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Ana Luiza Santos e Edgar Jacobs

STF suspende efeitos de lei que proíbe linguagem neutra em escolas de município mineiro

O Supremo Tribunal Federal suspendeu os efeitos de uma lei da cidade de Ibirité, Minas Gerais, que proibiu o ensino de “linguagem neutra ou dialeto não binário” nas escolas públicas e privadas, bem como o seu uso por agentes públicos da cidade.


A decisão foi proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1155, apresentada pela Aliança Nacional LGBTI+ (ALIANÇA) e pela Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH). As duas entidades sustentaram, dentre outros argumentos, que a lei municipal impõe censura e compromete a liberdade de expressão e o direito fundamental de ensinar e de aprender.


Os dispositivos impugnados foram os seguintes:


Lei municipal 2.342/2022, de Ibirité/MG


Art. 1º Fica garantido aos integrantes da comunidade escolar das instituições públicas e privadas de competência do município de Ibirité o direito ao aprendizado e vivência da língua portuguesa de acordo com a norma culta de ensino estabelecida com base no Vocabulário da Língua Portuguesa (VOLP) e no Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa, de 16 de dezembro de 1990, ratificado pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Art. 2º Ficam terminantemente proibidos às instituições formais públicas e privadas de ensino, aplicação e o ensino, ainda que eventual, da denominada 'LINGUAGEM NEUTRA' ou "DIALETO NÃO BINÁRIO" ou de qualquer outra que descaracterize a norma culta da Língua Portuguesa na matriz curricular, material didático, atividades e exercícios escolares avaliativos ou não, impressos ou digitais, em reuniões escolares, plantões pedagógicos, simpósios, congressos, seminários, palestras, workshops, oficinas, encontros para formação continuada de professores e demais categorias profissionais, em todas as possíveis atividades pedagógicas, culturais, desportivas, assistenciais, filantrópicas, publicitárias, permanentes ou transitórias, presenciais ou à distância, bem como em editais de concursos públicos e seleções simplificadas e seus respectivos programas e avaliações, convocações, instruções normativas, circulares, notas técnicas e documentos oficiais, no âmbito deste Município.
Parágrafo Único - Para efeito desta Lei, entende-se por "LINGUAGEM NEUTRA" a modificação da partícula e/ou do conjunto de padrões linguísticos determinantes do gênero das palavras na Língua Portuguesa, seja na modalidade escrita ou falada. Modificação essa que vise anular e/ou a indeterminar na linguagem o masculino elou feminino.
Art. 3º É vedado à administração pública municipal de Ibirité o uso e a promoção da "LINGUAGEM NEUTRA" dentro e fora dos limites do município, bem como a contribuição direta ou indireta para sua difusão por meio da disponibilização de recursos humanos, financeiros e materiais.
A violação da norma ainda pode acarretar sanções administrativas para os agentes públicos, sem prejuízo de eventuais responsabilizações civis e penais.

A decisão cautelar do relator


O relator, ministro Alexandre de Moraes, começa sua decisão cautelar lembrando que a premissa fundamental do Estado Constitucional é a existência de complementaridade entre Democracia e Estado de Direito. Enquanto a Democracia existe  no governo da maioria, baseado na soberania popular, o Estado de Direito consagra a supremacia das normas constitucionais, editadas pelo poder constituinte originário, o respeito aos direitos fundamentais e o controle jurisdicional do Poder Estatal, não só para proteção da maioria, mas também, e basicamente, dos direitos da minoria.


E o fundamento básico da legitimidade material de atuação do STF está na necessidade de consagração e efetivação de um rol de princípios constitucionais e direitos fundamentais tendentes a limitar e controlar os abusos de poder do próprio Estado, por ação ou omissão, e a consagração dos direitos e liberdades fundamentais e dos princípios básicos da igualdade e da legalidade, que regem o Estado contemporâneo.


Nos Estados onde o respeito à efetividade dos direitos humanos fundamentais não for prioridade, não há verdadeira Democracia, como ensinado por Norberto Bobbio e citado na própria decisão.


O fato é que não podem existir discriminações entre grupos majoritários e minoritários. A regra da maioria só é legítima se na prática esta maioria respeita os direitos da minoria.


Logo em seguida em sua decisão, o ministro relator demonstra que, para o caso, a Constituição Federal atribuiu à União competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional e que conferiu também à União a competência para estabelecer normas gerais sobre educação e ensino, reservando aos Estados e ao Distrito Federal um espaço de competência suplementar.


Esta competência suplementar seria aquela que confere ao município, nos dizeres de José Afonso da Silva,  “poder de formular normas que desdobrem o conteúdo de princípios ou normas gerais ou que supram a ausência ou omissão destas“. Aos Municípios, portanto, há apenas a possibilidade de suplementar a legislação federal e a estadual, no que couber, e em conformidade com seu interesse local.


Desta maneira, a repartição de competências especificadas na constituição determina à União a edição de legislação sobre as diretrizes e bases da educação nacional, além de relacionar a educação e o ensino como temas de competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal.


E, neste exercício, a União já editou a Lei 9.394/1996, fixando as  diretrizes e bases da educação nacional, entre as quais podemos ressaltar a promoção do pleno desenvolvimento do educando, cujo preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho impõem a observância dos princípios da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e da promoção humanística, científica e tecnológica do País.


Ou seja, para o ministro relator, “os Municípios não dispõem de competência legislativa para a edição de normas que tratem de currículos, conteúdos programáticos, metodologias de ensino ou modos de exercício da atividade docente”.


Caso ocorra necessidade de suplementação da legislação federal para regulamentar interesse local, não cabe a edição de norma que proíba conteúdo pedagógico, não correspondente às diretrizes fixadas na Lei 9.394/1996.


A conclusão é a de que a proibição de divulgação de conteúdos na atividade de ensino em estabelecimentos educacionais, como foi feito pelo município de Ibirité/MG, implicou em ingerência explícita do Poder Legislativo municipal no currículo pedagógico ministrado por instituições de ensino vinculadas ao Sistema Nacional de Educação e, consequentemente, submetidas à disciplina da LDB.


Além de disciplinar matéria que, em razão da necessidade de tratamento uniforme em todo o país, é de competência privativa da União, a lei 2.342/2022 excedeu do raio de competência suplementar reconhecida aos municípios ao contrariar o sentido expresso nas diretrizes e bases da educação nacional estatuídos pela União.


O relator citou decisões afins da própria côrte, como a ADPF 457; a ADPF 526; a ADPF 460; , a ADPF 467; e a ADPF 461 e deferiu a cautelar.


Agora, após os trâmites de praxe,  haverá a manifestação definitiva sobre a controvérsia, que entendemos irá confirmar a medida. Acompanhe nossas publicações e se mantenha informado.


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