Dados pessoais são matéria prima para a realização de estudos e pesquisas indispensáveis para a sociedade. E foi exatamente por isto que a LGPD previu regime jurídico especial que reconhece a possibilidade de disponibilização de acesso àqueles dados, inclusive os de natureza sensível, para fins de realização de estudos e pesquisas.
A regra é reforçada pela determinação específica que autoriza o tratamento de dados pessoais para a realização de estudos por órgãos de pesquisa e pela possibilidade de sua conservação quando necessário para esta mesma finalidade.
Da mesma maneira, o art. 13 da LGPD dispõe que os órgãos de pesquisa poderão ter acesso à base de dados pessoais para a realização de estudos em saúde pública. Estes dados devem ser tratados exclusivamente dentro do órgão e estritamente para a finalidade de realização de estudos e pesquisas e mantidos em ambiente controlado e seguro, conforme práticas de segurança previstas em regulamento específico e que incluam, sempre que possível, a anonimização ou pseudonimização das informações.
A LGPD, portanto, estabeleceu regras para trazer maior segurança jurídica e proteção aos direitos dos titulares – e não para estabelecer obstáculos à disponibilização de acesso e ao compartilhamento de dados pessoais para fins de estudos e pesquisas.
Leia também:
Pois bem, a ANPD, em junho deste ano, divulgou um Guia Orientativo cujo objetivo é fornecer aos agentes de tratamento recomendações e orientações que possam incentivar a adoção de boas práticas e respaldar o tratamento de dados pessoais realizado para fins acadêmicos e de estudos e pesquisas de forma compatível com a legislação vigente. Nosso texto acompanha esta publicação.
As orientações aos agentes de tratamento no processo de disponibilização de acesso a dados para fins de estudos e pesquisas
O primeiro ponto a ser considerado é que o acesso, a transmissão ou o compartilhamento de dados pessoais são considerados atividades de “tratamento” de dados pessoais.
Assim, o agente de tratamento que detém os dados deve verificar qual hipótese legal autoriza a operação (art. 7º, dados pessoais, ou art. 11, dados pessoais sensíveis, da LGPD).
Caso o agente de tratamento que recebe os dados pessoais seja um órgão de pesquisa e o tratamento tenha como finalidade a realização de estudos ou pesquisas pelo próprio órgão de pesquisa, a disponibilização de acesso poderá estar amparada na hipótese legal ‘realização de estudos por órgão de pesquisa’. Nos casos em que o agente de tratamento receptor dos dados pessoais não for um órgão de pesquisa, a disponibilização de acesso deverá estar fundamentada em outra hipótese legal, diversa da que acabamos de mencionar (realização de estudos por órgão de pesquisa), a exemplo do ‘consentimento’ e do ‘legítimo interesse’. No caso do ‘legítimo interesse’ não há a possibilidade de ser utilizada para tratamento de dados pessoais sensíveis.
Em relação a entidades e órgãos públicos, a disponibilização de acesso a dados pessoais para realização de estudos pode decorrer do cumprimento de obrigação legal ou quando necessário à execução de políticas públicas.
Em todas as hipóteses devem ser resguardados os requisitos de segurança previstos na LGPD. Um exemplo prático são as atividades regidas pela lei sobre arquivos públicos e privados (lei 8.159/91), que estabelece procedimentos e regras próprias para a gestão documental e a proteção especial a documentos de arquivos. Nela, entre outras regras, existe a obrigação de disponibilizar acesso a certas informações de interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, inclusive para fins de estudos e pesquisas.
A divulgação de determinadas informações, inclusive de natureza pessoal, também pode decorrer do princípio da publicidade administrativa. É um outro caso de cumprimento de obrigação legal pelo controlador.
Formalidades
De acordo com as orientações da ANPD, existem formalidades que devem ser observadas pelos agentes de tratamento, em especial a correta identificação dos sujeitos autorizados a ter acesso a dados pessoais e para a condução de estudos e pesquisas.
É o caso de pesquisadores vinculados a órgãos de pesquisa. Neste caso, quando a disponibilização de acesso é feita por entidades e órgãos públicos, a apresentação de um “termo de ciência e responsabilidade” pode ser utilizado como instrumento para atestar o conhecimento da instituição sobre a realização do estudo e o cumprimento das obrigações previstas na LGPD.
Entre as obrigações, está a vinculação do uso dos dados à finalidade exclusiva de realização do estudo e o compromisso de respeitar a confidencialidade dos dados e a privacidade dos titulares (além de sempre adotar as medidas de prevenção e segurança apropriadas). Este “termo de responsabilidade” é usual e exigido para a submissão de projetos de pesquisa envolvendo seres humanos à avaliação de um Comitê de Ética em Pesquisa.
O “termo de ciência e responsabilidade”
A LGPD não estabeleceu forma rígida para identificação de pesquisadores, sendo possível, para a confecção do termo, a adoção de formatos variados, desde que legítimos, inclusive em meio digital. Este deve, de toda forma, ser assinado por funcionário da instituição que detenha competência para tanto.
Estudante universitário
Caso um estudante de graduação ou de pós-graduação solicite o acesso a dados pessoais detidos por um órgão público para fins de realização de estudos e pesquisas, inclusive para fins de subsidiar a elaboração de monografias, dissertações, teses ou relatórios de pesquisas, o acesso poderá ser concedido, observadas as normas aplicáveis, sempre mediante o “termo de ciência e responsabilidade” ou documento equivalente, assinado por um funcionário competente da instituição de ensino e pelo professor orientador ou o coordenador do curso.
Os agentes de tratamento que disponibilizam acesso a estes dados pessoais também podem editar normas internas ou celebrar acordos de cooperação e instrumentos similares com universidades e órgãos de pesquisa caso entendam conveniente. Tais instrumentos podem ser úteis para viabilizar a padronização e simplificação de procedimentos, inclusive porque há casos em que esta disponibilização de acesso a dados pessoais ocorre com frequência.
Anonimização de dados
É importante que se garanta, sempre que possível, a anonimização dos dados pessoais, conforme o disposto nos arts. 7º, IV e 16, II, c, da LGPD, que faz com que eles não sejam considerados dados pessoais, salvo nas hipóteses de reversão do processo de anonimização.
Vale ressaltar, para melhor compreensão: nestes casos a lei menciona anonimizar dados pessoais sempre que possível, ou seja, não é uma medida de segurança impositiva, que deve ser adotada em todo e qualquer caso de estudos e pesquisas. Em alguns casos, a identificação dos titulares pode ser imprescindível para os objetivos da própria pesquisa.
Caberá aos próprios agentes de tratamento a decisão de anonimizar ou não os dados; eles que irão definir e implementar as medidas de prevenção e segurança apropriadas para a proteção de dados pessoais em cada contexto, adotando esforços razoáveis e técnicas disponíveis à época, tendo em vista a natureza da pesquisa realizada, os riscos para os titulares e os padrões éticos aplicáveis.
O principal comando da LGPD é que se avaliem os riscos e adotem medidas para reduzir a ocorrência de danos. Uma eventual identificação dos titulares ou a admissão de algum grau de risco de sua identificação para atender a determinações legais, o interesse público e o direito de acesso à informação são compatíveis com a LGPD, desde que, claro, adotadas as medidas de proteção. É uma interpretação coerente com o regime jurídico especial previsto para o tratamento de dados pessoais para fins de estudos e pesquisas e com o princípio da responsabilização e prestação de contas.
Estudos em saúde pública
Por fim, se os estudos são em saúde pública, os órgãos de pesquisa poderão ter acesso a bases de dados pessoais que devem ser tratados exclusivamente dentro do órgão e apenas para a finalidade de realização de estudos e pesquisas. Eles devem ser mantidos em ambiente controlado e seguro, de acordo com práticas de segurança previstas em norma específica e que incluam também, sempre que possível, a anonimização ou pseudonimização dos dados. Os padrões éticos relacionados a estudos e pesquisas devem, obviamente, ser sempre respeitados.
A divulgação dos resultados ou de qualquer parte do estudo ou da pesquisa em saúde pública não pode revelar dados pessoais, em nenhuma hipótese.
Estas foram as principais informações constantes no Guia Orientativo sobre Tratamento de Dados Pessoais para Fins Acadêmicos relativas ao processo de disponibilização de acesso de dados em estudos e pesquisas nas instituições de ensino.
O documento foi publicado pela ANPD no dia 26 de junho deste ano e pode ser acessado em sua integralidade neste link.
Gostou deste texto? Faça parte de nossa lista de e-mail para receber regularmente materiais como este. Fazendo seu cadastro você também pode receber notícias sobre nossos cursos, que oferecem informações atualizadas e metodologias adaptadas aos participantes.
Temos cursos regulares já consagrados e modelamos cursos in company sobre temas gerais ou específicos relacionados ao Direito da Educação Superior. Conheça nossas opções e participe de nossos eventos.
Kommentare