top of page
Ana Luiza Santos e Edgar Jacobs

O que é a educação inclusiva, pauta atual de debates no Supremo Tribunal Federal

Nos dias 23 e 24 de agosto foi realizada a audiência pública convocada pelo ministro Dias Toffoli para discutir a Política Nacional de Educação Especial Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida (PNEE), instituída pelo Decreto 10.502/2020.


O debate teve início porque o decreto, fruto de uma nova politica proposta durante o governo Temer e levada a cabo pelo atual governo, foi publicada, flexibilizando os sistemas educacionais e oferecendo a maleabilidade de existirem também, como alternativas, escolas especiais, classes especiais e escolas bilíngues, o que, ao final, anularia o princípio da educação inclusiva.


A norma, então, foi questionada em ação direta de inconstitucionalidade (ADIn 6.590) pelo Partido Socialista Brasileiro sob o argumento de que, na prática, a PNEE, ao incentivar a criação de escolas e classes especializadas e bilíngues de surdos, discrimina e segrega os alunos com deficiência.


No dia 01° de dezembro de 2020, o ministro relator Dias Toffoli suspendeu o decreto e posteriormente o Tribunal, por maioria, referendou a decisão, decidindo-se pela oitiva da sociedade civil para uma melhor tomada de decisão. Por isso a audiência pública que se realizou.


Mas, o que é uma educação inclusiva?


Leia mais:





A educação inclusiva


Para o senso comum, educação inclusiva se restringe à matrícula do aluno com deficiência no ensino regular. Mas esta é uma visão limitada. De acordo com o Guia Prático: o direito de todos à educação, produzido pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, educação inclusiva é sinônimo de universalização da educação, referindo-se ao processo de reconhecimento e atenção à diversidade humana, no acolhimento a todas as diferenças, tais como étnicas, de gênero, deficiência, diferenças religiosas, de orientação sexual, culturais e outras.


A construção da educação inclusiva está relacionada a algo maior, a um contexto contemporâneo que trouxe profundas transformações sociais, econômicas, culturais e históricas. O Guia traz uma informação bastante interessante: o tempo se incumbiu de mostrar que os casos de deficiência mais complexos não são a maioria se comparados com o universo de alunos com deficiência que não geram grandes dificuldades de acesso e permanência na escola regular. Isso porque a deficiência deixa de ser um obstáculo para grande parte das pessoas quando elas encontram meios acessíveis, ou seja, prédio sem barreiras arquitetônicas, materiais didáticos adaptados, intérpretes de LIBRAS e professores capacitados, por exemplo. O que, obviamente, deveria ser o comum, o básico, dentro de uma sociedade plural.


O texto do Guia do MP/SP menciona outro dado importante. Deficiências sensoriais isoladamente consideradas não trazem grandes entraves para o ensino na escola regular. Maior dificuldade, mas não impedimento, pode ocorrer em casos de deficiência intelectual e de deficiência múltipla, cujas intervenções pedagógicas requerem maiores adaptações, como professor assistente, interface com a área da saúde e outras.


A barreira mais difícil de ser ultrapassada é a do preconceito, principalmente a partir do ensino fundamental. E é aí que as intervenções precisam ser realizadas de forma mais enfática, não só no plano pedagógico, mas no humano, capacitando professores, alunos e pais para entenderem que a deficiência não determina a personalidade ou as características de uma pessoa.

Bom lembrar que educação inclusiva também é sinônimo de universalização da educação e a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre Pessoas com Deficiência assegura a todos o direito de estudar em qualquer tipo de escola.


Ambiente escolar inclusivo


A própria deficiência é um fenômeno que passou por transformações ao longo da história e, se analisarmos a questão em pormenor, vemos que limitações não são exclusivas de pessoas com deficiências. Elas podem se expressar quando qualquer pessoa se depara com obstáculos e barreiras do seu ambiente físico e social, em maior ou menor grau.


Neste ponto, se reduzimos barreiras e disponibilizamos apoios, as limitações originadas da deficiência serão reduzidas, ou seja, o impacto daquela deficiência sobre a capacidade funcional da pessoa diminuirá bastante e ela passará a atuar em um ambiente que favorece sua autonomia e independência.


Um ambiente escolar inclusivo, portanto, é aquele em constante trabalho para reduzir barreiras, atento para o fato de que as pessoas, mesmo com um mesmo tipo de deficiência, não são iguais em si, tanto quanto as sem deficiência.


Leia mais:



Escola inclusiva


Escola inclusiva é aquela que reconhece, respeita e responde às necessidades de cada aluno. É uma escola que possui uma concepção educacional que assume que estudantes com e sem deficiência vão percorrer sua trajetória escolar lado a lado, juntos em sala de aula.


Quando o Brasil aprovou os textos da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007 (aprovados pelo Decreto Legislativo nº 186/2008 e pelo Decreto Presidencial nº 6949/2009), reconheceu o direito das pessoas com deficiência à educação, determinando que à elas fosse assegurado um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo da vida, garantindo, da mesma maneira, a provisão de adaptações razoáveis para todas as pessoas com deficiência.


O Estatuto da Pessoa com Deficiência, a lei nº 13.146/15, deu sequência às inovações, reforçando o dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade em assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação. A obrigação geral é de toda a sociedade, mas o poder público é responsável por um rol de atividades que concretizam o sistema educacional inclusivo, como, por exemplo, pelo projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, pela adoção de práticas pedagógicas inclusivas, pelos programas de formação inicial e continuada de professores e oferta de formação continuada para o atendimento educacional especializado, dentre outras.


A propósito, de acordo com a defensora pública do Estado de São Paulo, Renata Flores Tibyriçá, os dados do Censo Escolar mostram aumento crescente na procura de alunos com deficiência por vagas em classe regular. São 93,3% de alunos deficientes matriculados em escolas de ensino regular contra menos de 7% nas escolas especiais. Existe, todavia, um aumento de conflitos judiciais entre escolas e alunos, o que demonstra que ainda há o que fazer para melhorar o cenário de inclusão.


O debate acerca do Decreto 10.502/2020


Os expositores representantes de órgãos do Poder Executivo alegam que o Decreto 10.502/2020 amplia direitos, respeita a liberdade de escolha e promove a diversidade pedagógica. Em outro sentido, representantes da sociedade civil e de órgãos voltados para os direitos das pessoas com deficiência argumentaram, entre outros pontos, que a PNEE impede experiências importantes vividas no ambiente escolar inclusivo.


O representante da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB, Seccional São Paulo, por exemplo, disse que o texto sinaliza que as pessoas com deficiência não estão aptas ao convívio social, criando um verdadeiro apartheid, e que o ordenamento jurídico brasileiro não tolera a exclusão e a segregação.


Já o representante da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) entende que existe educação inclusiva também nas escolas de educação especial, sem ferir ou representar retrocesso.


Muitos sustentam que o decreto é um exemplo de “fraude normativa”, pois o texto contrariaria todas as perspectivas de inclusão e de respeito à diversidade, de combate ao preconceito, de valorização da cidadania e da garantia de oportunidade às pessoas com deficiência, durante ou depois do ciclo escolar.


Outros sustentam que a escola especial seja necessária em casos específicos, como o diretor-geral do Instituto Benjamim Constant, João Ricardo Melo Figueiredo, que alega que a falta de escolas especializadas para cegos está fazendo com que alunos com deficiência visual estejam sendo aprovados automaticamente, sem que desenvolvam a capacidade de leitura e escrita.


Os ministros se manifestarão oficialmente no processo após análise das exposições dos especialistas e organizações a favor e contra o decreto. Repercutiremos a decisão.


Gostou deste texto? Faça parte de nossa lista de e-mail para receber regularmente materiais como este. Fazendo seu cadastro você também pode receber notícias sobre nossos cursos, que oferecem informações atualizadas e metodologias adaptadas aos participantes.


Temos cursos regulares já consagrados e também modelamos cursos in company sobre temas gerais ou específicos relacionados ao Direito da Educação Superior. Conheça nossas opções e participe de nossos eventos.

228 visualizações

Comments


bottom of page