Lei estadual não pode proibir a exigência de revalidação de títulos obtidos em IES estrangeiras
- Ana Luiza Santos e Edgar Jacobs
- há 4 dias
- 5 min de leitura
Em 2009, uma lei do estado de Roraima foi publicada para impedir a exigência da revalidação de títulos obtidos em instituições de ensino superior localizadas nos países membros do Mercosul. À época, a lei foi promulgada em razão da situação de 46 professores que concluíram mestrado em outros países e não conseguiam obter reconhecimento de seus referidos cursos para atuarem de forma regularizada no estado.
A norma - de n. 748, de 19 de novembro de 2009 -, também previa que seriam nulas de pleno direito as exigências de revalidação que pudessem causar prejuízos aos detentores de títulos obtidos em instituições dos países membros do Mercosul em face daqueles equivalentes obtidos no Brasil, cujo tratamento viesse caracterizar obstáculo ao exercício da docência, pesquisa ou, mesmo, seleção para ingresso na respectiva carreira, no âmbito da administração pública estadual direta ou indireta.
Em 2012, o governador de Roraima ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra essa lei estadual. De acordo com o governante, a norma violava a Constituição Federal em seu artigo 22, inciso XXIV, que determina a competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. E que, nessa seara, o ordenamento jurídico já contava com uma lei de abrangência nacional (Lei 9.394/96) para tratar da matéria.
Nas razões do então governador, a normativa gerava insegurança e desordem no ordenamento jurídico, pois confundia a coletividade quanto aos requisitos necessários para se obter um título válido em IES dos países membros do Mercosul, bem como sobre a necessidade de revalidação de tais títulos. Mais a mais, o estado de Roraima não poderia ser obrigado a cumprir uma lei flagrantemente inconstitucional.
A ADI 4720
A relatora da ADI 4720 foi a ministra Cármen Lúcia e seu voto foi acompanhado pelos demais julgadores. Ao citar precedentes do Plenário em casos análogos, a relatora mencionou que o STF já havia consolidado entendimento no sentido de que a internalização de títulos acadêmicos de mestrado e doutorado expedidos por IES estrangeira deve ter um tratamento uniforme em todo o território nacional, sendo competência da União legislar sobre a matéria.
Sem discordâncias, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a Lei 748/2009 de Roraima e bateu o martelo de que ela usurpou competência privativa da União, prevista no artigo 22 da Constituição Federal.
A ADI 6073
Curiosamente, outra norma afim foi publicada em 2013, no mesmo estado da federação.
A lei ordinária nº 895, de 25 de janeiro de 2013, vedava ao Poder Executivo, Legislativo e Judiciário negar aos demais órgãos da Administração Estadual direta e indireta os efeitos e validade aos títulos de pós-graduação "stricto sensu" obtidos junto às instituições de ensino superior sediadas e legalizadas em outros países. E se fundamentava nos artigos 4ºe 5º e parágrafo único do art. 151 da Constituição do Estado c/c caput, inciso XIII, §§ Io e 2º, todos do art. 5º da CF.
E essa lei era ainda mais minuciosa, prevendo que o reconhecimento de que tratava seria concedido ao requerente a partir do momento da solicitação, desde que o mesmo apresentasse cópia autêntica dos diplomas devidamente legalizados pelo Ministério de Relações Exteriores do País, sede da Instituição que expediu o título, bem como do Órgão competente do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Da mesma forma que a lei anterior, também previa nulidade de exigências de revalidação para a concessão dos benefícios aos detentores de títulos de pós-graduação stricto sensu obtidos em IES sediadas em outros países em face da titulação equivalentes àqueles obtidos no Brasil para docência, pesquisa, progressão funcional ou seleção para ingresso na respectiva carreira.
Mais uma vez houve o acionamento da Corte Suprema via ação direta de inconstitucionalidade e, dessa vez, foi o ministro Edson Fachin que suspendeu a eficácia da lei contestada.
Verificada a presença da verossimilhança do direito e do perigo de dano pela demora da decisão, portanto, foi concedida a liminar. O ministro Fachin afirmou que a lei estadual, além de afrontar a competência da União, afastou as exigências de revalidação de diplomas de curso superior previstas no parágrafo 2º do artigo 48 da LDB. A norma dispõe que os diplomas de graduação expedidos por universidades estrangeiras serão revalidados por universidades públicas que tenham curso do mesmo nível e área ou equivalente, respeitando-se os acordos internacionais de reciprocidade ou equiparação.
Ainda, afirmou ser certa a possibilidade de dano ao erário público estadual a eventual concessão de promoções funcionais, gratificações e outros benefícios a servidores que não tenham seus títulos devidamente reconhecidos de acordo com o que já dispõe a LDB. A possibilidade de dano se revela ainda mais forte porque a jurisprudência do STF tem se firmado contra a devolução de eventuais valores percebidos de boa-fé por servidores públicos.
ADI nº 5168
Mais uma ADI no mesmo sentido pode ser citada nessa ocasião, demonstrando os julgados iterativos do STF.
... “a questão afeta à internalização de títulos acadêmicos de mestrado e doutorado expedidos por instituições de ensino superior estrangeiras compõe interesse geral e demanda tratamento uniforme em todo o Estado brasileiro, pelo que deve ser regulamentada por normas de caráter nacional”...
E assim a ministra Cármen Lúcia, relatora da ADI nº 5168, julga que o artigo 27 da Lei nº 1030/2016 do Estado de Roraima padece de inconstitucionalidade por usurpação da competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional.
No caso dessa ADI em particular, das normas impugnadas decorreu a percepção de verbas de natureza alimentar por servidores públicos da educação básica no Estado de Roraima, durante significativo lapso temporal.
A relatora, então, mencionando os princípios da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da proteção da confiança, considera necessária a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Ou seja, os servidores que receberam eventuais promoções funcionais, gratificações e outros benefícios de boa-fé em razão dos títulos validados de forma inadequada não foram afetados pela inconstitucionalidade da lei.
E a parte da norma que exacerbou de sua competência, como as demais já mencionadas, foi declarada inconstitucional.
Jurisprudência consolidada
Normas estaduais não podem legislar sobre revalidação de títulos de graduação e pós-graduação; não podem proibir a exigência de revalidação de títulos obtidos em IES dos países membros do Mercosul ou conceder benefícios a detentores de títulos obtidos em IES sediadas fora do Brasil.
A legislação pertinente ao tema é a Lei 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional - LDB.
Outras normas, como a Resolução nº 3 do CNE de 22 de Junho de 2016, que dispõe sobre normas referentes à revalidação de diplomas de cursos de graduação e ao reconhecimento de diplomas de pós-graduação stricto sensu, expedidos por estabelecimentos estrangeiros de ensino superior e a Portaria n. 22 do MEC, de 13 de dezembro de 2016, que dispõe sobre os procedimentos referentes à revalidação de diplomas de cursos de graduação e ao reconhecimento de diplomas de Pós-Graduação stricto sensu, expedidos por estabelecimentos estrangeiros de ensino superior também tratam a questão.
Leia também

Gostou deste texto? Faça parte de nossa lista de e-mail para receber regularmente materiais como este. Fazendo seu cadastro você também pode receber mais informações sobre nossos cursos, que oferecem informações atualizadas e metodologias adaptadas aos participantes.
Temos cursos regulares, já consagrados, dos quais já participaram mais de 800 profissionais das IES. Também modelamos cursos in company sobre temas gerais relacionados ao Direito da Educação Superior, ou mais específicos. Conheça nossas opções e participe de nossos eventos.
Comments