular, de um conteudismo esvaziado de sentido - contra o qual precisávamos lutar - o novo modelo cassaria de vez os direitos educacionais.


E esta provável precarização do ensino de nível médio infelizmente tem alvo: é aquele que frequenta as escolas públicas, em especial o das regiões e estados mais pobres do país. A mudança, por sua vez, teria sido feita apenas para cortar gastos, o que é uma pena, pois é óbvio que não se melhora a Educação sem investimento.


Não a toa, as entidades educacionais se manifestaram continuamente solicitando a abertura de um amplo processo de discussão sobre esta etapa da Educação Básica, apoiadas nos princípios estabelecidos na LDB de 1996 e nas discussões e construções teóricas acumuladas no campo progressista e democrático.


Uma Carta Aberta à sociedade foi divulgada em 08 de junho de 2022, na qual constam 10 pontos argumentativos que justificam o pedido; pelo menos 300 entidades educacionais aderiram à solicitação de revogação do Novo Ensino Médio.


O próprio PL n. 5.230/2023 - que o MEC formulou - foi resultado de uma consulta pública, de modo que a retirada da urgência em sua tramitação, para mais diálogo, foi recebida com otimismo.


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