Há decisões recentes do STF em que foram analisadas Reclamações* do MEC contra vestibulares de medicina autorizados por medidas coercitivas. Tais medidas judiciais envolvem decisões de primeira e segunda instâncias que apontaram a demora injustificada do MEC na análise de pedidos de autorização de cursos protocolados a partir de ordens judiciais.
Os atrasos incluíram a criação de normas desnecessárias, o cancelamento de visitas de avaliação já agendadas e as paralisações dos processos administrativos, tanto antes quanto depois das decisões na Ação Declaratória de Constitucionalidade n.º 81. Consequentemente, juízes autorizaram processos seletivos antes da conclusão dos prolongados procedimentos administrativos.
A lógica dos magistrados era clara: ao perceberem que o MEC resistia ilegalmente à abertura de novos cursos de medicina, deram permissão para as Instituições de Ensino realizarem vestibulares e imaginaram que o risco da abertura provisória dos cursos obrigaria o Ministério a acelerar suas decisões. Em alguns casos, essa tática funcionou, mas, em outros, os vestibulares ocorreram e os alunos foram matriculados sem que o MEC concluísse os processos regulatórios. Pode-se resumir essa situação como um ato de desrespeito e negligência da União diante de decisões judiciais coerentes.
Essas decisões judiciais foram provisórias e trataram do último ato nos processos administrativos, que é o julgamento dos pedidos de autorização, seja para deferir ou indeferir, seguido da publicação das respectivas portarias. Contudo, o Ministério preferiu prolongar o embate jurídico.
Na sexta-feira, 4 de outubro de 2024, uma das reclamações que discutem este tema recebeu um voto do Ministro Gilmar Mendes, redigido com o habitual brilhantismo, mas preso aos argumentos de defesa da União, que alegava não haver demora injustificada.
O voto relata de forma detalhada os acontecimentos, sem poupar críticas ao Poder Público. Mendes destaca que a moratória a partir de 2018 foi uma "efetiva negação da política pública inaugurada pela Lei 12.871/2013" e que isto contribuiu para que as instituições de ensino interessadas na oferta de novas vagas em cursos de Medicina recorressem ao Judiciário para exigir o processamento dos pedidos, apesar da ausência de novos chamamentos públicos. Entretanto, o voto não constatou que a negação da política pública dos chamamentos demonstra a verdadeira postura da União em relação aos cursos de medicina: barrá-los a todo custo.
No caso específico analisado, o curso teve seu projeto apresentado em 2022, com início da análise ainda naquele ano. A avaliação documental ocorreu em junho de 2022, seguida de visita in loco em julho de 2023 e análise do Conselho Nacional de Saúde, ainda em julho de 2023. Na fase final, o processo foi travado e continuou assim, mesmo após a decisão cautelar na ADC 81. Trata-se, portanto, de um bom exemplo da política negativa da União por meio do MEC.
Somente após esse longo percurso e diante da inércia da União, o Judiciário foi provocado a autorizar o vestibular. Quando essa medida coercitiva foi tomada, restava apenas a decisão final do processo administrativo e a publicação da portaria de deferimento ou indeferimento. No entanto, o voto do Ministro Gilmar Mendes pautou-se nas informações imprecisas da União e afirmou:
“Rememoro que a análise de viabilidade para abertura de vagas em cursos de medicina pressupõe inúmeras diligências técnicas, incluindo avaliações in loco e a manifestação de diversos órgãos, não sendo factível concluir esses procedimentos em 48 horas ou 5 dias, sob pena de reconhecimento automático do direito.”
Esta argumentação revela uma falha no entendimento da situação, já que os prazos de 48 horas e 5 dias não foram impostos para a realização de todos os atos mencionados na citação, mas apenas para o julgamento final. Como exposto acima, quando o STF proferiu a primeira decisão cautelar na ADC 81, as etapas já haviam sido cumpridas, e a exigência de conclusão rápida era, sim, factível muitos meses antes da abertura do vestibular.
Além disso, vale ressaltar mais uma vez que o MEC chegou a cancelar visitas marcadas e perdeu meses para criar normas sem sentido, criando desnecessariamente muito mais burocracia interna. E mesmo após sua última norma ilegal, em dezembro de 2023, um longo período de omissão ficou configurado.
O voto do Ministro Nunes Marques, primeiro na reclamação constitucional, analisou com profundidade os fatos e reconheceu a “sistemática e renitente mora” do MEC. Observou ainda que o atraso ocorreu após a conclusão das fases preliminares e que a inércia já perdurava por quase seis meses. Este voto deixa em aberto a discussão sobre a demora e a legalidade dos vestibulares como medidas coercitivas.
Aprovação Tácita
Além da demora do MEC, o ponto central do voto recente do Ministro Gilmar Mendes foi a discussão sobre a aprovação tácita de pedidos administrativos. Ele destacou o erro na presunção de relevância e necessidade social da oferta de curso de medicina que constatou na decisão do TRF1. Por isso, apontou como o principal problema da decisão reclamada a possibilidade de reconhecimento do direito administrativo da instituição pelo Poder Judiciário.
Essa do TRF1, embora rigorosa, aplica o disposto no Art. 3º, IX, da Lei 13.874/2019, que prevê a aprovação tácita** em casos de silêncio prolongado da Administração Pública. O MEC, inclusive, havia editado normas para regulamentar essa regra, como a Portaria 279/2020, que previa a aprovação tácita na ausência de manifestação conclusiva após o prazo estabelecido. Contudo, essas normas foram revogadas em 2022, evidenciando a preferência do Ministério por atrasos sem consequências jurídicas.
Quando os fatos forem mais bem esclarecidos, o STF provavelmente se surpreenderá ao constatar que os reguladores permitiram que os processos chegassem a esse ponto, ignorando as ordens judiciais para dar seguimento aos procedimentos. Neste momento, poderá haver uma reflexão mais aprofundada a respeito da vantagem e da legalidade da aprovação tácita dos cursos superiores.
Perspectivas Futuras
Embora o voto de Gilmar Mendes reflita os argumentos da União, ele ainda pode ser revisto. O próprio Ministro já demonstrou abertura para ajustar seu entendimento, como ocorreu na primeira cautelar da ADC 81, em que corrigiu equívocos sobre o procedimento – inicialmente a decisão tratava apenas de credenciamento institucional, mas depois foi ajustada para tratar também de autorização de cursos.
Além disso, o julgamento ainda não terminou. Apesar do Min. Fachin ter acompanhado o posicionamento do Min. Gilmar Mendes, ainda faltam dois votos.
Este julgamento oferece ao STF a oportunidade de começar a refletir sobre os prazos que o MEC tem estendido ao limite e sobre as consequências cabíveis. Enquanto isto, o curso que deu origem à reclamação constitucional já foi decidido na via administrativa, mas novos desdobramentos legais certamente surgirão. Eles virão, inclusive, para garantir o direito e as expectativas dos estudantes e da comunidade local, como ocorreu na ADC 81.
* As Reclamações, ou Reclamações Constitucionais (Rcl) são processos judiciais que discutem a aplicação das decisões do STF, dentre outros assuntos.
** Segundo a Lei 13.874/2019: Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal: [...] IX - ter a garantia de que, nas solicitações de atos públicos de liberação da atividade econômica que se sujeitam ao disposto nesta Lei, apresentados todos os elementos necessários à instrução do processo, o particular será cientificado expressa e imediatamente do prazo máximo estipulado para a análise de seu pedido e de que, transcorrido o prazo fixado, o silêncio da autoridade competente importará aprovação tácita para todos os efeitos, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei.
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