O Conselho Nacional de Saúde recomendou ao MEC que observe o Parecer Técnico nº 162/2020, no qual constam ponderações em relação às normas expedidas sobre estágios e inserção de estudantes e docentes nos serviços de saúde e no enfrentamento à pandemia de COVID-19.
Porquê? O que diz o Parecer Técnico 162/2020?
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) é a instância máxima de deliberação do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele tem como missão a deliberação, fiscalização, acompanhamento e monitoramento das políticas públicas de saúde.
Ao SUS também cabe ordenar a formação de profissionais de saúde, em cenários de aprendizagem em que se realiza o trabalho na área, conforme a Resolução CNS nº 350/2005.
No caso, ao posicionar-se desfavorável à Portaria MEC nº 544/2020, o CNS vai ao encontro de posicionamento anterior, também contrário à autorização de todo e qualquer curso de graduação da área da saúde ministrado na modalidade Educação a Distância. Convicção exposta no Parecer Técnico nº 300/2017, anexo à Resolução CNS nº 569/2017, e na Resolução CNS nº 515/2016.
Para o CNS, a
“formação das profissões da saúde tem como perspectiva assegurar a dimensão ética no trabalho, a menor ocorrência de erros e a Segurança do Paciente como alguns dos atributos da qualidade do cuidado, de modo que os núcleos de conhecimento e práticas previstos nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos da área da saúde, somente são desenvolvidos em diálogo com esse complexo cenário em que o trabalho em saúde se realiza com suas populações, não havendo qualquer possibilidade de equivalência com a formação mediada por tecnologias que substituam o contato direto entre profissionais e usuários.”
A recomendação do Conselho Nacional de Saúde foi publicada, portanto, porque o colegiado não está de acordo com a aplicação da Portaria MEC 544/20 e a Nota Técnica Conjunta 17/2020/CGLMRS/DPR/SERES, as quais, no seu entender, podem desmobilizar a atuação presencial dos estudantes das áreas da saúde.
A propósito, um aparte para lembrar que a separação do Ministério da Saúde e da Educação ocorreu em 1954, quando o Conselho Nacional de Saúde – existente desde 1937 - foi regulamentado para assistir ao Ministro de Estado na determinação das bases gerais dos programas de proteção à saúde.
No caso, não se trata de uma norma se sobrepondo a outra, mas uma recomendação que será devidamente avaliada pelo MEC.
O Parecer Técnico nº 162/2020
O Parecer Técnico nº 162/2020, emitido pelo Conselho Nacional de Saúde, frisa os desafios existentes para o desenvolvimento de alternativas e estratégias de ensino e aprendizagem para os cursos da área da saúde. Constata a necessidade de preservação física e psicossocial dos trabalhadores da área, abrangendo os sujeitos em situação de aprendizagem.
Em sua avaliação há uma enorme contradição entre a convocação governamental de estudantes e profissionais recém egressos da formação superior para atuação durante a pandemia - isolada e sem garantias adequadas de segurança – e a possibilidade da “virtualidade para a formação e, ironicamente, da proteção dos estudantes e profissionais”.
A respeito dessa particularidade, menciona as Portarias MEC nº 343 e 345, ambas de 2020 e o Parecer CNE nº 005/2020, que versa sobre a Reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual em razão da pandemia.
Especificamente sobre o Parecer do Conselho Nacional de Educação, critica a possibilidade de inserção do EAD nas atividades pedagógicas teóricas e práticas de todos os cursos, descaracterizando, em seu sentir, especificidades de formação das profissões da área da Saúde.
Quanto a esse aspecto, o Conselho é bastante enfático ao demonstrar que, no momento, é preciso ativar modalidades seguras de trabalho em saúde e de aprendizagem em serviço capazes de manter os atendimentos e incrementar as ações associadas ao enfrentamento da pandemia COVID-19.
Não providenciar que isso seja possível, de forma responsável e com aumento das condições de segurança física e psicossocial aos trabalhadores, estudantes da área e preceptores, seria desresponsabilizar as instituições e os serviços públicos.
O parecer do CNS é bem direto quando afirma que a permissão da adoção do regime de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância para estagiários e aprendizes não se aplica completamente aos cursos da área da saúde e que o tempo do enfrentamento à pandemia não é tempo de omissões, seja dos sistemas de saúde, seja das instituições de ensino e que as normas recentes do MEC têm o efeito pedagógico de desativar a potência do trabalho e da educação na saúde, no momento de grande necessidade social e sanitária.
O Conselho anseia que o desenvolvimento de habilidades para o processo de ensino e aprendizagem na saúde seja presencial e cobra mais especificações normativas sobre outras áreas de formação como a produção de insumos e equipamentos para uso no momento.
Há uma crítica explicita às instituições e às políticas de educação; o Parecer do CNS continua:
“Entretanto, parece que a formulação ateve-se a desdobramentos pragmáticos e burocráticos para a formação superior, como se diversas áreas não tivessem contribuições singulares ao combate à pandemia e como se não houvesse iniciativas embasadas na ciência e na experiência internacional para a proteção física e psicossocial dos trabalhadores no exercício de funções essenciais que, no caso da saúde, incluem a formação profissional.”
Em relação à possibilidade do estágio e práticas profissionais presenciais, o CNS cita as normas de organização do trabalho essencial, que preservariam estudantes e preceptores em grupos de risco e maior vulnerabilidade do contato com ambientes de maior exposição da COVID-19.
O que pretende o Conselho Nacional de Saúde
O Conselho Nacional de Saúde reafirma em seu Parecer o compromisso com a defesa da formação presencial nas atividades práticas nos serviços que ofereçam condições para o trabalho, com medidas adequadas de proteção física e psicossocial dos estudantes e docentes e com isso pretende que as Instituições de Ensino Superior, sejam municipais, estaduais ou federais, atuem ativamente no enfrentamento da pandemia da COVID-19.
Isso significa, em suas palavras, tanto a mobilização de todos os seus recursos cognitivos e operacionais para fortalecer o SUS, com produção e fornecimento de materiais e insumos necessários, com pesquisa e desenvolvimento tecnológico para ampliar a eficácia do trabalho de prevenção e tratamento das pessoas quanto a mobilização das atividades de colaboração com os sistemas locais e serviços de saúde.
O impacto da pandemia COVID-19 nos cursos de Medicina
Em março desse ano publicamos o texto O impacto do coronavírus nos cursos de Medicina e nele discorremos sobre vários aspectos que envolveram a declaração da pandemia, a criação do Comitê Operativo de Emergência do MEC e a publicação de normas específicas, como a Portaria MEC n 356/20, que autoriza aos alunos regularmente matriculados nos dois últimos anos do curso de Medicina, e do último ano dos cursos de Enfermagem, Farmácia e Fisioterapia do sistema federal de ensino, em caráter excepcional, a possibilidade de realizar o estágio curricular obrigatório em unidades básicas de saúde, unidades de pronto atendimento, rede hospitalar e comunidades a serem especificadas pelo Ministério da Saúde, enquanto durar a situação de emergência de saúde pública decorrente do coronavírus.
Também mencionamos a Portaria MEC nº 492/20, voltada aos alunos dos cursos da área de saúde para o enfrentamento da pandemia.
Posteriormente, quando publicamos sobre as Aulas práticas e estágio de acordo com a Portaria 544/2020, esclarecemos que estágios em empresas, hospitais particulares e outros que se realizam fora da instituição seguem as regras locais e trabalhistas, cabendo à instituição seu reconhecimento como atividade complementar ou estágio regular, dentro dos convênios ou acordos celebrados e conforme o Projeto Pedagógico do Curso.
E mesmo antes da Portaria 544/20 não havia proibição de estágios; o que era vedado era a substituição das atividades práticas que deveriam ser realizadas de forma presencial nas instalações das IES.
Ou seja, estágios e práticas com viabilidade presencial puderam seguir normalmente, o que contraria de certa maneira o posicionamento do Conselho Nacional de Saúde.
Quando o CNS aponta contradição entre a convocação governamental de estudantes e profissionais recém egressos para atuação durante a pandemia e a possibilidade da virtualidade para a formação e proteção dos estudantes e profissionais confunde-se justamente sobre quais práticas e atividades continuarão presenciais e quais serão migradas para o virtual, com respeito, obviamente, a todas as normas expedidas pelo MEC.
Já mencionamos em nossos textos, inclusive, que há uma parte teórica inserida nas atividades práticas e que esta poderia ser ofertada de forma não-presencial.
As críticas quanto a possibilidade de inserção do EAD em atividades pedagógicas teóricas neste momento de crise também encontram algumas barreiras, inclusive porque, quando do retorno das aulas presenciais, será forçoso que as IES assumam um regime híbrido de aulas, sem descaracterizar as especificidades de formação das profissões da área da Saúde.
Não há motivos para negligenciar o desenvolvimento de habilidades que se desenvolvem nas práticas inter-relacionais e no cotidiano dos serviços já no processo de formação dos aprendizes, de quem se espera, obviamente, atitudes de escuta, alteridade, empatia e comunicação, oportunizadas e mantidas no contato direto com o ser humano.
O próprio CNS anunciou: as capacidades profissionais de uso de tecnologias de informação e comunicação devem ser pontuais e complementares, conforme já previsto nas DCN e nos projetos pedagógicos dos cursos.
Preocupante neste momento é o enfrentamento pelos estudantes de uma situação de pandemia em estabelecimentos que podem não fornecer os EPIs necessários. Somado a isso temos a inexperiência dos acadêmicos em cumprir rígidos protocolos de segurança, para o que dependerão dos cuidados e atuação do preceptor, também em óbvia situação de stress.
Que sejam expedidas, enfim, pelas autoridades de saúde, normas sanitárias rigorosas e efetivas que possam garantir a proteção da saúde de docentes e discentes que estiverem em trabalho de campo no combate à pandemia.
É tempo de trabalho conjunto e de responsabilidades compartilhadas.
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