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As decisões judiciais, sobre os cursos de medicina e o Twitter.

O antigo Twitter, agora chamado de “X”, criou o que para algumas pessoas é uma crise sem precedentes em relação ao Poder Judiciário, mas em alguns aspectos este é um caso tristemente comum de descumprimento de ordem judicial, corriqueiro até para a própria União

No caso dos cursos de medicina, por exemplo, existem dezenas de ordens judiciais reiteradamente descumpridas ou acolhidas com demora desde 2020. Muitas Instituições de Ensino foram e continuam sendo prejudicadas por este comportamento. Potenciais cursos se perderam para sempre porque o MEC se negou a fazer sua parte: a gestão do sistema eletrônico e a avaliação de qualidade dos cursos.

Na tentativa de fazer cumprir as decisões, os Juízes tentaram impor multas elevadas, tal como ocorre no caso do “X”, mas a aparente diferença é que quem deverá pagar essas multas é a União, que não tem a mesma postura de um empresário defendendo seu negócio. Isso é ótimo, por ser certo que a postura do Twitter deixou seus empregados expostos aqui. Mas o excesso de leniência é estranho. Será que o TCU ou a CGU não se questionam por que tantas penalidades pecuniárias em casos tão similares? A pergunta é retórica, pois não parece existir atuação preventiva em situações assim e o que se vê é a AGU repetindo o discurso em favor da burocracia, mesmo com as multas estipuladas.

Vale dizer ainda, que o peso das decisões também é parecido. Existem casos em que as multas aplicadas nos processos das medicinas já ultrapassaram a marca de um milhão de reais. Em outros, Juízes sugeriram o envio do processo ao MPF para apurar possíveis delitos por parte dos servidores responsáveis pelo descumprimento.

Além disso, como medida coercitiva, foram impostos vestibulares antecipados, provavelmente porque os Juízes já haviam desistido de tentar fazer o MEC agir. Nesses casos, até mesmo o STF validou os julgados, afirmando, por exemplo, que “…os elementos dos autos apontam quadro de sistemática e renitente mora do ente central na apreciação do pedido formulado pela instituição beneficiária, mesmo após a prolação de sucessivas decisões cautelares — a primeira remonta a 2022 — a determinarem a análise do requerimento. Lembro que o ordenamento pátrio autoriza, em situações como tais, a adoção de medidas sub-rogatórias para alcançar, mesmo sem a colaboração do demandado, o cumprimento de ordens judiciais (CPC, art. 139, IV).[1].

Há outra similaridade entre os descumprimentos. Tanto o caso no caso do Twitter quanto da medicina está em risco a confiança social, de diversas formas. O STF esclarece que luta contra perfis de notícias falsas, que minam a confiança nas instituições. As decisões de medicina também defendem a confiança no Judiciário, pois os litigantes nesses casos não podem aceitar que um Ministério está acima da Lei, que somos obrigados a seguir as ordens dos magistrados, mas a União, não.

Mas há um efeito ainda mais perverso. O MEC reiteradamente alega que deseja “reordenar a oferta de cursos”, mas faz isso retirando toda credibilidade de suas próprias avaliações. Um dia ninguém mais confiará nos cursos existentes, todos avaliados pelo Órgão, porque os parâmetros mudam e o discurso é sempre o mesmo “as Instituições privadas são mercantilistas e os cursos são ruins”. Com esse discurso contribuiu também o CFM. Ambos, às vezes, tentam fazer ressalvas, mas a economia comportamental já demonstrou que não somos bons em perceber as exceções e que somos mais avessos a riscos do que aos possíveis benefícios.

Como explica Dan Ariely, economista comportamental que se notabilizou tanto por seu trabalho quanto por ser mencionado em fake news: “Infelizmente, só percebemos a verdadeira importância da confiança depois que ela é perdida”[2]. A frase é retirada de um livro sobre desinformação, mas pode muito bem ser aplicada a qualquer conduta de que descredibiliza ordens judiciais.

Noutro sentido, se existem semelhanças há também diferenças. No caso do “X” quem descumpre a ordem é uma empresa privada, representada por um Bilionário que adora expor suas brigas com poderosas figuras da política. No caso dele, os interesses são nitidamente econômicos — polêmica e desinformação geram dinheiro. Porém, o argumento é constitucional: liberdade de expressão. E dessa discussão cada um que tire suas conclusões.

No caso das medicinas, apesar de boatos no sentido de que o MEC diz que não cumprirá decisões contra suas barreiras regulatórias, nada é explícito. Não há sequer o balbucio de um princípio constitucional, só as alegações judiciais sobre a burocracia e a suposta falta qualidade dos cursos de medicina que, paradoxalmente, o próprio Órgão avaliou com notas de excelência.

A resistência de Elon Musk ao cumprir ordens judiciais seria pior que a da União? Provavelmente não. Só há mais estardalhaço em razão da visibilidade gerada. Até porque, do outro lado há um Juiz empoderado, que ganhou mais notoriedade que os colegas que aplicam multas e medidas coercitivas contra o MEC.

Polêmicas sobre os personagens à parte, seria interessante imaginar se os Juízes que lutam contra os descumprimentos e chicanas no caso da medicina chegassem a esse extremo. Talvez, se pudessem, suspenderiam as atividades do MEC ou de alguns setores dele. Talvez, tomassem medidas mais enérgicas contra as pessoas, pois o Estado deve ser exemplo de confiança. Nas duas hipóteses, haveria a vantagem de que o Órgão não teria como se eximir, pois não pode fechar sua sede no Brasil. Com o perdão da ironia neste último trecho, vale dizer é estranho observar comportamentos assim similares de entes tão diferentes e triste comparar a conduta de uma empresa que monetiza a polêmica com um Órgão Público cujo funcionamento é essencial para o país.


[1] STF, Rcl 66.439, p.7.

[2] ARIELY, Dan. Desinformação. Rio de Janeiro: Sextante, 2024.




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