Nestes últimos dias publicamos a respeito do projeto do Senado que cria o Certificado de Recebíveis Educacionais. Quando de sua justificação pelo senador Jorginho Mello, levantou-se o fato de que há verdadeiro subfinanciamento histórico do setor educacional e, mesmo com ações pontuais como o Programa de Financiamento Estudantil (FIES), por exemplo, a curva de crescimento é curta e em pouco tempo se arrefece.
Realmente, a maior parte das entidades depende do giro da economia e do pagamento de mensalidades para manter sua atividade e a inesperada e brusca parada da economia pode desmantelar toda essa cadeia de conhecimento e produtiva que envolve insumos, mão-de-obra geral e especializada.
Esse tipo de iniciativa – a criação do CRE - é esperada e necessária, como bem vimos no relatório produzido pela UNESCO IESALC, que aconselha que sejam realizadas pelo poder público medidas que possam amparar instituições de ensino. Fato que se a gestão escolar sempre encontrou uma sorte de desafios, sendo constantemente dependente da conjuntura econômica como um todo, hoje vive o agravamento do contexto pela crise causada pela pandemia. Quais ferramentas possibilitariam que o sistema educacional se mantivesse íntegro após a crise? Simon Schwartzman, em entrevista para o site Desafios da Educação, salienta:
“as universidades privadas já estão sendo afetadas. Elas dependem que as pessoas paguem suas mensalidades. E o grande subsídio ao ensino superior privado, que era o crédito educativo, já estava sendo cortado antes. E vai continuar sendo cortado. Talvez elas percam alunos e tenham que se enxugar. Mas elas têm a vantagem de serem mais flexíveis que as públicas para buscar alternativas devido ao seu caráter empresarial.”
Lilian Bacich, citada na mesma publicação, lembra que, independentemente da situação, sempre existe evasão no ensino superior. Mas que o momento atual pode potencializá-la caso as instituições não façam um trabalho bem feito. Em sua opinião,
“... agora há um estímulo para elas revisarem algumas posturas metodológicas, com o objetivo de buscar um engajamento maior dos alunos. É um ponto de reflexão: as IES precisam pensar se estão meramente entregando conteúdo ou estão pensando em um trabalho que tenha o viés das metodologias ativas, por exemplo. Vai haver um impacto econômico, mas elas podem se mexer para evitar uma evasão maior.”
Enfim, o desafio mais imediato para a maioria das instituições envolve fluxo de caixa. À medida que perdem valores em razão do inadimplemento das mensalidades ou descontos e negociações referentes a esses montantes, também enfrentam despesas inesperadas, incluindo toda a questão do envolvimento virtual realizado às pressas.
Para garantir a continuidade no curto prazo, algumas instituições provavelmente precisarão reestruturar rapidamente suas operações.
Para agravar ainda mais o desafio do fluxo de caixa, está a incerteza em torno das próximas matrículas. Se os estudantes não puderem voltar ao campus no próximo semestre, faculdades e universidades poderão enfrentar um desgaste imprevisto. Serão estudantes insatisfeitos com a experiência de ensino à distância ou tão somente incapazes de arcar com as mensalidades no atual clima econômico.
Mesmo instituições com bons recursos podem ter dificuldades em relação à redução de matrículas para o novo semestre acadêmico. Para instituições anteriormente estressadas financeiramente ou que operavam de forma deficitária, as despesas imprevistas de curto prazo e o declínio de matrículas a médio e longo prazo provavelmente ameaçarão sua solvência, forçando fechamentos e – talvez - fusões.
Neste momento os gestores precisarão se ater ao fluxo de caixa, organizando-o de modo que se possa verificar com clareza a saúde financeira do negócio e obter uma resposta clara sobre as finanças atuais da instituição.
Definir entradas e saídas até o início de 2021 seria ideal, montando um amplo grupo de partes interessadas – da administração, dos conselhos e corpo docente - para criar um plano de resposta, adiando para outro momento projetos que não sejam imprescindíveis.
Interessante ver que algumas instituições americanas, como a Universidade Estadual de Nova York (SUNY), estão conseguindo arrecadar valores oferecendo dormitórios vazios para uso como hospitais temporários ou como moradia para profissionais que estão trabalhando na linha de frente e não querem arriscar infectar suas famílias. Também nos EUA alguma ajuda poderá vir do Federal Coronavirus Aid, Relief e Lei de Segurança Econômica (Lei CARES), o que incluirá uma ajuda de aproximadamente US $ 14 bilhões para faculdades e universidades.
O que se sabe é que ainda serão muitos meses de incerteza e as instituições de ensino terão que se preparar para vários cenários possíveis; organização e flexibilidade diante das mudanças serão bastante necessárias.
O que se espera de imediato, a médio e a longo prazo nesse processo?
A incerteza está presente em todos os aspectos do ensino superior no momento (aprendizado virtual, trabalho remoto, condições financeiras incertas, dúvidas em relação a futuras matrículas). O inevitável é que muitas faculdades e universidades operem em um ambiente muito diferente no mundo pós-COVID-19.
De imediato é necessária uma rápida reestruturação da instituição, avaliando a liquidez geral para garantir a continuidade dos trabalhos. Da mesma forma, como grande parte das empresas está ofertando cursos em plataformas virtuais de aprendizagem e as operações de trabalho são remotas, recursos de TI precisam ser bem geridos. O corpo docente precisa estar afinado com a instituição.
De curto a médio prazo é preciso dar atenção ao bem estar do aluno, mantendo ou criando serviços de aconselhamento. O corpo docente, mais uma vez, precisará se adaptar ao envolvimento remoto/virtual para atender às necessidades dos estudantes.
A médio prazo as instituições deverão lidar com eventual redução de matrículas, o que já deve ser considerado quando organizado e planejado o fluxo de caixa. A médio e longo prazo veremos aumento dos riscos cibernéticos, já que medidas abruptas para aumentar rapidamente o acesso remoto potencialmente deixam as instituições mais vulneráveis.
A longo prazo poderemos vislumbrar fusões de entidades; previsão, todavia, que ainda demanda muita análise e observação. Talvez a longo prazo também, sendo otimista e buscando um cenário animador, podemos conjecturar um ganho de importância nas pesquisas em saúde. Vale dizer que a pesquisa nos últimos anos estava debilitada e esse quadro deve se agravar a curto e médio prazo. Mas, dadas as circunstâncias da crise, é de se esperar que haja pelo menos o vislumbre da necessidade de se fortalecer o setor.
A pesquisa em saúde no Brasil, diga-se, inclui a comunidade científica representada pelas universidades (públicas e privadas), institutos de pesquisa, associações científicas e profissionais, assim como a representação da sociedade civil e os organismos internacionais. Em verdade, a maior parte da pesquisa científica na área da saúde no Brasil não está em hospitais, mas em universidades e em institutos de pesquisa. E seu fortalecimento se fará necessário, ainda que a longo prazo.
Enfim, as instituições de ensino terão muito o que fazer nos próximos tempos: gerir a inadimplência, a evasão de alunos e a sua própria imagem são os pontos essenciais. Sempre tendo em conta seu papel social, intelectual e econômico na sociedade.
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