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Ana Luiza Santos e Edgar Jacobs

O direito à educação no Estatuto da Criança e do Adolescente

Atualizado: 14 de out. de 2020

Antes de focarmos no direito à educação no ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente - sugerimos aos nossos leitores uma visita ao site do Ministério Público do estado do Paraná para visualizar a linha do tempo sobre os direitos de crianças e adolescentes no Brasil.


O material é interessante, começando na época em que havia no país as Rodas dos Rejeitados, nos idos 1726, e a atenção às crianças tinha caráter meramente religioso. A sequência dos acontecimentos nos mostra o quão recentes são as medidas do Estado para controle da assistência dos menores em escala nacional.

Somente em 1941 foi instituído um Serviço de Assistência a Menores (SAM), que atendia aos "menores abandonados" e "desvalidos", encaminhando-os às instituições oficiais existentes. Os "menores delinquentes" eram internos em colônias correcionais e reformatórios.

Em 1979 tivemos um Código de Menores, que trazia um pouco da doutrina da proteção integral presente na concepção futura do ECA, mas somente com a Constituição Federal de 1988 que se estabeleceu como dever da família, da sociedade e do Estado “assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". Foi também aí que o direito à educação foi consagrado pela primeira vez como um direito social.

A Constituição de 88 e seus novos ares permitiu a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990. Marco legal sobre o assunto no país, reuniu reivindicações de movimentos sociais que trabalharam por décadas em defesa da ideia de que crianças e adolescentes também são sujeitos de direitos e merecem acesso à cidadania e proteção.

Isso significa reconhecer que são pessoas em formação de sua personalidade, de sua integridade física e moral e que estes aspectos são fundamentais para o seu desenvolvimento humano. Uma verdadeira mudança de paradigma.

Aspectos gerais do ECA

Para facilitar, o ECA foi dividido em cinco direitos fundamentais:

I - Direito à Vida e à Saúde

II – Direito à Liberdade, Respeito e Dignidade

III – Direito à Convivência Familiar e Comunitária

IV – Direito à Educação, Cultura, Esporte e Lazer

V – Direito à Profissionalização e Proteção no Trabalho.

Os eixos centrais da lei são a sobrevivência, o desenvolvimento pessoal e social, e a integridade física, moral, psicológica e social do menor.

As políticas prioritárias são a saúde, a educação e a proteção especial; e são direitos fundamentais garantidos o direito à vida, à saúde e à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer e à profissionalização.

A convivência familiar e comunitária, a liberdade, a dignidade e o respeito também são direitos garantidos pela lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.

O direito à educação no ECA

A educação, portanto, é uma das políticas prioritárias da lei que, ao contrário dos dizeres populares alardeados pela mídia, não ameaça a autoridade do sistema educacional nem os pais e/ou responsáveis pelas crianças e adolescentes, sendo, na verdade, um contentor das negligências promovidas contra elas e importante ferramenta de trabalho para os profissionais da educação em suas ações pedagógicas. É também um instrumento que garante as políticas públicas necessárias à infância e à juventude em situações de risco e vulnerabilidade social.

Segundo o ECA, “a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”.

A lei assegura:

  • Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

  • Direito de ser respeitado por seus educadores;

  • Direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;

  • Direito de organização e participação em entidades estudantis, e

  • Acesso a escola pública e gratuita próxima de sua residência.

O estatuto também estipula os deveres do Estado para que sejam assegurados os direitos apontados, quais sejam:

  • Garantir ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

  • Assegurar progressivamente a extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;

  • Oferecer atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

  • Oferecer atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;

  • Garantir acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

  • Ofertar ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador;

  • Promover atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

Vale lembrar que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é um direito público subjetivo, o que quer dizer que, caso o Poder Público não o garanta ou não o faça de maneira regular, o cidadão tem a possibilidade de exigi-lo judicialmente.

Todos os poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário - e níveis da federação - União, Estados e Municípios - devem efetivar os direitos e garantias previstos, bem como fiscalizar seu cumprimento, para o quê devem existir órgãos capacitados e competentes para tal.

Temos hoje, por exemplo, Coordenadorias de Educação (escolas municipais), Diretorias Regionais de Ensino (escolas estaduais), Secretarias de Educação (estadual e municipal), Defensoria Pública, Ministério Público, Poder Judiciário, Conselhos Tutelares, e Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente.

Reforçando: prefeituras, governos estaduais e governo federal têm como uma de suas funções principais promover a política social básica da Educação e são obrigados a oferecer e cuidar de uma rede constante de ensino. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação chegou em 1996 para especificar que à União cabe a função de estabelecer uma política nacional de educação, que aos Estados cabe oferecer o ensino fundamental gratuito e priorizar o ensino médio e que aos municípios cabe prover o ensino infantil (creche e pré-escola), priorizando o ensino fundamental.



Medidas protetivas

O ECA determina a possibilidade de aplicação de medidas protetivas sempre que os direitos nele previstos forem ameaçados ou violados. Isso vale tanto para as ameaças aos direitos pelo Estado, pela sociedade ou pela própria família.

Nesse caso a atuação da Defensoria Pública ou do Ministério Público serão essenciais, sem falar nos Conselhos Tutelares, órgãos permanentes e autônomos, não jurisdicionais, encarregados pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos definidos no Estatuto.

Caso os pais, por exemplo, não encontrem vagas nas escolas para os filhos, o Conselho Tutelar pode ser acionado, solicitando ao serviço público o atendimento da demanda. Da mesma maneira, o Conselho pode exigir dos pais a matrícula e a frequência obrigatória em estabelecimento oficial de ensino. Afinal, ainda não há lei que regulamente a educação domiciliar no Brasil, sendo obrigatório o ensino em instituição adequada dos 4 a 17 anos de idade, compreendendo três etapas: a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.

A propósito, o ECA também prevê medidas socioeducativas, direcionadas exclusivamente aos adolescentes que tenham praticado atos infracionais e, ainda que o adolescente esteja cumprindo sanção pela prática de algum ato, seu direito à educação em nada é afetado.

Por fim, vamos lembrar que uma das obrigações impostas aos gestores escolares é comunicar ao Conselho Tutelar, sob pena de cometer infração administrativa, casos de maus-tratos envolvendo seus alunos, reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar e elevados níveis de repetência, após esgotados os recursos escolares de solução pedagógica dos casos específicos.


Essa é uma das grandes questões que envolvem o debate sobre o momento adequado do retorno às aulas presenciais, inclusive, pois enquanto a criança e o adolescente estão dentro de sala de aula encontram-se em apoio psicossocial. Sem escola muitas vezes não têm com quem ficar, se privam da merenda escolar, sofrem mais violência doméstica e gravidez precoce.


Outro eixo de promoção do direito à Educação consolidado pelo ECA é a família, sendo os pais e/ou responsáveis compelidos a matricular as crianças e adolescentes nas instituições de ensino e garantir a permanência deles até o final do período compulsório. Alguns programas públicos de distribuição de renda, inclusive, condicionam o benefício à frequência escolar.

O não cumprimento dessas obrigações também pode acarretar sanções de natureza civil e penal. Na esfera cível, responsabilidade em razão do poder familiar e, na penal, sujeição à infração do art. 2464 do Código Penal, pelo crime de abandono intelectual.

Os 30 anos do ECA e os tempos de pandemia

Trinta anos se passaram desde a promulgação do ECA e não se pode negar que houve enormes avanços na proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes.

O ECA promoveu mudanças culturais, como a forma de ver o trabalho infantil. A partir do estatuto não pôde mais haver trabalho até os 16 anos, salvo em condição de aprendizagem, a partir dos 14 anos. A violência física como instrumento mediador da educação familiar também passou a ser repudiada, existindo, inclusive, outras leis a respeito do tema.

Entre outros avanços está o crescimento dos percentuais de crianças e adolescentes na escola.O Relatório do 3º Ciclo de Monitoramento do Plano Nacional de Educação (PNE) 2020 demonstra que 98,1% da população de 6 a 14 anos frequenta ou já concluiu o ensino fundamental e 73,1% dos adolescentes de 15 a 17 anos frequentam ou já concluíram o ensino médio.

Apesar de a educação brasileira ainda ter que superar o desafio da qualidade, os índices anteriores ao ECA eram muito menores, sem contar a inexistência do Conselho Tutelar, que ampliou a rede de proteção à infância. O antigo Código de Menores – de 1979 - identificava crianças e adolescentes como indivíduos com menos direitos e apenas depois da vigência do Estatuto tivemos órgãos competentes para lidar tanto na prevenção de violação de direitos quanto no enfrentamento dos inúmeros problemas ainda existentes.

Com a pandemia, o ECA ganhou novos e inéditos desafios. Agora a preocupação é o não agravamento da vulnerabilidade social das crianças e adolescentes fora das escolas há mais de 06 meses.

A crise não é de pouca monta: já se percebe queda nos indicadores de aprendizagem dos alunos menos favorecidos e, num segundo momento, é previsto o aumento das desigualdades. Milhares de estudantes não conseguiram continuar os estudos, seja pela escola não poder propiciar o ensino remoto, seja pela inviabilidade de acessar o conteúdo ou pela necessidade de, em plena pandemia, trabalhar para ajudar a família em desespero econômico. O aumento na evasão escolar também é aguardado, já que houve quebra do vínculo aluno/escola.

Em recente relatório, a OCDE afirma que o Brasil, devido ao tratamento dado à pandemia, fez com que os alunos ficassem mais tempo sem aulas presenciais se comparado a várias outras nações. Há a crítica de que outros países, como Portugal, por exemplo, frearam a reabertura de outros serviços para priorizar o retorno às escolas, enquanto nós fizemos o contrário.

Enfim, é importante lembrar que, após os 30 anos de existência, o ECA já foi alvo de mais de 20 leis que modificaram sua redação original e ainda estão em análise na Câmara dos Deputados mais de 300 propostas que pretendem alterar o estatuto. Muitas mudanças vieram para modernizar a norma, mas, em relação a novos projetos, pelo menos um quarto deles tem o interesse de endurecer a punição aos adolescentes infratores.

Fato é que, apesar de uma constante desinformação dentro do próprio país sobre sua adequação e eficiência, o Estatuto da Criança e do Adolescente é visto como referência mundial na defesa dos direitos da infância e da adolescência.

Lei que nasceu com essência democrática, levando em consideração perspectivas de especialistas de diversas áreas; lei que protege a infância e a Educação e que, por consequência, protege a sociedade inteira.




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