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Ana Luiza Santos e Edgar Jacobs

O aluno pode ingressar em uma IES antes de concluir o ensino médio?

O ingresso em instituição de ensino superior exige o certificado de conclusão do ensino médio e classificação em processo seletivo. Isso é o que prevê o inciso II do artigo 44 da Lei 9.394/96 (LDB). O documento que autoriza a matrícula do estudante é a chamada Declaração de Conclusão do Ensino Médio, que deve, por força de lei ser realizada antes da efetivação da matrícula. Essa declaração pode ser feita por meio de outra instituição, usualmente chamada de “supletivo”, que deve ser devidamente reconhecida pelo Ministério da Educação.


Não é de hoje, contudo, que a Justiça tem feito exceções à regra da LDB. Há várias decisões judiciais dispondo que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação não está compatível com a Constituição e o Código Civil.


Volta e meia temos notícias de estudantes menores de 18 anos que conseguiram o direito de se matricularem no ensino superior antes de completarem o ensino médio. Certas decisões condicionam a matrícula aos testes finais e, então, determinam que a escola de origem antecipe as provas de conclusão do 2º grau.


Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a idade mínima para emissão do certificado de conclusão de ensino médio é de 18 anos. Mas, segundo alguns julgados, a legislação não está compatível com o Código Civil , que traz a colação de grau em curso superior como uma das formas de cessação da menoridade. "Se a lei permite o menos provável, o mais provável é uma decorrência lógica e razoável", justificam.


A Constituição de 1988 também não restringe a idade. Pelo artigo 208, o acesso aos níveis mais elevados de ensino deve-se dar "segundo a capacidade de cada um".


Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR)


Recentemente, tivemos um caso de instauração de incidente de resolução de demandas repetitivas, cujo objetivo é firmar tese jurídica referente à possibilidade de matrícula de estudante no ensino superior sem concluir o ensino médio, e, caso fosse permitido, a determinação das condicionantes.


Esse incidente ocorreu dentro de um processo judicial (quando do julgamento do agravo de instrumento n. 5172135-72.2021.8.09.0000, que corria na 3ª Turma Julgadora da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás) e ante a efetiva repetição de processos em que se debatia a mesma tese. A preocupação era a de não violar os princípios da isonomia e segurança jurídica em relação aos pronunciamentos do Tribunal.


Pois bem, na oportunidade desse julgamento foram enumerados diversos julgados mostrando que há uma divergência de posicionamentos, garantindo-se o contraditório e a manifestação dos interessados.


Posteriormente, o relator passou a analisar o mérito da questão.


Para ele, a Constituição Federal tratou a educação como prioridade do Estado, regulamentando a matéria em seus artigos 205 a 214. Para fins de regulamentação da questão, foi editada a Lei Federal n. 9.394/96 (LDB) normativa que traz vários comandos sobre a educação nacional, seja fundamental, seja superior, da qual podemos destacar os seguintes preceitos:


“Artigo 1°: A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. (…) § 2°: A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.”
“Artigo 2°: A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
“Artigo 35: O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades: I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.”
“Artigo 44: A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas: (…) II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo;”

Portanto, no entender desse julgador, o ensino médio não pretende, exclusivamente, preparar o estudante para enfrentar uma prova de conhecimento para ingresso em curso superior. Ele busca, igualmente, preparar a pessoa para o trabalho, cidadania, continuar aprendendo, a se adaptar para novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores, e, ainda, aprimorar o educando como pessoa humana, “incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico.”


Ainda, entende que essas disposições devem ser interpretadas à luz do art. 208, V, da CF/88, que prevê que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um. Dessa maneira, a ordem expressa no artigo 44 da LDB deve ser interpretada levando-se em consideração a capacidade do aluno, examinadas individualmente as peculiaridades do caso concreto, de maneira que sua interpretação não se afaste do disposto no texto constitucional, que privilegia a capacidade individual de cada um.


O juiz, neste caso, reforça que as decisões judiciais não estão presas ao texto normativo, podendo receber interpretação diversa, desde que seja para garantir a máxima efetividade da norma constitucional.


Conclusão


A ideia aqui é não conferir força vinculante e absoluta ao disposto no artigo 44, II, da Lei nº 9.394/96, para não privilegiar a forma em detrimento do conteúdo.


No incidente que relatamos o julgador faz um aparte para lembrar que, diante da revolução tecnológica e acessibilidade de informação, os alunos hoje conseguem se desenvolver mais rapidamente, adquirindo conhecimentos necessários à vida acadêmica cada vez mais cedo, não podendo o Poder Judiciário ficar alheio a tamanha evolução.


A decisão, portanto, foi por aceitar que o estudante, após prévia aprovação em processo seletivo e em fase final de conclusão do ensino médio, possa ingressar em curso superior, caso entendido como reunidos os requisitos necessários à plena formação acadêmica.


No caso concreto, inclusive, a antecipação do ingresso em curso superior foi por curto período de tempo, o que – no entendimento da Turma - em nada violaria o espírito da lei, sendo ilegítima qualquer interpretação estritamente formal das disposições da LDB.


Fixação da tese jurídica na Justiça Goiana

“É autorizado o ingresso de aluno em curso de graduação sem a conclusão definitiva do ensino médio, desde que cursando o terceiro ano deste último curso, devendo comprovar, ao final do ano letivo, a conclusão do ensino médio, sob pena de perda da matrícula e, consequentemente, do ano letivo cursado junto à Instituição de Ensino Superior.”


Discussão pelo país


A divergência de entendimento sobre a questão não é exclusividade do Tribunal de Justiça de Goiás; existe oscilação de posicionamento nos diversos Tribunais de Justiça Brasileiros, inexistindo, até o presente momento, uma definição da matéria no âmbito das Cortes Superiores.



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