A Portaria MEC 544/2020 autoriza até dezembro desse ano a substituição das disciplinas presenciais dos cursos regularmente autorizados - não importando se a disciplina já estava ou não em andamento - por atividades letivas que utilizem recursos educacionais digitais, tecnologias de informação e comunicação ou outros meios convencionais.
A Portaria também flexibiliza as práticas profissionais de estágios e práticas que exijam laboratórios especializados, sendo válida para todas as instituições de educação superior integrantes do sistema federal de ensino de que trata o art. 2º do Decreto nº 9.235/17.
Quando a substituição se refere às atividades práticas, deve obedecer às Diretrizes Curriculares Nacionais, vedada a substituição dos cursos que não estejam disciplinados pelo CNE, e deve constar de planos de trabalhos específicos, aprovados, no âmbito institucional, pelos colegiados de cursos e apensados ao projeto pedagógico do curso.
No caso dos cursos de Medicina, único curso da área da saúde que sofreu alguma restrição, a substituição de que trata o caput só pode ser realizada nas disciplinas teórico-cognitivas do primeiro ao quarto ano do curso e nos componentes de mesma natureza que se desenvolvam no decorrer do internato, conforme disciplinado pelo CNE.
A Portaria, enfim, na esteira do Parecer CNE nº 5/2020, concede às instituições flexibilidade para atuarem, desde que não firam as DCN e que as medidas estejam previstas nos projetos pedagógicos.
Atividades práticas e estágios
O retorno das aulas práticas e estágios neste momento de pandemia tem um significado emblemático para a área da saúde, cuja prática clínica é fundamental não só como espaço de aprendizagem, mas também como experimentação de vivências.
O professor Ênio Lacerda Vilaça, coordenador do curso de Odontologia da UFMG, abordou o tema em Fórum online que reuniu gestores, estudantes e representantes de hospitais e da Secretaria Municipal de Saúde.
Para o coordenador, cada professor deve avaliar a particularidade de sua disciplina, sempre considerando que se trata de uma situação emergencial e excepcional e que as soluções não devem ferir os princípios normativos ou as regras de segurança direcionadas a professores, estudantes, servidores, usuários dos serviços e acompanhantes.
Ocorrido no último dia 10 de junho, o Fórum contou com a participação de professores dos cursos de Biomedicina, Odontologia, Fonoaudiologia e Gestão em Serviços de Saúde e também de representante da Secretaria Municipal de Saúde, parceira da UFMG em várias políticas públicas.
Nesse ponto é interessante ressaltar que a universidade mineira é responsável pela maioria das vagas de estágio na área da saúde da capital, sendo, obviamente, de interesse do poder público municipal que os estudantes retomem seus estágios curriculares obrigatórios.
De acordo com o coordenador das ações de integração da saúde e serviço da Secretaria Municipal de Saúde, os estudantes empenhados nas atividades de internato, que cumprem uma carga horária maior nos serviços de urgência e complementar, deverão retornar primeiramente.
Durante o encontro também foi analisado o retorno dos estudantes – preferencialmente os dos dois últimos períodos - às atividades de estágios no Hospital das Clínicas e no Risoleta Tolentino Neves, hospitais que não atendem pacientes infectados pelo coronavírus.
Não sem antes identificar alunos do grupo de risco, definir como será feito o acompanhamento de quem manifestar suspeita de Covid-19 e fornecer o necessário treinamento; afinal os alunos precisam estar familiarizados com as novas normas, formas de atuar e de agir.
No curso de Odontologia da UFMG, após várias reuniões entre colegiado e PROGRAD, foram apresentadas duas propostas para o retorno das atividades. A primeira previa a oferta de todo o conteúdo teórico – incluindo a parte teórica das teórico-práticas - em ensino remoto emergencial (ERE). Neste caso a parte a prática aconteceria quando da volta presencial.
A segunda proposta constava que apenas as disciplinas exclusivamente teóricas se adequassem ao ERE, ficando para um segundo momento as disciplinas teórico práticas em sua totalidade e essa foi a proposta autorizada pela PROGRAD. As disciplinas teórico-práticas, portanto, terão início quando houver liberação das autoridades sanitárias para o retorno das atividades presenciais.
No caso em específico, a prioridade no retorno será para execução de atividades dos períodos concluintes (nono e décimo períodos). A data para o início do semestre na faculdade de Odontologia/UFMG será no dia 10 de agosto e o fim do semestre previsto para 07 de novembro. As disciplinas teórico-práticas obrigatórias e optativas serão canceladas, bem como todas as matrículas já efetivadas.
O curso de Odontologia é bastante representativo quando se discute o tema, já que discentes ficam bastante expostos à geração de aerossóis nas atividades práticas; nas palavras do coordenador Ênio Vilaça, é necessário repensar desde o fluxo de pacientes até o fluxo dos prontuários, que são manuseados por vários profissionais.
As dificuldades são compartilhadas por vários outros cursos: não será simples, por exemplo, o caminho para adaptar a matriz curricular do curso de Medicina Veterinária da UFMG à nova realidade, já que a carga horária de atividades práticas corresponde a 57% das disciplinas obrigatórias.
Na Faculdade de Medicina Veterinária da PUC-Minas o início do próximo semestre, também no dia 03 agosto de 2020, se dará no chamado Regime Presencial Contingenciado (RPC), ou seja, o retorno ao modelo presencial será gradativo, começando pelas disciplinas práticas na medida em que as condições da pandemia permitam fazê-lo com segurança e respeitando as regras de distanciamento social.
As disciplinas teóricas serão remotas, como já havia sendo realizado desde o início da pandemia, voltando a ser presenciais numa próxima etapa.
O regime presencial contingenciado é diferente do formato do regime letivo remoto emergencial que se deu em função da necessidade de suspensão das atividades presenciais de forma repentina como medida de combate à Covid-19.
De acordo com a PUC-Minas, o RPC prevê a retomada das aulas práticas e dos projetos acadêmicos desenvolvidos nos inúmeros laboratórios da universidade, atualizando as aulas em que o uso dos equipamentos é imprescindível e terá seu início quando assim for permitido pelas autoridades de saúde.
Um caso interessante deu-se na Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Antes mesmo da publicação da Portaria MEC 544/2020, de 16 de junho de 2020, o diretor da faculdade anunciou que a instituição retomaria as aulas práticas presencialmente. O comunicado lhe rendeu críticas à época e provocou insatisfação em alguns alunos.
De acordo o diretor, o retorno das aulas práticas presenciais foi resultado de uma negociação entre a instituição, a Secretaria Municipal de Saúde, o Sindicato dos Professores, por meio de uma convenção coletiva de trabalho emergencial, e o Ministério Público de Fundações.
No site da Faculdade encontra-se toda a documentação que respaldou e legitimou a retomada das atividades, incluindo a informação sobre quantos alunos do primeiro ao quarto ano de cada curso optaram por não retornar às práticas laboratoriais. A título de curiosidade, na Medicina apenas 1,2% dos estudantes não optaram por retomar as atividades naquele momento, enquanto 34% dos alunos da Psicologia rejeitaram o programa.
As aulas práticas nos laboratórios recomeçaram no dia 17 de junho e no dia 25 do mesmo mês uma aluna da Fisioterapia testou positivo para SARS-CoV-2: a instituição suspendeu as atividades que ocorreriam no dia seguinte e providenciou testes dos 16 alunos da mesma turma; até o momento todos os resultados foram negativos.
De acordo com a Faculdade de Ciências Médicas, todas as medidas de segurança foram tomadas: todos os alunos estiveram a todo momento paramentados com EPIs fornecidos pela instituição durante as práticas desenvolvidas e respeitaram as normas definidas em protocolo.
As aulas serão retomadas nessa semana.
Enfim, o saber oriundo da experiência adquirida pelas escolas que primeiro se propuseram ao retorno efetivo das práticas presenciais é de grande valor e pode ser compartilhado, contribuindo no enfrentamento do desafio que é trazer a comunidade acadêmica de volta aos campi.
As dúvidas quanto ao retorno são genuínas e as instituições precisam estar preparadas para a necessidade de dar um passo atrás caso a situação não esteja inteiramente sob controle.
Conselhos Profissionais
A Portaria MEC 544/2020 não agradou aos conselhos federais da área da saúde ao autorizar, respeitadas as demais regras impostas, a substituição de estágios presenciais e atividades práticas que exigem o uso de laboratório por aulas online.
O Conselhos Federal de Enfermagem (Cofen) e o Conselho Federal de Farmácia (CFF), entraram com ação civil pública com pedido de tutela de urgência contra a União.
Para ambos o estágio não-presencial representa a banalização do ensino, representa um risco para a população que venha a ser assistida por estes futuros profissionais e é fruto de portaria que ignora o posicionamento técnico do próprio Departamento de Gestão do Exercício Profissional do Ministério da Saúde (DEGERTS/MS), do Conselho Nacional de Saúde, instância máxima de controle social do SUS, e do Fórum dos Conselhos Federais da Área da Saúde (FCFAS).
O processo está em andamento na 22ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal (SJDF), sob o nº 1034361-45.2020.4.01.3400.
Já o presidente do Conselho Federal de Odontologia (CFO), Juliano do Vale, espera que o MEC atenda ofício de seu conselho e modifique a portaria, mas não descarta ação judicial para proibir a prática na Odontologia. O órgão também reforçou seu posicionamento contra a norma por meio de Nota Pública confeccionada em conjunto pelos 14 conselhos profissionais da saúde.
A irresignação com a Portaria levou ao protocolo de Projeto de Decreto Legislativo que veda a possibilidade da substituição de estágios presenciais por meios digitais aos estudantes das áreas da Saúde. O PDL 305/2020 altera a redação do artigo 1º da Portaria MEC 544/2020, vedando a substituição prevista no caput para os cursos da área de saúde.
Todavia, é preciso que se faça claro que a portaria concede às instituições de ensino flexibilidade para atuarem, desde que não firam as DCN e que as medidas estejam previstas nos projetos pedagógicos, aumentando a abrangência das imprescindíveis medidas emergenciais.
A definição dos componentes curriculares que serão substituídos, a disponibilização de recursos aos alunos que permitam o acompanhamento das atividades letivas ofertadas, bem como a realização de avaliações durante o período da substituição é de responsabilidade das instituições.
Além disso, os conselhos profissionais possuem natureza jurídica de autarquia com função específica de fiscalização profissional e devem respeitar a legislação federal proveniente do MEC, que detém a competência de regular e supervisionar os cursos, determinando condições de oferta, critérios e procedimentos de avaliação da aprendizagem, requisitos para a matrícula e aproveitamento de estudos e de competências constituídas, bem como para a expedição de certificados e diplomas.
Não cabe ao órgão profissional definir condições de funcionamento de cursos e de programas educacionais, se imiscuindo na função do Ministério da Educação.
As críticas quanto a possibilidade de inserção do ensino remoto em conteúdos teóricos das disciplinas teórico-práticas neste momento de crise encontram algumas barreiras: é que as capacidades profissionais de uso de tecnologias de informação e comunicação serão sempre pontuais e complementares, conforme já previsto nas DCN e nos projetos pedagógicos dos cursos.
Também há uma necessidade de retomada paulatina dos encontros presenciais, sendo, inclusive, previsto um regime híbrido de aulas. Sem descaracterizar aspectos básicos da área da saúde, que se orgulha em formar profissionais empáticos e hábeis em lidar com o outro.
Mais uma vez, a situação é complexa, inédita, e as instituições de ensino precisam atuar amparadas pelas decisões das autoridades de saúde. Não existindo condições de proteger a integridade física de docentes e discentes que estiverem em campo não há como retomar atividades presenciais, práticas ou não.
O ensino remoto, realizado nos estritos termos permitidos por lei, garante continuidade aos trabalhos e estudos enquanto necessário.
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