O artigo “Educação a distância e saúde das populações rurais: uma contribuição para a educação de médicos que atuam em áreas rurais no Brasil”, apresentado pelos médicos Sara Shirley Belo Lança, Marcelo Pellizzaro Dias Afonso, Raphael Augusto Teixeira de Aguiar, Angela Moreira, Edgard Antônio Alves de Paiva e Janaina Neres, da Universidade Federal de Minas Gerais, fez parte da Revista Saúde & Transformação Social: Edição especial.
Foi um dos vários textos sobre teorias educacionais da era virtual publicados pela Rede UNA-SUS e buscou apresentar os fundamentos teóricos e metodológicos utilizados na produção de um curso EAD, auto instrucional, voltado para profissionais médicos que atuam no cuidado à saúde de populações que residem em áreas rurais.
A construção do curso em pauta foi norteada pela teoria da aprendizagem significativa e educação problematizadora, integradas ao modelo de design instrucional fixo e modelo ADDIE (Analyze, Design, Develop, Implement, Evaluate) como referenciais metodológicos propostos para desenvolvimento de cursos presenciais e à distância.
E com esta iniciativa buscou-se mostrar que os cursos a distância podem contribuir para a ampliação do conhecimento e a disseminação de recursos educacionais, colaborando, assim, para a melhoria da qualidade dos serviços em saúde.
Falta de profissionais e de qualificação nas áreas rurais
O artigo citado confirma o que já publicamos várias vezes: os médicos, em sua imensa maioria, se formam com foco na superespecialização e uso intensivo de tecnologias, concentrando sua força de trabalho nas regiões mais ricas do país e, especialmente, nas capitais.
Poucos são aqueles que se dispõe a residir e permanecer nas comunidades rurais e estes poucos, muitas vezes, ainda recebem formação aquém da necessária. O fato é que a formação atual dos médicos enfraquece a abordagem das especificidades, das necessidades e das demandas de atenção e cuidado à população rural. E se já percebemos a distribuição de profissionais extremamente desigual no país, estes egressos da saúde precisam ser melhor qualificados em sua formação, além de ter os interesses estimulados para que possam, por exemplo, desejar fixação na área rural, o que representaria parte importante da solução do problema apresentado.
E a Educação em Saúde é uma das premissas da reforma sanitária promovida pelo SUS. É sua competência constitucional ordenar a formação de profissionais e promover mudanças no processo de educação por meio de políticas públicas.
Ensino a distância
O artigo citado nos lembra que, com as transformações sociais derivadas da evolução tecnológica, surgiram novas possibilidades de ampliação do acesso à educação, seja na formação inicial ou continuada, e em diversas áreas do conhecimento.
O Ensino a Distância vem nesta esteira, pois possui características diferenciadas da educação presencial, como a flexibilidade de tempo, espaço e acessibilidade. E com a internet e os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), a interatividade se tornou um conceito chave no processo de desenvolvimento desta modalidade.
Existe, claro, a necessidade de um planejamento sistematizado e intencional para que tenhamos um aprendizado efetivo e contextualizado às necessidades do público-alvo do EAD e é justamente por isto que os bons cursos extrapolam a mera transposição de conteúdos preparados para aulas presenciais e buscam estratégias didáticas adequadas à modalidade.
“Além de um diagnóstico do contexto dos sujeitos da aprendizagem, os recursos tecnológicos, a criatividade e interatividade devem estar presentes como elementos potencializadores e motivadores do processo.
Sendo assim, para a elaboração de uma proposta pedagógica adequada às necessidades de aprendizagem, é fundamental a clareza de como se dá a aprendizagem, à luz das teorias pedagógicas e da utilização de modelos de Design instrucional apropriados para projetar e implementar cursos à distância de qualidade.” ( “Educação à distância e saúde das populações rurais: uma contribuição para a educação de médicos que atuam em áreas rurais no Brasil”)
O EAD na prática médica
O texto citado acima analisa um curso existente, no qual se favoreceu o processo de aprendizagem autogerida, aliando-se os pressupostos da Teoria da Aprendizagem Significativa, presente nos estudos do psicólogo-educador e pesquisador norte-americano David Ausubel, com as contribuições teóricas de Paulo Freire.
Ambos trabalham com a perspectiva de uma educação transformadora da realidade, pois apresentam, em suas obras, conceitos como a valorização da autonomia e o protagonismo do aluno, o reconhecimento de saberes e experiências como essenciais ao aprendizado e a necessidade de uma educação que contemple o diálogo e a reflexão crítica sobre a própria realidade em que se vive.
O modelo de educação defendido por Freire ultrapassa a memorização de conceitos e teorias. Ele entendia que o estudante deveria aprender a tomar decisões, corresponsabilizar-se social e politicamente e reconhecer os problemas e a forma como os sujeitos encontram-se neles inseridos. Uma educação promotora de mudanças de atitudes.
Paulo Freire estimava que o estudante deveria viver problemas reais, enfrentados no cotidiano da práxis profissional, considerando os conhecimentos e experiências prévias. Este processo resultaria em uma aprendizagem significativa.
E foi isto que o artigo relatou:
Uma experiência de curso a distância que se utilizava das perspectivas teóricas de Freire e Ausubel para nortear a busca por um ‘design instrucional’ que considerasse as necessidades de aprendizagem de conceitos novos junto com as especificidades da área e que, ao mesmo tempo, proporcionasse reflexões sobre os desafios encontrados no cotidiano dos médicos que atuavam nas áreas rurais a partir dos problemas desta realidade.
Os médicos conseguiam ampliar as suas competências e contribuir para a efetivação do direito à saúde para todos; a atenção dada aos pacientes foi tida como qualificada, eficiente e humanizada.
Modelo de Design Instrucional aplicado ao curso
O Design lnstrucional é entendido como um processo educacional que identifica um problema ou uma necessidade, implementa e avalia uma solução para este mesmo problema, sendo imprescindível para a elaboração de um curso na modalidade a distância.
Existe alguns modelos de Design Instrucional. Por agora só nos referimos ao utilizado pelo EAD em análise, que foi o Modelo de Design instrucional fixo, que atendeu às necessidades e características educacionais dos profissionais de saúde com alcance em larga escala. Os cursos construídos a partir deste modelo possuem recursos educacionais ricos em mídias e feedbacks automáticos e a mediação pedagógica se dá a partir da interação entre o estudante e o conteúdo. Tudo é planejado e organizado em uma sequência didática na qual predomina o autoestudo e que pressupõe a autonomia dos estudantes durante seu percurso de aprendizagem.
Uma das estratégias pedagógicas foi a resolução de casos clínicos, proporcionando soluções para os problemas apresentados aos estudantes.
Resultados
O curso EAD sobre a temática Saúde das Populações Rurais tinha como objetivo geral capacitar Médicos de Família e Comunidade e Médicos Generalistas das equipes de Saúde da Família e equipes de Atenção Primária à Saúde para a prática da Medicina Rural.
A primeira oferta foi realizada no ano de 2021, com 1067 inscritos dos quais 330 concluíram, 194 reprovaram e 543 abandonaram o curso. Os números de concluintes e de evasão são muito próximos ao observado em outros cursos EAD.
Um dado importante é que o curso apresentou ampla distribuição nacional de estudantes, com representantes em todas as 27 unidades federativas. Considerando seu objetivo, que é disseminar o conhecimento em todas as regiões do país, cada qual com suas peculiaridades da área rural, ter alunos em todos os estados é significativo.
Os autores entendem que foram estimuladas tanto a produção acadêmica de temas sub representados, como a Saúde das Populações Rurais, quanto a sua difusão nos cenários de ensino e prática em saúde ao redor do Brasil. Eles reforçam o fato de que o uso de ferramentas digitais é de grande valia para aproximar pessoas de grande expertise na área até estudantes e profissionais interessados.
O EAD, enfim, é um estímulo ao estudo, à diversificação dos campos de prática profissional, podendo contribuir na solução das iniquidades inclusive em saúde pública das populações rurais. Basta que a estratégia educacional seja adequadamente gerida, como foi a apresentada no relato de experiência.
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