No livro “Os adolescentes e seus direitos fundamentais: da invisibilidade à indiferença”, a autora Ana Paula Motta Costa faz uma interessante comparação.
“[…] a vida de um adolescente é como um rio, que precisa correr para frente, rumo ao mar, ou onde for seu desejo de chegar. Os adultos, no exercício de seus vários papéis, devem constituir-se nas margens, que referenciam os limites necessários para que o rio não se transforme em lago, ou aguaceiro, em momentos de enchente. As margens precisam ser fortes, mas flexíveis, profundas e curvilíneas, se necessário, mas nunca abandonar sua função e seu lugar de margens. A presença das margens é imprescindível”.
Muitos destes limites serão dados pela escola, que abriga a criança e o adolescente em seu ambiente por várias horas por dia e tem como uma de suas obrigações contribuir para a oferta de uma educação de qualidade.
Infelizmente, muitos gestores e profissionais da Educação têm apontado que a violência no contexto escolar tem sido uma demanda crescente, e isto mesmo antes da ocorrência da pandemia da Covid-19, que acirrou os relatos.
Ainda em 2016 a 23ª Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes de Belo Horizonte (Infracional) e a Coordenadoria Estadual de Defesa da Educação (PROEDUC) do MPMG formulou uma Cartilha de apoio às escolas e professores para informar sobre os direitos e deveres das crianças e adolescentes, o papel da escola, do professor e da família na educação do aluno, sobre o diálogo com a rede de proteção, as ações fundamentais no ambiente escolar, e também sobre o que fazer em relação a atos de indisciplina e atos infracionais por parte do aluno.
Atos de indisciplina e atos infracionais
Inicialmente, é importante diferenciar atos de indisciplina de atos infracionais.
A indisciplina é um comportamento ou um ato de desobediência, desordem ou distúrbio que prejudique o bom desenvolvimento do efetivo processo educacional. No caso, considera-se ato de indisciplina na escola o descumprimento do que foi fixado como norma no Regimento Escolar e em legislações.
Os Regimentos Escolares vão (e podem) prever os atos de indisciplina, como: desrespeito ao colega, ao professor, aos funcionários; a não realização das atividades propostas pela escola; a saída da sala de aula sem a autorização do professor; conflitos dentro da escola, conversas que perturbem a aula; utilização de celular, tablets e outros aparelhos (caso não permitidos, obviamente).
A própria escola tem competência para lidar e cuidar dos casos de indisciplina e, no caso de cometimento de ato desta natureza pela criança ou pelo adolescente, serão aplicadas as sanções previstas no Regimento Escolar. Como bem pontuado pela Cartilha do MP/MG, os Conselhos Escolares podem contribuir para a solução de conflitos indisciplinares no ambiente escolar, atendendo à sua composição comunitária e sempre de um ponto de vista pedagógico e educativo, para formar o aluno. O foco da escola – é claro – não pode estar ligado a procedimentos punitivos ou burocráticos.
“Porém, ser margem também quer dizer não se postar a frente da corrente do rio, impedindo seu curso para o mar, pois a represa nos rios, faz com que se formem lagos, lagunas, às vezes causando destruições à volta”. (Ana Paula Motta Costa. Os adolescentes e seus direitos fundamentais: da invisibilidade à indiferença).
Então:
Os atos de indisciplina são analisados administrativamente, de acordo as diretrizes da Secretaria de Educação e o aluno continua, inicialmente, com o direito de acesso e permanência na escola.
O ato de indisciplina deve ser registrado em livro de ocorrência adequado para a função;
Tanto o aluno quanto seus pais e/ou responsáveis têm o direito de saber das providências instauradas em relação à sua conduta;
A sindicância disciplinar deve oportunizar e tornar efetivo o direito do aluno à ampla defesa e ao contraditório;
O princípio da legalidade deve ser respeitado, ou seja, o ato de indisciplina só pode ser assim considerado se estiver previamente previsto no Regimento Escolar, bem como a sanção a ser aplicada. Da mesma forma, o procedimento de sindicância disciplinar adotado para o aluno deve estar previamente previsto, em respeito ao nosso ordenamento jurídico;
As sanções, sempre de caráter educativo e pedagógico, devem ser proporcionais ao ato cometido;
Por fim, um aspecto muito importante, é que as sanções disciplinares não podem afrontar o direito do aluno ao acesso e à permanência na escola: esta é a previsão do artigo 3°, inciso I, da LDBEN, no artigo 53, inciso I, do ECA e no artigo 206, inciso I da Constituição Federal.
Ato infracional
O ato infracional, de outro lado, já se enquadra na conduta descrita em nossa lei como crime ou contravenção penal, cometida por uma criança ou um adolescente (art. 103 do ECA). Pode ocorrer tanto dentro como fora da instituição de ensino
A escola, no caso, não pode se omitir quando tem ciência de atos infracionais praticados por seus alunos e deve sempre comunicá-los às autoridades competentes. Todos os crimes que são tipificados no nosso Código Penal são atos infracionais: basta que ele seja praticado por criança ou adolescente, desde um simples dano até um homicídio. Lembrando que se a conduta for cometida por um maior de 18 anos, estudante de ensino médio ou instituição de ensino superior, estaremos diante de um crime e as providências serão as de praxe.
Como agir em caso de ato infracional praticado por criança
Se uma criança praticar um ato infracional, a escola deverá comunicar o fato ao Conselho Tutelar, que, após análise do evento, vai aplicar as medidas protetivas a seguir, previstas no art. 101, incisos I ao VII, do ECA:
Encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
Orientação, apoio e acompanhamento temporários;
Matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental, caso esteja fora da escola;
Inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
Tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; Inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
Acolhimento institucional;
Inclusão em programa de acolhimento familiar;
Colocação em família substituta nos casos mais graves.
Como agir em caso de atos infracionais praticado por adolescente
No caso de um adolescente ser apreendido em flagrante praticando ato infracional, será encaminhado à autoridade policial competente para as providências rotineiras. Se o ato infracional for leve, o adolescente será liberado e entregue aos seus responsáveis legais, mediante termo de compromisso de se apresentar ao Promotor de Justiça assim que possível, de preferência no mesmo dia.
O Promotor de Justiça poderá arquivar os autos, conceder a remissão (uma espécie de perdão prevista na lei penal) ou representar à autoridade judiciária para aplicação de medida socioeducativa, de acordo com o artigo 180 do ECA, incisos I ao III.
Se o ato infracional for grave, o adolescente poderá permanecer apreendido ou acautelado – que são os termos utilizados nestes casos - e será encaminhado imediatamente ao Promotor de Justiça, podendo ser internado provisoriamente por até 45 dias, prazo para o encerramento do processo que deve resultar uma sentença que pode ou não lhe aplicar uma medida socioeducativa.
Toda a apuração do ato infracional atribuído ao adolescente deve seguir à risca o que está previsto no ECA.
Como um alerta, o MP/MG chama a atenção das escolas para uma reflexão sobre o acionamento indiscriminado dos órgãos de segurança pública contra seus alunos: muitas vezes, talvez por não saber ainda o que fazer, a escola corre o risco de reproduzir a postura repressiva que a sociedade e o Estado costumam adotar contra os estudantes menores de idade que apresentam comportamentos que não correspondam aos padrões. Desta maneira, muitas vezes tratam atos de indisciplina como atos infracionais, transferindo para a polícia e para o Sistema de Justiça situações que poderiam ser mais adequadamente resolvidas no próprio ambiente da escola.
Quando começa a adolescência de acordo com o ECA?
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, lei n.8068/90, art. 2º, considera-se criança a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. O parágrafo único do art. 2 º ainda prevê que, nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente o Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. Como exemplo, na forma desta normativa, a medida sócio-educativa pode ser aplicada ao maior de 18 anos que praticou ato infracional quando ainda era inimputável, cessando de forma obrigatória quando o jovem completar 21 anos. Como curiosidade, a Organização Mundial de Saúde (OMS) define a adolescência como sendo o período da vida que se inicia aos 10 anos e termina aos 19 anos completos.
Pré-adolescência – dos 10 aos 14 anos,
Adolescência – dos 15 aos 19 anos completos
Juventude – dos 15 aos 24 anos.
Quais medidas podem ser aplicadas aos pais
O art. 129 do ECA também prevê medidas que podem ser aplicáveis aos pais ou responsáveis pela criança ou adolescente. Muitas vezes há necessidade de um encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos ou mesmo encaminhamento a tratamento psicológico e/ou psiquiátrico.
Muitas famílias precisam de encaminhamento a cursos ou programas de orientação e – por incrível que possa parecer - nem sempre são cientes de que têm um papel primordial no processo educacional de suas crianças e adolescentes, não podendo se eximir de sua responsabilidade.
Uma das medidas também pode ser a obrigação de matricular o filho e acompanhar sua frequência e aproveitamento escolar; obrigação de encaminhar o estudante a tratamento especializado, podendo chegar a medidas mais incisivas, como advertência e até perda da guarda, destituição da tutela e a mais grave delas: suspensão ou destituição do poder familiar.
Desafios
Professores e gestores escolares enfrentam desafios diários e toda a comunidade precisa assumir suas responsabilidades; não há dúvidas, pois, que o processo pedagógico precisa envolver alunos, família, direção e demais profissionais que dele participam.
Conhecer os processos de gestão na sala de aula, da administração e da mediação de conflitos, dos princípios contidos na Constituição, no ECA e na LDB, assim como o conhecimento acerca das temáticas relacionadas à prevenção da violência nas escolas, faz com que todos estejam mais aptos para lidar com as adversidades.
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