Atualização: A SEDUC-SP reconsiderou a decisão e retomou a adesão às obras didáticas do PNLD. A decisão demonstra a importância de se ouvir as escolas e a comunidade na gestão educacional.
Há poucos dias o governo do estado de São Paulo definiu não aderir ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e não só. Também decidiu que, a partir de 2024, a rede de educação paulista usará somente conteúdo didático digital e não mais o livro impresso, isto para as turmas a partir do 6º ano do fundamental.
Em mais de 80 anos da existência do PNLD esta foi a primeira vez que uma decisão deste porte foi tomada e, não por menos, gerou grande repercussão social: entidades do livro lançaram manifesto pedindo revisão da escolha do governo; o MP/SP investiga a decisão tomada e parlamentares do PSOL acionaram a justiça.
O que é o PNDL
O Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) se destina a avaliar e a disponibilizar obras didáticas, pedagógicas e literárias, bem como outros materiais educativos, de forma sistemática, regular e gratuita, às escolas públicas de educação básica das redes federal, estaduais, municipais e distrital. Também são disponibilizadas às instituições de educação infantil comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos e conveniadas com o Poder Público.
Todas as ações de aquisição e distribuição de livros didáticos e literários antes de 2017 foram unificadas pelo Decreto nº 9.099/17 e o programa também ampliou seu objetivo, abrangendo a possibilidade de inclusão de outros materiais de apoio à prática educativa (além das obras didáticas e literárias), o que sejam: obras pedagógicas, softwares e jogos educacionais, materiais de reforço e correção de fluxo (material destinado a acabar com a distorção idade-série, considerada um dos maiores problemas enfrentados na educação pública brasileira), materiais de formação e materiais destinados à gestão escolar, por exemplo.
A concretização do PNLD é feita de forma alternada. Os quatro segmentos: educação infantil, anos iniciais do ensino fundamental, anos finais do ensino fundamental e ensino médio são atendidos em ciclos diferentes. Cada um é atendido em um ciclo e a gestão se encarrega de avaliar se há novas matrículas registradas ou necessidade de reposição de livros avariados ou não devolvidos.
Estudantes, professores de diferentes etapas e modalidades e públicos específicos da educação básica também podem ser atendidos por meio de ciclos próprios ou edições independentes.
Compra e distribuição dos materiais
A responsabilidade pela compra e a distribuição dos materiais e livros didáticos selecionados pelo Ministério da Educação, no âmbito da Secretaria de Educação Básica (SEB), é do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Este órgão também cuida da logística da entrega e do remanejamento dos materiais didáticos para todas as escolas públicas do país cadastradas no censo escolar.
Para que a escola receba os livros didáticos do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) ela deve participar do Censo Escolar do INEP e deve fazer adesão formal ao programa, de acordo com a Resolução CD/FNDE nº 42/12. A adesão sempre deve ser renovada até o final do mês de maio do ano anterior àquele em que a entidade pretende ser atendida.
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) faz a entrega do material, com a observância de técnicos do FNDE e das Secretarias Estaduais de Educação. Os livros chegam às escolas entre outubro do ano anterior ao atendimento e o início do ano letivo e, nas zonas rurais, são entregues nas sedes das prefeituras ou das secretarias municipais de educação, que ficam responsáveis por efetivar a entrega dos livros.
A distribuição dos livros didáticos ocorre de acordo com as projeções do censo escolar referente aos dois anos anteriores ao ano do programa, pois são as informações que o governo possui no momento do processamento da escolha realizada pelas escolas. Daí uma eventual (e provável) diferença entre o número de livros e o de estudantes.
A escolha dos livros didáticos
O governo do estado de São Paulo justifica sua decisão de não participar do PNLD alegando que, a partir de 2024, os estudantes dos ensinos fundamental e médio da rede estadual contarão com material próprio e 100% digital e, assim, não precisariam mais dos livros didáticos. Críticos da medida salientam que ela tem cunho ideológico e que a gestão não deseja receber o material do MEC. Além disso, denunciam a existência de conflito de interesses do secretário de Educação paulista, cuja empresa vende notebooks para a secretaria que comanda.
Mas como são escolhidos os livros didáticos? Inicialmente, os materiais distribuídos pelo MEC às escolas públicas de educação básica do país são escolhidos pelas escolas que se inscreveram no PNLD e que foram aprovados em avaliações pedagógicas coordenadas pelo Ministério da Educação. Um grupo de profissionais, com a participação de Comissões Técnicas específicas, integrada por especialistas das diferentes áreas do conhecimento correlatas, faz a curadoria das obras.
Já os materiais, as obras propriamente ditas, são inscritas pelos detentores de direitos autorais, tudo de acordo com critérios estabelecidos em edital e depois avaliadas por especialistas das diferentes áreas do conhecimento. Depois de aprovadas, irão compor o Guia Digital do PNLD, que orienta o corpo discente e o corpo diretivo da escola na escolha das coleções para cada etapa de ensino.
Interessados, seja de qual vertente ideológica for, devem acompanhar a abertura dos editais específicos; se forem gabaritados poderão participar da avaliação e seleção de obras no âmbito do PNLD.
Resumindo: os livros didáticos são produzidos por diversas editoras de todo o país: empresas privadas, é bom frisar, que querem ter seus livros comprados pelo governo e, por isto, se inscrevem na avaliação.
Depois, o governo federal envia os exemplares dos livros para as comissões mencionadas, que são cíclicas, em universidades, e eles serão minuciosamente analisados, sendo vetados tão somente se não cumprirem requisitos básicos como ferir dados científicos ou apresentarem imagens que não mostram a diversidade racial brasileira, por exemplo.
Os livros que são aprovados são diversos ideologicamente no sentido de alguns instigarem mais o pensamento crítico e outros serem mais conservadores; porém todos seguem o conteúdo tradicional.
No fim das contas o MEC aprova materiais bem diferentes entre si, permitindo que as escolas se identifiquem com algum deles.
Como no Brasil existem várias realidades concomitantes, uma escola de um rincão do norte ou sul do país não necessita escolher o mesmo material de uma escola de uma grande capital. E se quiser pode, esta é a questão! Os docentes da instituição de ensino, que de fato utilizam o material, é que vão decidir qual livro e/ou coleção adotar.
Não é esperado – repita-se - que o governo federal interfira no processo de escolha dos livros. As editoras os produzem a seu critério; depois os especialistas os avaliam e, então, os professores/escolas escolhem o que desejam. A obrigação do governo federal é pagar por eles.
O que dizem as entidades do livro sobre a decisão do governo de São Paulo
Autores de livros educativos, editores, livreiros, distribuidores e gráficos manifestaram profunda preocupação com a decisão anunciada pelo governo de São Paulo de excluir o estado do PNLD. Eles afirmam que o programa é referência de política pública exitosa por mais de oito décadas e um instrumento de garantia de pluralidade, qualidade didático-pedagógica e de transparência.
Para eles, sair do PNLD significa abrir mão da diversidade de conteúdos e limitar a autonomia dos professores. O uso de um conteúdo único, como proposto pelo governo, por outro lado, implica não considerar as múltiplas características de alunos e territórios.
Além do mais, entendem que adotar apenas o conteúdo digital ocasiona um prejuízo no aprendizado, como demonstram estudos internacionais, sem mencionar o risco de excluir grande parcela dos estudantes que não tem acesso a gadgets e internet.
O que diz o Ministério Público
O Ministério Público do Estado de São Paulo também manifestou-se em relação ao assunto instaurando inquérito civil para investigar a decisão da Secretaria de Educação.
O procedimento dá um prazo de 10 dias para a Secretaria responder a questões pertinentes ao processo, como esclarecer se houve consulta a órgãos de gestão da educação, se foi estudado o cumprimento do Plano Estadual de Educação e para informar os custos para produção do material didático que será utilizado pelo governo.
A peça inicial do MP/SP cita eventuais violações a princípios constitucionais, como gestão democrática do ensino público, obrigação do Estado de fornecer material didático, liberdade de ensinar, pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, planejamento das políticas públicas educacionais, entre outros, além de considerar que a decisão terá impacto no orçamento da Secretaria.
O órgão ministerial também tem interesse em apurar se os novos materiais "equivalem aos do PNLD em termos de qualidade, processos de análise qualitativa de produção, escolha, avaliação e preço unitário".
Ação pública
A decisão de não receber os livros didáticos do PNLD também gerou uma ação popular proposta por parlamentares do PSOL. Eles argumentam que a decisão contribui para a precarização do ensino, significa a renúncia de cerca de R$ 200 milhões em livros didáticos e que a impressão de novos materiais pelo Estado causará impacto aos cofres públicos.
Na ação popular também se menciona que os materiais vetados são utilizados por colégios particulares de alto rendimento e que não há justificativa plausível para a decisão estadual.
Prazo
Uma das preocupações de quem discorda da decisão tomada pelo governo de São Paulo é que existe um prazo para aderir formalmente ao programa. Caso o governo volte atrás ou exista decisão judicial determinando a adesão compulsória fora do tempo previsto pela normativa afim, as escolas do estado podem ficar prejudicadas. Aguardemos o acontecimentos.
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