Foi criada pelo Ministério da Educação a Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola, a PNEERQ. A iniciativa se deu via Portaria n° 470, do dia 14 de maio deste ano, com intuito de fomentar ações e programas educacionais para a superação das desigualdades étnico-raciais na educação e promoção da política educacional para a população quilombola.
O projeto político pretende que até o ano de 2027 seja investido 1,5 bilhão em seus sete eixos, impactando 5.570 municípios de todas as unidades da federação, com ações universalistas e também ações individuais em localidades com maiores desigualdades.
Contribuiu para sua criação uma pesquisa diagnóstica que contou com a participação das redes de ensino e de todas a secretarias estaduais de educação.
Pois bem, é importante ter em mente, de início, que a educação quilombola é desenvolvida em unidades educacionais inscritas nas terras e culturas quilombola e requer uma pedagogia própria devido à especificidade étnico-cultural de cada comunidade, bem como formação específica do quadro docente. As atividades se dão conforme a Constituição Federal, a BNCC e os princípios da Educação Básica brasileira, sendo que a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola ocorreu na forma do Parecer CNE/CEB nº 16/2012 e da Resolução nº 8, de 20 de novembro de 2012.
Para entender melhor o que são os quilombolas, seu direito à educação, as características das escolas quilombolas e escolas que atendem estudantes de territórios quilombolas, bem como as etapas e modalidades desta educação específica, currículo, projeto político-pedagógico, gestão e organização das escolas, acesse nosso texto A Educação Escolar Quilombola nas DCNs da Educação Básica e saiba mais a respeito.
Fato é que, apesar de toda a construção que se vem fazendo para promover uma política educacional para a população quilombola, a questão ainda é muito desafiadora e, como bem expusemos em nosso material de julho de 2023, as participações dos quilombolas nas audiências públicas demonstram uma vivência dura. Suas principais reivindicações no campo da educação são que o Estado lhes auxilie no processo de acessar a tecnologia adequadamente, que recebam a formação profissional dos jovens e adultos e que acessem o ensino superior. Os quilombolas querem tão somente serem vistos, ouvidos e serem sujeitos de direitos e, para tanto, são indispensáveis as políticas públicas de eliminação da discriminação racial.
A portaria n° 470, de 14 de maio de 2024
As diretrizes da portaria que cria a PNEERQ, exemplificativamente, compreendem o respeito, o reconhecimento e a proteção da História e Cultura Afro-Brasileira como elementos estruturantes do processo civilizatório nacional e a superação dos racismos e de toda forma de preconceito e discriminação, além de consolidar a necessidade do ensino sobre a História e Cultura Afro-Brasileira nos currículos escolares.
Seus objetivos incluem formar profissionais da educação para gestão e docência para Educação para Relações Étnico-Raciais (ERER) e da Educação Escolar Quilombola (EEQ), contribuir para a superação das práticas racistas na educação brasileira, fazer cumprir a LDB e reconhecer avanços institucionais antirracistas.
Interessante é que a adesão do estado, do Distrito Federal ou município à PNEERQ será voluntária, via termo de adesão pelo respectivo Chefe do Poder Executivo, com apoio da União, de natureza supletiva e redistributiva. Este apoio será realizado mediante ações de assistência técnica e financeira, observando critérios de indicadores nacionais do MEC, do FNDE, do Inep e do IBGE que permitam aferir as desigualdades educacionais no território, o nível socioeconômico dos estudantes ou das escolas dos entes federados.
Sete eixos
A Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola se desenvolveu estruturada em sete eixos.
No primeiro Eixo está a Governança, responsável pela estrutura para a política na versão universal e focalizada. Para isso, está prevista a construção de uma rede de governança e coordenação federativa para apoiar as redes de ensino em relação às capacidades institucionais. O plano é investir financeiramente em escolas voltadas às temáticas étnico-raciais e quilombolas, por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), segundo o número de alunos e de acordo com o censo escolar do ano anterior ao do repasse.
O Eixo 2 é justamente o diagnóstico e monitoramento da implementação da Lei nº 10.639/2003. Deverá ser realizado o Diagnóstico Equidade em 100% das redes estaduais e municipais de ensino, além de criados indicadores e de escala para o monitoramento do avanço das ações de equidade.
O Eixo 3 trata da formação de gestores escolares e professores em educação para as relações étnico-raciais, calcanhar de aquiles do tema. O governo federal admite que, atualmente, somente 1,5% dos gestores e 0,92% dos docentes têm formação de 80 horas na área. E sem programas de formação para os educadores não há como dar continuidade ao projeto.
No Eixo 4 há a pretensão de cuidados mais acurados com o Material didático e literário. O projeto político determina a criação de uma Comissão de Especialistas para análise do edital do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) e a produção de cadernos pedagógicos e guias informativos para a implementação de orientações didáticas sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola (DCNEEQ).
Os Protocolos de prevenção e resposta ao racismo no ambiente educacional estão no Eixo 5. Há a previsão de publicação nos próximos meses de editais para a produção de cinco protocolos de prevenção e resposta ao racismo em todas as instituições de ensino – sejam públicas ou privadas - da educação infantil, do ensino fundamental, ensino médio e superior.
No Eixo 6 a ideia é a da afirmação das trajetórias negras e quilombolas, com a valorização da trajetória dos estudantes e professores de escolas quilombolas e o fortalecimento da infraestrutura destas escolas por meio de programas e ações.
Por fim, no Eixo 7, a previsão é de se compartilhar e disseminar os conhecimentos sobre a educação e a cultura quilombola, bem como da cultura negra e de ações que promovam a educação antirracista. Ou seja, é a difusão de saberes tradicionais, reconhecida e valorizada ainda muito recentemente.
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Os temas raciais
A PNEERQ é de suma importância e o que se espera é que seja efetivada com o maior sucesso possível.
Especialmente considerando, por exemplo, as pesquisas que se realizaram ano passado no setor educacional. Um estudo divulgado demonstrou que 71% das secretarias municipais de Educação não possuem ações consistentes para atender a legislação antirracista.
Outra pesquisa apresentada neste ano mostra que 89,8% das turmas de educação de creche e pré-escola de 12 municípios brasileiros ignoram o ensino de questões étnico-raciais. Todas as regiões do país foram incluídas no mapeamento, que considerou 3.467 turmas, sendo 1.683 creches e 1.784 pré-escola.
E a PNEERQ, além de suas diretrizes e objetivos direcionados aos cidadãos quilombolas, prevê em seu segundo eixo o diagnóstico e o monitoramento da implementação da Lei nº 10.639/2003.
Já se sabe que não há grandes necessidades de novas normas para a efetivação da Educação das Relações Étnico-raciais nas escolas brasileiras. O que sempre faltou foi vontade política dos executivos federal, estaduais e municipais e um monitoramento e cobrança mais rigorosa das instâncias responsáveis pela fiscalização do cumprimento da Lei 10.639.
Como já afirmamos em nosso texto A lei de ensino da história da África chegou à maioridade; há o que se comemorar?, esta norma atingiu sua maioridade sem se institucionalizar. Ela não galgou o degrau de política pública e não se enraizou nos projetos políticos pedagógicos das escolas. Os trabalhos realizados com base nela são – de forma geral - trabalhos de professores e diretores conscientes de suas obrigações como educadores.
Que a PNEERQ cumpra seus objetivos. Além de promover a política educacional para a população quilombola, o que é muito necessário, se obtiver êxito em monitorar e cobrar a efetivação da Lei 10.639/03 representará uma vitória social.
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