O Pacto Educativo Global é um documento produzido em conjunto por mais de 60 entidades da educação que se reuniram em busca de pistas para responder uma questão urgente e dramática: qual projeto e ação educacional o Brasil deve adotar no período pós-pandemia?
A iniciativa é de associações e entidades católicas, mas conta com o trabalho de instituições múltiplas, não religiosas ou de outras matrizes religiosas. O intuito é atingir educadores e pesquisadores da área, além dos jovens e personalidades públicas que ocupem, a nível mundial, lugares de responsabilidade.
O texto reporta inicialmente a Hannah Arendt, que sugere que não nascemos humanos, mas nos tornamos humanos pela educação, demonstrando que nos inserimos na humanidade pelo envolvimento com a experiência coletiva acumulada ao longo do tempo, ou seja, com a memória elástica da humanidade, alimentada pela linguagem, pelas artes plásticas, pela música, pelo teatro e pela escrita.
Assim nos identificamos com experiências de outros humanos; não precisamos, de fato, experimentar o mesmo que todos eles, mas as descobrimos pelo registro em livros, textos ou por tantas outras formas de linguagem.
Tudo o que é humano, portanto, interessa à educação e se a experiência humana é dinâmica, não definida por padrões, precisamos da concepção de currículos a partir desta interpretação, sendo esse o desafio pedagógico central da educação proposta pelo Pacto Educativo Global.
Como um espaço de encontro, esboça-se a ideia de aldeia educacional, nos moldes do provérbio africano que diz “para educar um filho é necessária uma aldeia”. De fato, para educar um jovem é necessária muita gente: família, professores da escola básica, pessoal não docente e muitos outros agentes sociais.
No Brasil, os eixos definidos para o Pacto Educativo Global são:
Paz e cidadania;
Ecologia integral;
Solidariedade e desenvolvimento;
Dignidade e direitos humanos;
Defesa da educação pública com qualidade social;
Cultura e Transformação Social.
Transformações
Aceitar as transformações do mundo contemporâneo é importante. O Pacto atesta a metamorfose pela qual estamos passando, tanto cultural quanto antropológica, psicológica, econômica, jurídica etc.
O chamamento é pela necessidade de percebermos que, apesar de todos os benefícios trazidos pelo amplo acesso à tecnologia, a quantidade de pessoas em situação de pobreza e a natureza clamam por um novo modelo societário. A conclusão é que a educação tem um papel estratégico nesse sentido e que precisa ser emancipadora, pela defesa dos Direitos Humanos como substantivo civilizatório, pelas liberdades individuais e coletivas; pela pluralidade das ideologias; pela laicidade do Estado; pela tolerância como bússola da convivência e pela rebeldia a estados totalitários como direito.
No campo educacional, defende a Educação como Direito de todos e não como uma mercadoria que pode ser vendida como privilégio de alguns, reforçando a necessidade da luta pelo ensino público, laico e gratuito a todas as pessoas, principalmente às “últimas da fila”.
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Pandemia Covid-19
A pandemia Covid-19 traz um cenário de incertezas pela maior crise desde a II Guerra Mundial e é problemático definir qualquer forma de educação de modo permanente, de acordo com o Pacto. Ainda é complexo avaliar o quanto seremos afetados nos negócios, no turismo, no consumo das famílias, na segurança pública, no crescimento do desemprego e no impacto econômico e social a curto, médio e longo prazo.
O fato é que, ao sair da crise sanitária, há previsões de que ingressaremos na mais aguda crise social já vivida no país, atingindo índices recordes de desemprego, fome, pobreza, falências e queda de renda acentuada. O impacto estraçalha a economia e o cenário atual causado pelo acirramento da crise econômica.
No campo escolar, a pandemia trouxe impactos significativos com a paralisação das aulas presenciais nas instituições de ensino. Vimos a falta de uma política educacional orquestrada e articulada em nível nacional e o quanto o abalo educacional foi mais forte nas camadas sociais mais pobres.
Já havia, claro, e isso é atestado pelo Pacto, um abismo digital entre crianças e jovens com e sem acesso à internet de qualidade e dispositivos como computadores e celulares. Com a pandemia e o afastamento das escolas, o abismo se aprofundou.
Neste ponto, o documento diferencia o Ensino Remoto Emergencial e a Educação a Distância e demonstra que, mesmo com várias dificuldades, houve a chance de perceber que o Ensino Remoto possibilita a comunicação e a troca de experiências, citando o caso do Projeto Mundinho, da prefeitura de Novo Hamburgo (RS), onde, bem antes da pandemia, em 2012, haviam sido distribuídos mais de 6000 aparelhos laptops aos alunos e professores. Isso fez com que agora, neste momento de intensa crise, houvesse maior inclusão digital e instrumentalização do ensino.
Também sabemos pouco sobre a extensão do impacto pedagógico e social com a incorporação das tecnologias e do ensino remoto nas práticas educativas, quais as metodologias pedagógicas mais apropriadas e quem serão os protagonistas dos processos de produção que comandarão sua implementação.
Com isto em vista, o documento não traz conclusões categóricas sobre o tema proposto, mas traz ao debate as situações vivenciadas, promovendo reflexão e diálogo perante o diverso e o contraditório. Um dos questionamentos propostos é sobre a necessidade de despertar nos alunos o sentimento de pertencimento à origem africana e latino-americana, uma vez que é indiscutível a influência dos povos africanos e indígenas no povoamento, na cultura, na tecnologia, na religiosidade, entre outros aspectos, sendo imprescindível explorar e desenvolver esse sentimento que os identifica com seus antepassados.
O Pacto deixa expresso:
“Nessa temática não cabe neutralidade, há sempre uma posição que assumimos, a do oprimido ou a do opressor, e a escola, enquanto instituição de formação social, deve objetivar a formação de cidadãos antirracistas e de educandos negros conscientes de seus direitos civis. Dessa maneira, posicionar-se contra o sistema opressor é papel fundamental do educador.”
Reorganização da escola em vários aspectos
É essencial que sejam seguidas as recomendações internacionais como as oferecidas pelo Relatório da ONU (2020) em relação à forma segura de reabertura das escolas e somente após o controle da transmissão local da COVID-19.
Também, em relação às políticas econômicas que priorizem a educação no orçamento, é preciso dar vazão às iniciativas de educação que procurem alcançar os atingidos pelas desigualdades digitais, tais como pessoas em emergências e crises; grupos minoritários de todos os tipos; pessoas deslocadas e pessoas com deficiência.
A educação também deve ser “redesenhada” como “oportunidade geracional” e pode dar um salto em direção a sistemas progressistas com educação de qualidade para todos, com instituições inclusivas e professores livres para elevar o patamar de suas turmas apoiando a reflexão.
Por fim, a formação permanente dos professores e profissionais da educação, em qualquer área de atuação, é a forma de se contrapor ao obscurantismo e o anticientificismo presentes em vários segmentos da população.
O direito à alimentação escolar
O Pacto Educativo Global relembra que a merenda escolar fomenta a agricultura familiar e que a chegada da pandemia interrompeu ações que beneficiavam as classes populares. De fato, pesquisa realizada pela UNICEF mostrou que 40% das famílias brasileiras residem com crianças ou adolescentes com idade entre 0 e 17 anos e 63% dessas famílias tiveram decréscimo de sua renda durante a pandemia. Cerca de 33 milhões de brasileiros viram seus alimentos acabar e 9 milhões deixaram de fazer uma das três refeições por dia.
Inúmeros educadores por todo o país passaram a cuidar, ao mesmo tempo, da própria vida e da vida de seus alunos e respectivas famílias. Os que atuam em movimentos sociais, organizações sociais ou partidos, foram mencionados expressamente pelo Pacto, vistos como aqueles que conferem aos educandos prioridade, conscientização e organização popular, rejeitando, enfim, valores calcados no individualismo e na absolutização do mercado.
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Educação pós-pandemia
A conclusão dos trabalhos, consubstanciada no Pacto Global, é que os estudantes chegarão às escolas ainda preocupados e, muitas vezes, traumatizados, necessitando de apoio para superar os traumas e as feridas dessa crise em que vivemos. Ainda mais graves serão os impactos quando se trata das comunidades de maior vulnerabilidade social. Obviamente, muitos terão sofrido grandes perdas e necessitarão do acolhimento e da solidariedade da equipe escolar, que deve estar preparada para recebê-los e identificar as questões mais graves que possam demandar orientação ou encaminhamento aos equipamentos de saúde da comunidade.
Uma ação solidária preventiva e ativa pode ser restauradora e deve ser oferecida à comunidade escolar, reunindo apoio especializado e humano para amenizar o sofrimento devastador do período pós-pandemia.
No campo educacional, a conclusão é a de que precisamos romper com a economia sob a lógica do mercado.
“É preciso democratizar o debate, a reflexão, a compreensão da economia existente e ser sujeito do processo de humanização da economia de amanhã – a economia sob a lógica do ser humano – contribuindo para torná-la mais justa e mais sustentável. Olhar a economia para além do ponto de vista puramente material. Compreender os processos decisórios sobre recursos públicos, sobre a definição de prioridades. Criar e ou aprofundar o conhecimento de ferramentas de análise do mundo econômico e formar cidadãos competentes para debater e decidir sobre uma economia voltada para o bem comum.”
O Meio Ambiente também deve merecer atenção especial nesse momento pós-pandemia: o tema tem sido considerado transversal nos Parâmetros Curriculares Nacionais no final dos anos 1990 e não houve, em nível nacional, a valorização dos estudos de ecologia na Educação Básica.
Mas sabemos – e isso é muito importante - que os cientistas apontam para a interligação entre a depredação do meio ambiente e o surgimento da pandemia e, ainda mais, a continuar o mesmo nível de sua utilização predatória, elas serão constantes.
Se compreendermos que somos parte do meio ambiente e que temos responsabilidade na sua preservação, poderemos criar coletivamente ações positivas de preservação.
Leonardo Boff, citado no documento, ensina que educar para a sustentabilidade representa ir além da preservação do meio ambiente. Significa:
“manter as condições energéticas, informacionais, físico-químicas que sustentam todos os seres, especialmente a Terra viva, a comunidade de vida e a vida humana, visando à sua continuidade e ainda atender às necessidades da geração presente e das futuras de tal forma que o capital natural seja mantido e enriquecido em sua capacidade de regeneração, reprodução e coevolução”.
Educar é questionar e mostrar como questionar a fundo as raízes, as causas da pobreza, das desigualdades e das injustiças.
Uma instituição de ensino conectada com os valores da dignidade da pessoa humana trabalha pela conscientização e pela organização dos mais vulneráveis e busca a construção de uma sociedade justa, humana, solidária e fraterna.
Ela contribuirá para a formação integral de novas mulheres e homens, sempre sob os cuidados dos direitos humanos. O que mais precisamos neste momento.
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