Foi publicada, no dia 09 de abril de 2024, a Resolução 245/2024, do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes – Conanda. A normativa confere ao Poder Público, sociedade, empresas e às famílias a responsabilidade pela garantia e efetivação dos direitos de crianças e adolescentes em ambiente digital.
A norma, que é direcionada aos menores de 18 anos, especifica que as empresas provedoras dos serviços digitais criem medidas para combater a exclusão digital, inferiorização e discriminação ilegal ou abusiva, direta ou indireta. Também prevê como dever do Poder Público e da sociedade zelar pela liberdade de expressão e direitos de buscar, receber e difundir informação “segura, confiável e íntegra”.
Os beneficiários da resolução devem ter acesso às tecnologias da informação e comunicação (TICs), como redes, conteúdos, serviços e aplicativos digitais disponíveis na internet; dispositivos e ambientes conectados; realidade virtual e aumentada; inteligência artificial; robótica; sistemas automatizados, biometria, sistemas algorítmicos e análise de dados.
E, neste contexto, devem-lhes ser garantida a proteção contra toda forma de negligência, discriminação, violência, crueldade, opressão e exploração, inclusive contra a exploração comercial.
Violação dos direitos das crianças e dos adolescentes
São consideradas violações dos direitos das crianças e dos adolescentes a exposição a conteúdo ou contratos que representem risco a essa população. A norma os especifica:
conteúdos violentos e sexuais;
cyber agressão ou cyberbullying;
discurso de ódio;
assédio;
produtos que causem dependência;
jogos de azar;
exploração e abuso sexual e comercial;
incitação ao suicídio e à automutilação; e
publicidade ilegal ou a atividades que estimulem e exponham a risco da vida ou da integridade física.
Um ponto interessante da resolução é o que inclui a participação ativa do público infantojuvenil no desenvolvimento de políticas, programas, serviços e atividades formativas sobre os ambientes digitais, levando-se em conta suas necessidades e grau de autonomia e desenvolvimento progressivo de suas capacidades.
Art. 7o As crianças e adolescentes devem participar ativamente do desenvolvimento de políticas, programas, serviços e atividades formativas sobre os ambientes digitais, levando-se em conta suas necessidades e grau de autonomia e desenvolvimento progressivo de suas capacidades. ( Resolução 245/2024)
Política Nacional de Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente no Ambiente Digital
A política nacional de proteção dos direitos da criança e do adolescente no ambiente digital será desenvolvida e coordenada pela Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e pelo CONANDA, observadas as competências de cada ente, em até 90 dias da publicação da Resolução.
A política compreenderá ações conjuntas, integradas e multissetoriais para enfrentamento e erradicação de todos os tipos de violência, abuso e exploração no ambiente digital do público infantil e jovem, promoção do uso equilibrado e positivo de equipamentos digitais, manutenção e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, inclusão digital, cultura de proteção de dados, educação midiática e difusão de informação sobre direitos e o uso seguro da internet para crianças e adolescentes, familiares, cuidadores e integrantes do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente.
Dever de Cuidado e responsabilidade
O diferencial da Resolução 245/2024 é o foco no ambiente digital na abordagem dos direitos das crianças e dos adolescentes e, por agora, compartilha-se a responsabilidade pela segurança do público infantojuvenil com as empresas provedoras de produtos e serviços digitais.
Responsabilidade que recaía apenas para o Poder Público, famílias e sociedade.
Com a nova norma, percebe-se também a preocupação com a segurança da criança e do adolescente no ambiente de conexão – ambiente que precisa estar adequado para a capacidade cognitiva do público alvo, desde a concepção do projeto.
As empresas provedoras devem ser responsáveis por identificar, medir, avaliar e mitigar riscos reais ou previsíveis da tecnologia disponibilizada, atentando para os feitos perniciosos dos algoritmos nas redes sociais, nos jogos, nos aplicativos e demais ambientes, especialmente aqueles relacionados a:
saúde mental, como a adicção (tempo excessivo de telas);
violação do direito à convivência familiar e comunitária;
difusão de conteúdos nocivos, danosos e ilegais;
discriminação direta ou indireta em decorrência de sistemas algorítmicos ou do uso de dados pessoais sensíveis;
inobservância dos direitos fundamentais previstos na CF e demais leis;
exposição da imagem forma excessiva ou em contexto vexatório;
propagação de conteúdos de abuso e exploração sexual;
propagação de conteúdos que induzam, instiguem ou auxiliem a automutilação ou suicídio; e
discurso de ódio, incitação à prática de crimes ou apologia a fato criminoso ou a autor de crimes contra o público infantojuvenil.
Mecanismos de mediação parental
Ainda dentro do capítulo das responsabilidades, consta no art. 20 que as empresas provedoras de ambientes e serviços digitais devem disponibilizar mecanismos de mediação parental e recomendar ativamente o seu uso pelos responsáveis legais como forma de promoção do uso seguro e saudável de seus serviços no ambiente digital.
De fato, encorajar a mediação parental é uma ótima orientação para que pais e mães possam entender um pouco mais sobre o mundo digital e, ao mesmo tempo, auxiliar nas orientações sobre cuidados com estranhos, proteção de informações pessoais, cuidado com a própria reputação e privacidade, além de princípios de cidadania.
Este tópico da mediação parental não depende exatamente de um conhecimento técnico em informática ou de outro conhecimento muito especializado, já que se trata de educação no sentido mais amplo. Ainda mais se as empresas provedoras de ambientes e serviços digitais disponibilizarem maneiras facilitadas de inseri-la no dia-a-dia.
E é aí que entra o papel da comunidade escolar e a determinação contida na Resolução. A normativa determina que os mecanismos de mediação parental, denúncia de violações e outras formas de justiça, proteção e segurança no ambiente digital devam ser continuamente aprimorados com base em evidências e disponibilizados de forma ampla, acessível, gratuita e proativa para crianças e adolescentes, famílias, comunidade escolar, poder público e demais responsáveis.
Toda a comunidade escolar deve aprender sobre mecanismos de mediação parental, denúncia de violações, proteção e segurança no ambiente digital e os gestores escolares, em específico, podem fazer um bom trabalho.
Os atores que fazem parte deste agrupamento vão além de professores e alunos. Ela envolve todos os profissionais que trabalham na escola, além das pessoas que fazem parte do processo educacional de alguma forma. Ou seja, engloba coordenadores, diretores, monitores, bibliotecários, secretários e os os responsáveis diretos pelos alunos.
No caso do tópico “mediação parental no ambiente digital” ainda há um grande desconhecimento por parte das pessoas que compõe a comunidade escolar. É, de fato, um tema relativamente novo, que carece de ser discutido pelos gestores e abordado em campanhas pró conscientização.
E a própria Resolução prevê que profissionais que trabalham direta ou indiretamente para ou com crianças, incluindo na indústria de tecnologia, devem receber treinamento sobre o impacto do ambiente digital nos direitos da criança e do adolescente, o exercício e a proteção dos direitos desse público, e a identificação de riscos de violação e vitimização de crianças e adolescentes no ambiente digital.
Ou seja, caberá aos gestores escolares prover treinamento para seus funcionários a respeito do tema. Em relação aos pais e/ou responsáveis, será um diferencial da escola que puder compartilhar estes conhecimentos, promovendo campanhas e ações de sensibilização sobre os direitos e riscos a crianças e adolescentes no ambiente digital.
Lembrando que são as empresas provedoras que devem continuamente aprimorar os mecanismos de mediação parental, denúncia de violações e outras formas de justiça - com base em evidências - e disponibiliza-los de forma ampla, acessível, gratuita e proativa para crianças e adolescentes, famílias, a comunidade escolar, o poder público e os demais responsáveis.
LGPD e denúncias de violações de direitos
A Resolução 245/24 impõe o consentimento dos pais ou responsáveis para o tratamento de dados de crianças e adolescentes, sempre que essa for a base legal, mas não impõe sanções ao descumprimento. Ela apenas estabelece que as empresas imponham sanções administrativas aos usuários que descumprirem as determinações legais.
Conforme o texto legal, por fim, empresas que atuam no ambiente digital devem encaminhar denúncias de violação dos direitos à Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, por meio do Disque 100 e também às autoridades do Sistema de Garantia de Direitos, em especial aos Conselhos Tutelares, ao Ministério Público, Defensoria Pública, órgãos de defesa do consumidor, e às autoridades policiais, preferencialmente delegacias especializadas em crimes virtuais e na proteção dos direitos de crianças e adolescentes.
O não encaminhamento das denúncias (retardamento ou omissão, culposos ou dolosos) responsabiliza os envolvidos de acordo com as penalidades previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
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