As decisões judiciais nos provam que o Código de Defesa do Consumidor se aplica às relações entre instituições de ensino e estudantes; hoje é certo que o aluno, como contratante e destinatário de serviços educacionais, é um consumidor. A relação de consumo se forma nas situações em que uma pessoa é destinatária final de um bem ou serviço. O estudante, ao escolher uma instituição de ensino procura, certamente, por uma prestação de serviços, na condição de destinatário final.
Mas a educação escolar nem sempre pode ser tratada como uma relação de consumo. Antes de continuar a leitura deste texto, acesse nosso material O aluno é consumidor? e
entenda o tema sob dois ângulos: sob enfoque do direito do consumidor e sob o enfoque do poder disciplinar e da autonomia das Instituições de Ensino.
Por agora vamos focar nos aspectos amplamente reconhecidos e abordados pela jurisprudência, que dizem respeito a contratos sem cláusulas abusivas e publicidades que não sejam enganosas. Afinal, desde o momento da oferta e, depois, quando do cumprimento do contrato, a instituição de ensino está sujeita a regras que protegem o consumidor. Existe uma proteção ao que ´a economia denomina problemas de informação assimétrica, ou seja, protege-se o equilíbrio entre as informações que o fornecedor de serviços tem e as que o consumidor deve ter´.
Venda casada
A venda casada é um tipo de prática comercial que ocorre quando uma empresa exige que o consumidor adquira um produto ou serviço adicional como condição para a aquisição de outro produto ou serviço. Por exemplo, uma empresa pode exigir que o consumidor compre um plano de manutenção adicional como condição para a compra de um aparelho eletrônico.
A venda casada pode manifestar-se de várias formas, incluindo:
Venda casada direta: Quando uma empresa exige que o consumidor compre um produto ou serviço adicional como condição para a aquisição de outro produto ou serviço.
Venda casada indireta: Quando uma empresa faz uma oferta com desconto, que só é válida se o consumidor adquirir um produto ou serviço adicional.
Venda casada por sugestão: Quando uma empresa sugere ou incentiva o consumidor a adquirir um produto ou serviço adicional como condição para a aquisição de outro produto ou serviço.
A venda casada pode ter uma série de efeitos negativos para o consumidor, incluindo preços mais altos, limitação da liberdade de escolha e dificuldade em comparar preços e ofertas. Além disso, pode prejudicar a concorrência, já que impede que outras empresas ofereçam produtos ou serviços semelhantes.
Por essas razões, a venda casada é regulamentada em muitos países, incluindo o Brasil, onde é proibida pela lei consumerista. As autoridades regulatórias têm o poder de multar e impor outras sanções às empresas que a praticam. Além disso, os consumidores têm o direito de buscar proteção e indenização pelas autoridades competentes.
Em resumo, é uma prática comercial que pode prejudicar o consumidor e a concorrência; consumidores cientes de seus direitos e que saibam reconhecê-la vão fazer a denúncia respectiva.
Caso concreto que pode gerar multa para as instituições de ensino
Um caso concreto que se configura como venda casada e que pode gerar multa para as escolas é quando há exigência da compra do uniforme escolar na própria escola ou em uma loja específica, não sendo dada opção ao estudante.
A obrigatoriedade do uso de uniforme escolar nas instituições de ensino particulares está apoiada pelo Regimento interno da instituição, na proposta pedagógica e, normalmente, no contrato de prestação de ensino.
Em relação à venda do uniforme, a escola até pode comercializar o seu uniforme: isso não caracteriza venda casada. Mas há ressalvas: aos pais deve ser dada a opção de compra em estabelecimentos diferentes.
Como o uniforme identifica a escola, possuindo, inclusive, o logotipo e o nome da instituição, é uma propriedade intelectual e sua comercialização deve ter autorização expressa do dono da patente devidamente registrada.
Então, o que cabe à escola é autorizar que mais de uma empresa fabrique os uniformes de sua criação. Lembrando que ninguém pode utilizar-se da marca ou da imagem da instituição de ensino sem sua autorização, o que ensejaria o dever de indenizar, ainda que não tenha causado nenhum dano moral ou prejuízo.
Um outro detalhe que deve ser respeitado pelas escolas é manter o logotipo no uniforme por pelo menos 05 anos. Manter, portanto, a mesma representação gráfica do nome fantasia, o produto gráfico resultante do design, definido também como a imagem da marca por este período. Isto permite que o uniforme possa ser reutilizado por mais anos e compartilhado por irmãos e colegas. Várias escolas são complacentes em relação a isto e não exigem trocas constantes de uniformes, o que nos parece uma boa prática.
Ocorrências
Neste ano de 2023 duas escolas particulares de Poços de Caldas, no Sul de Minas Gerais, foram autuadas pelo Procon/MG e terão que pagar multa pela venda casada de uniformes escolares. As escolas exigiam que os alunos comprassem os uniformes na própria escola ou em loja específica.
De acordo com a coordenadora do Procon de Poços de Caldas, Fernanda Soares, o órgão de proteção ao consumidor tem como praxe fazer uma verificação de rotina todos os anos quando as escolas liberam as listas de material escolar. Nesta ocasião são analisados eventuais abusos contra o consumidor. E, desta feita, foi identificada uma instituição que exigia, na lista de materiais escolares enviada aos pais e responsáveis, a compra do uniforme em loja específica, da própria escola, inclusive.
No decorrer da apuração da denúncia, o Procon recebeu o comunicado de que outra instituição estava praticando a mesma conduta que, por constituir uma infração, causou sua autuação em flagrante. As duas instituições de ensino foram notificadas para que cessassem a conduta abusiva e foram multadas em cerca de R$ 16 mil cada. Desta decisão cabe recurso. Importante frisar que se a conduta não for corrigida, atendendo à resolução do Procon, as escolas podem ser notificadas a uma multa adicional por cada dia.
Enfim, a instituição de ensino pode oferecer o uniforme escolar para venda como uma opção aos alunos matriculados. O que está proibido pelo Código de Defesa do Consumidor é fazê-lo de forma exclusiva, barrando a venda por outras lojas da cidade. A escola precisa proporcionar aos pais a chance de procurar o uniforme – assim como o material escolar – no estabelecimento que lhes mais aprouver: onde estiver mais barato, mais cômodo e/ou ofertar a melhor forma de pagamento. Caso contrário poderá incidir na hipótese de venda casada e ser punida nos moldes do CDC.
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