A Lei 10.327/2024, do estado do Rio de Janeiro, modificou o artigo 1°, parágrafo único, inciso VI, da também Lei estadual 7.077/2015, que passou a exigir que os prestadores de serviço privado de educação em todos os níveis, incluindo cursos extracurriculares, como academias de ginástica, ofereçam aos consumidores que já tenham contratos em atividade as mesmas condições previstas para a adesão de novos planos e pacotes promocionais.
Em vista disto, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – CONFENEN, propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, já deferida, cujo objeto é parte da Lei 10.327/2024, mais especificamente os trechos baixo:
“Art. 1º - Modifique-se o art. 1º da Lei nº 7.077, de 9 de outubro de 2015, que passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 1º - Ficam todos os fornecedores de serviços prestados de forma contínua, no território do Estado do Rio de Janeiro, obrigados a oferecerem, aos consumidores que possuam contratos em atividade, as mesmas condições previstas para a adesão de novos planos e pacotes promocionais.
Art. 2º - Acrescente-se o Parágrafo único ao art. 1º da Lei nº 7.077, de 9 de outubro de 2015, com a seguinte redação:
“Parágrafo único. Para os efeitos desta lei, enquadram-se na classificação de prestadores de serviços contínuos, dentre outros:
...
VI - os prestadores de serviço privado de educação em todos os níveis, incluindo cursos extracurriculares voltados diretamente ao desenvolvimento físico, mental, cultural, artístico ou intelectual do consumidor, tais como academias de ginástica, musculação, lutas ou artes marciais, danças em geral e qualquer prática desportiva, bem como os caráter oneroso e contínuo;”
As razões da CONFENE são, em resumo, que:
Ao estabelecer a obrigatoriedade de os fornecedores de serviços de educação privadas oferecerem aos consumidores que possuam contratos em atividade as mesmas condições previstas para a adesão de novos planos e pacotes promocionais, o art. 1º, parágrafo único, VI, da Lei 7.077/2015, na redação dada pela norma objeto da ação, ocorreria uma usurpação da competência privativa da União para legislar sobre direito civil e sobre diretrizes e bases da educação (CF, art. 22, I e XXIV).
Outra argumentação é a de que a lei atentaria contra a ordem econômica e financeira, especificamente contra os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência (CF, art. 170, IV e parágrafo único), pois, mesmo que submetidas às limitações constitucionais, as instituições de ensino não são impedidas de estabelecer relações contratuais livres com os interessados em seus serviços de educação, desde que respeitem as regras do direito civil e a legislação educacional.
Ainda, que o art. 207 da Constituição Federal prevê “a autonomia de gestão administrativa, financeira e patrimonial das universidades, não sendo […] compatível com tal autonomia qualquer norma que venha interferir na contraprestação dos serviços educacionais”.
Finalmente, que legislações assemelhadas de outros estados também foram objeto de ação direta de inconstitucionalidade e foram declaradas inconstitucionais, destacando o julgamento da ADI 6614, de relatoria da Min. Rosa Weber.
Leia:
A decisão cautelar
O relator da ação, ministro Alexandre de Moraes, entendeu existir comprovação de perigo de lesão irreparável na manutenção da eficácia da Lei 10.327/2024, motivo pelo qual concedeu a medida cautelar.
Pois bem, no entender do ministro, a lei carioca previu disposições de natureza essencialmente consumerista que são conflitantes com o regime aplicável aos preços dos serviços prestados por instituições de ensino privado em âmbito nacional, disciplinado pela Lei Federal 9.870/1999, que, dentre outros comandos, dispõe sobre o valor total das anuidades escolares.
Nesta legislação federal a previsão é a de que o valor das anuidades ou das semestralidades escolares do ensino pré-escolar, fundamental, médio e superior, será contratado no ato da matrícula ou da sua renovação, entre o estabelecimento de ensino e o aluno, o pai do aluno ou o responsável.
O valor anual ou semestral deverá ter como base a última parcela da anuidade ou da semestralidade legalmente fixada no ano anterior, multiplicada pelo número de parcelas do período letivo. Ainda, poderá ser acrescido ao valor total anual o montante proporcional à variação de custos a título de pessoal e de custeio, comprovado mediante apresentação de planilha de custo, mesmo quando esta variação resulte da introdução de aprimoramentos no processo didático pedagógico.
O valor total, anual ou semestral, terá vigência por um ano e será dividido em doze ou seis parcelas mensais iguais, facultada a apresentação de planos de pagamento alternativos, desde que não excedam ao valor total anual ou semestral apurado.
A lei 9.870/99 também prevê que será nula, não produzindo qualquer efeito, cláusula contratual de revisão ou reajustamento do valor das parcelas da anuidade ou semestralidade escolar em prazo inferior a um ano a contar da data de sua fixação, salvo quando expressamente prevista em lei e será nula cláusula contratual que obrigue o contratante ao pagamento adicional ou ao fornecimento de qualquer material escolar de uso coletivo dos estudantes ou da instituição, necessário à prestação dos serviços educacionais contratados, devendo os custos correspondentes ser sempre considerados nos cálculos do valor das anuidades ou das semestralidades escolares.
O fato é que a Lei 9.870/1999 já estabelece as normas gerais para a definição de mensalidades escolares em todo o país e já autoriza as instituições de ensino privado a forma como devem fixar os valores distintos para estudantes de diferentes anos ou semestres, proporcionais “à variação de custos a título de pessoal e de custeio”, devendo comprovar a justa causa dessas variantes e de novos reajustes, que podem ocorrer no ato da matrícula ou da sua renovação.
É um contexto autorizado de mudanças de valores, pois as fornecedoras de serviços educacionais podem ter gastos diferentes com as turmas de cada período letivo. Podem existir diferenças no número de alunos, nas disciplinas e no material exigido nos diferentes momentos do curso. Há, também, e isto foi considerado na decisão cautelar, condicionantes que justificam preços contratuais diferentes, como mudanças no processo didático-pedagógico, nas contas de luz, água, impostos, salário de professores, funcionários, reformas e outras eventuais despesas estipuladas para aquele ano ou semestre.
Também é bom lembrar que a lei federal confere faculdade à instituição de ensino privado de apresentar planos de pagamento alternativos, desde que não excedam ao valor total anual ou semestral apurado na forma da norma, possibilitando a oferta de benefícios e vantagens de pagamentos aos alunos, de acordo com as especificidades dos períodos letivos e dos próprios alunos.
Então, se os contratos e valores dos serviços educacionais já são definidos – por lei federal - semestral ou anualmente, com base em critérios específicos e próprios de cada curso e período letivo em que matriculado o estudante, não há razão plausível que justifique que uma eventual promoção ou desconto financeiro concedido seja obrigatoriamente estendido a todos os alunos, inclusive aos que já estavam matriculados.
Lembrando que os custos com pessoal e demais despesas não serão os mesmos e que a instituição de ensino também pode ofertar benefícios a determinados estudantes com base em sua condição social.
Sendo assim, o ministro Relator não vê sentido que um desconto de mensalidade conferido espontaneamente pela escola ou universidade a um certo aluno que passa, por exemplo, por dificuldade financeira em virtude de situação excepcional alcance todos os estudantes com realidades financeiras diversas, ou que uma bolsa de estudos conquistada por um aluno de destaque seja estendida a todos os outros estudantes.
Da mesma maneira, não se pode obrigar que a instituição de ensino aplique o mesmo desconto fornecido a um calouro de determinado curso também a outro estudante universitário, de outro ano e/ou curso acadêmico, considerados os diversos custos assumidos para a prestação de serviços em cada caso.
Enfim, a decisão cautelar respeita a legislação federal de referência e explicita a extrapolação da competência estadual concorrente para legislar sobre a matéria.
Ela ainda será, como de praxe, submetida a referendo do Plenário. Como existem precedentes no STF, sobre os quais já escrevemos, inclusive, entendemos que a suspensão da eficácia da Lei 10.327/2024 será chancelada.
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