O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul, em 03 de outubro deste ano, publicou uma Resolução que veda ao médico exercer a docência de disciplina especificamente médica em Curso de Graduação em Medicina ou Residência Médica em faculdade que:
não tenha autorização de funcionamento concedida pelo Ministério da Educação ou concedido por ordem judicial;
não possua condições mínimas para o ensino médico, nos termos definidos pelo Ministério da Educação e critérios exigidos pelos Conselho Federal ou Regional de Medicina para a fiscalização do ensino médico.
A Resolução do CREMERS estipula condições mínimas para o ensino médico, que de fato não são desprovidas de sentido, mas o faz sem que o Órgão tenha competência para tanto.
A atuação do profissional médico como docente não é regulada pelo Conselho de Classe, nesse sentido, o Decreto 9.235/2017 prevê inclusive que: O exercício de atividade docente na educação superior não se sujeita à inscrição do professor em órgão de regulamentação profissional (Art. 93).
Dentre os critérios eleitos estão, em resumo:
a existência, nas redes de atenção à saúde do Sistema Único de Saúde, de equipamentos públicos adequados e suficientes para a oferta do curso de Medicina;
infraestrutura adequada na Instituição;
acesso a serviços de saúde, clínicas ou hospitais com as especialidades básicas indispensáveis à formação dos alunos;
metas para corpo docente em regime de tempo integral e para corpo docente com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado;
possuir corpo docente e técnico com capacidade comprovada para desenvolver pesquisa de boa qualidade;
Os critérios iniciais não são discrepantes em relação às exigências do MEC, mas os dois últimos são bastante inovadores. Neste caso, das exigências sobre corpo docente, é interessante notar que o Conselho nunca exigiu o mesmo para cursos de pós-graduação médica. Dito isso, a criação de metas e a capacidade comprovada de pesquisa parecem mais uma barreira do que uma imposição fundada na realidade das faculdades médicas que já existem.
Há também requisitos mais específicos para o docente e o estudante no ambiente de prática, tais como:
a atuação de estudantes de Medicina acompanhada pela supervisão presencial direta e permanente de preceptor e/ou médico;
identificação clara dos estudantes de Medicina como tal;
o acompanhamento efetivo pelo professor orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente ao estágio de estudantes de Medicina;
a existência de funcionário do quadro de pessoal, com formação ou experiência profissional na área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, formalmente designado para orientar e supervisionar até 10 (dez) estagiários simultaneamente.
Existem ainda exigências estipuladas na Resolução para aumento de vagas. Neste caso, elas são similares às impostas pela Portaria SERES/MEC 531 com a peculiaridade de que a disponibilidade de equipamentos e recursos é limitada ao município-sede, excluindo-se a região de saúde. Esta abordagem confronta o princípio da regionalização do SUS e até mesmo a Lei do Programa Mais Médicos, que reconhecem e valorizam as regiões de saúde.
Outro ponto que gera estranheza é o fato de que o tema de aumento de vagas aparentemente não está relacionado ao tema central da resolução, afinal cursos que pleiteiam e recebem aumento de vagas já são cursos autorizados pelo MEC. Neste caso a dúvida seria: o Conselho regional proibiria até mesmo a atuação de médicos como docentes em cursos já autorizados? O aumento de vagas valeria como uma irregularidade do próprio curso? A situação é tão insólita que não surgem nem respostas para perguntas assim.
Por fim, a Resolução prevê responsabilidade do Coordenador do Curso de Medicina a manutenção das condições mínimas para o ensino médico, dividindo esta responsabilidade com o Diretor Técnico da instituição de saúde onde sejam realizadas aulas práticas, estágios, ou qualquer outra atividade docente relacionada ao Curso de Medicina.
O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul poderá requisitar aos médicos Coordenadores dos Cursos e aos Diretores Técnicos dos estabelecimentos de saúde documentos relacionados ao curso de graduação em Medicina, podendo efetuar vistorias de fiscalização do exercício da docência médica e dos atos médicos realizados nos estabelecimentos de saúde conveniados com a finalidade de verificar a existência das condições mínimas para o ensino médico.
Neste caso, parece existir uma ameaça velada que poderia, se realmente fosse lícita, tornar difícil o trabalho como coordenador. Esse viés punitivo, de responsabilização do médico não está em sintonia com própria função do Conselho, pois o coordenador deveria ter apoio e proteção para atuar junto à Instituição de Ensino, que é a entidade responsável pelas condições do curso.
O Conselho regional e sua normativa
Pois bem, mais uma vez, agora via Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul, há uma tentativa de barrar e dificultar a oferta de novos cursos e vagas de medicina em todo o país.
Em se tratando da vedação ao médico de exercer a docência de disciplina médica em Curso de Graduação em Medicina ou Residência Médica em faculdade que não tenha autorização de funcionamento concedida pelo Ministério da Educação ou concedido por ordem judicial, perceba que, como já publicamos diversas vezes, algumas instituições de ensino cumprem todas as exigências legais para a obtenção da portaria de autorização do curso, o que foi negado pelo MEC contrariando – inclusive – decisão judicial.
A Resolução do CREMERS também relaciona condições mínimas para o ensino médico, como número de leitos do Sistema Único de Saúde - SUS disponíveis por aluno em quantidade maior ou igual a cinco, número de alunos por Equipe de Atenção Básica - EAB menor ou igual a três e grau de comprometimento dos leitos do SUS para utilização acadêmica.
Tratamos deste tópico há pouco tempo e demonstramos que, embora o critério seja excelente, peca por negligenciar a diversidade de formas de aprendizagem e de espaços de prática médica.
Leia
O ensino médico e a premissa da qualidade
Mais a mais, como já mostramos no texto acima, valendo repisar, o próprio CNE já demonstrou a necessidade de reflexão sobre este critério fundante de relacionar apenas leitos hospitalares ao número de alunos para a definição do número de vagas. É um método que desmuda uma dependência excessiva de hospitais para a prestação de serviços de saúde e traz de volta o debate que se desenvolve em torno da “desospitalização” dos cursos de formação médica.
Corrobora o entendimento o conteúdo das DCN de medicina, que não se utiliza da palavra “leito” como condição de cenário de ensino-aprendizagem e aceita que o aluno conheça e vivencie as políticas de saúde em situações variadas de vida, de organização da prática e do trabalho em equipe multiprofissional.
No caso dos hospitais de ensino, estabelecimentos de saúde que pertencem ou são conveniados a uma IES, pública ou privada, que servem de campo para a prática de atividades de ensino na área da saúde e que são certificados conforme o estabelecido na legislação do Programa de Certificação de Hospitais de Ensino, se caracterizam por serem unidades de referência em procedimentos de maior complexidade tecnológica. Eles são centros de formação, ensino e atuação de importantes especialidades de saúde, em especial dos profissionais médicos especialistas.
Estipular como exigência para o ensino médico a existência, no município de oferta do curso, hospital de ensino ou unidade hospitalar com mais de oitenta leitos, com potencial para ser certificado como hospital de ensino, é absurdo.
O STF vem decidindo que os cursos devem atender à necessidade social da região de saúde e, ao fazer isso, contribuem para o desenvolvimento do SUS, que, afinal de contas, deveria ser o norte interpretativo da decisão do Supremo.
Não há uma boa lógica em impor esta condição, que poderia boicotar um excelente curso médico instalado em um município e que usufruísse de hospital de ensino ou unidade hospitalar de município vizinho ou que se utilizasse de outras formas de aprendizagem e de espaços de prática médica.
‘Proibição’ indireta de novos cursos e vagas
O Conselho Federal de Medicina não esconde se opor à abertura de novos cursos de medicina. Ano passado enviou um ofício ao MEC pedindo que fosse criado “urgentemente” um grupo de trabalho para definir critérios objetivos para a criação dos novos cursos.
E enquanto as instituições de ensino aguardam o comprometimento do MEC com as decisões judiciais à elas favoráveis presenciamos esta Resolução de um conselho estadual que se permite agir em outra frente, qual seja, impedindo os profissionais de exercerem a docência de disciplinas especificamente médicas, tanto em cursos de graduação de medicina quanto em residências médicas já instalados caso as faculdades não cumpram seus requisitos.
A norma visa, ainda, criar uma condição constrangedora na qual coordenadores e docentes de cursos tornam-se fiscais do Conselho. Isso lhes atribui responsabilidades que, se existirem, deveriam ser assumidas por representantes dos órgãos de classe e cria um clima ruim nas Instituições de Ensino. Na realidade, a possibilidade de denúncia sempre existiu – e é salutar – mas a atuação fiscalizatória é tarefa indelegável.
A nosso ver a Resolução cria restrições indevidas para o exercício profissional da docência médica, violando o princípio da legalidade; também não se sustenta após um simples controle de legalidade.
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