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Ana Luiza Santos e Edgar Jacobs

O tratamento de dados para fins acadêmicos e realização de estudos/pesquisas segundo o Guia da ANPD

A LGPD estabeleceu regras específicas para o tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos e para a realização de estudos e pesquisas. São regras que buscam garantir que se o tratamento dos dados pessoais for associado à produção e à disseminação do conhecimento, também deve ser realizado com segurança jurídica e com respeito aos direitos dos titulares, equilibrando-se esta proteção com a liberdade acadêmica e o livre fluxo de informações necessário para a realização de estudos e pesquisas nas mais diversas áreas do saber.


Em maio do ano passado, a ANPD publicou um estudo técnico com a intenção de fomentar o debate público e subsidiar a tomada de decisão sobre o tema. Para saber mais a respeito, acesse nosso texto O tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos e realização de estudos por órgão de pesquisa.


Mesmo após a publicação do estudo técnico, restaram algumas dúvidas, como, por exemplo, a definição e alcance dos conceitos de “tratamento de dados para fins exclusivamente acadêmicos” e de “órgão de pesquisa”; também em quais hipóteses legais autorizariam o tratamento de dados pessoais propriamente dito para a realização de estudos e pesquisas. Um Guia Orientativo se fez necessário, portanto, para fornecer aos agentes de tratamento estas recomendações e orientações, incentivando a adoção de boas práticas e respaldando o tratamento de dados pessoais de forma compatível com a legislação. O Guia foi publicado em junho deste ano.


Lembrando que a LGPD criou um regime jurídico especial mais flexível para o tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos e para a realização de estudos e pesquisas. Os principais pontos deste regime estão determinados em seis disposições da lei e já foram analisados em nosso texto; acesse aqui.


Fins acadêmicos


É importante ter em mente que a LGPD não se aplica ao tratamento de dados pessoais realizado para fins exclusivamente acadêmicos desde que o tratamento esteja amparado em uma das hipóteses legais. Ou seja, a LGPD é parcialmente afastada quando o tratamento for realizado para fins exclusivamente acadêmicos.


  • o afastamento é parcial se o tratamento for realizado para fins exclusivamente acadêmicos; e

  • o tratamento deve estar amparado nas hipóteses legais dos arts. 7º e 11, observando-se as regras para a hipótese legal utilizada.


O afastamento parcial da norma deve ser interpretado restritivamente e as situações devem ser limitadas àquelas em que o tratamento dos dados pessoais esteja estritamente vinculado ao exercício da liberdade acadêmica.


Nos termos do novo Guia da ANPD, a “liberdade acadêmica constitui uma espécie das liberdades de expressão e de manifestação do pensamento, em geral exercida por docentes, estudantes e pesquisadores de órgãos de pesquisa ou de instituições de ensino em ambientes propícios à exposição e ao debate de ideias, tais como salas de aula, congressos e seminários científicos.”


Com esta definição a LGPD facilita a realização de atividades acadêmicas, afastando a incidência de certas obrigações legais. Caso o tratamento de dados pessoais atenda a outros fins que não os estritamente vinculados à livre expressão acadêmica, a lei de dados deverá ser plenamente observada.


A questão é mais relevante quando existem parcerias entre instituições de ensino ou órgãos de pesquisa e entidades privadas, nas quais pode ocorrer o eventual tratamento de dados pessoais para o desenvolvimento de atividades comerciais no ambiente corporativo. Nesta hipótese, o regime jurídico aplicável ao caso concreto deve observar:


  • os elementos essenciais à definição clara da natureza, das funções e das responsabilidades de cada agente de tratamento;

  • a identificação da hipótese legal apropriada; e

  • a identificação das categorias de dados tratados e de suas respectivas finalidades.


No caso de dúvida se o tratamento dos dados se adequa à exceção para atividades acadêmicas, o ideal é que o agente de tratamento opte por atender às disposições pertinentes da LGPD. É uma postura de cautela especialmente para casos em que o tratamento envolve alto risco para os direitos dos titulares. Ou seja, aqui o tratamento de dados pessoais não vai se inserir na exceção legal prevista para fins exclusivamente acadêmicos, pois não atende ao requisito da finalidade exclusivamente acadêmica.


Detalhes importantes


O consentimento do titular, a realização de estudos por órgão de pesquisa e o atendimento a interesse legítimo são exemplos de hipóteses legais que, em tese, podem ser utilizadas no contexto acadêmico.


O fato de o tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos estar amparado em uma das hipóteses legais não significa que outros dispositivos da LGPD não sejam aplicáveis: por exemplo, se o tratamento de dados pessoais estiver amparado no consentimento do titular, este deverá ser realizado mediante manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para a finalidade de atividades acadêmicas.


Da mesma maneira, o consentimento deverá observar as regras estabelecidas na lei de dados como os critérios para dispensa de exigência de consentimento; a necessidade de comunicação ou compartilhamento de dados pessoais com outros controladores; a forma como deve ser dado o consentimento; e o direito dos titulares.


Quando o tratamento de dados pessoais realizado para fins exclusivamente acadêmicos for necessário para atender aos interesses legítimos do controlador ou de terceiro, o legítimo interesse não pode se sobrepor aos direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais. As regras, neste caso, são a de se observar o limite do tratamento aos dados estritamente necessários, garantindo sua transparência, além de manter todo o registro das operações realizadas.


Bom lembrar, por fim, que o tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes deve ser realizado sempre em seu melhor interesse, nos termos da LGPD, do ECA e demais leis nacionais, além, é claro, dos padrões éticos aplicáveis à pesquisa realizada.


Estudos e pesquisas


Órgãos de pesquisa ou agentes de tratamento não qualificados como órgãos de pesquisa podem tratar dados pessoais para fins de realização de estudos e pesquisas e cada um deles recebe um regramento diferente.


Órgão de pesquisa


O órgão de pesquisa pode tratar dados pessoais – inclusive os de natura sensível e independentemente de consentimento pelo titular dos dados - para realização de estudos por órgãos de pesquisa.


Esta previsão legal reconhece a relevância das atividades relacionadas por órgãos de pesquisa para a produção de conhecimento e resolução dos mais variados desafios do conhecimento humano, sempre respeitando a privacidade, a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião, a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem e o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação.


Neste contexto, a LGPD estabeleceu requisitos que devem ser necessariamente preenchidos pelos agentes de tratamento. O primeiro é que o tratamento seja realizado por órgão de pesquisa, ou seja, que o agente de tratamento seja órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta ou, ainda, pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos legalmente constituída sob as leis brasileiras, com sede e foro no país. Também, o agente deve possuir entre suas missões institucionais ou em seu objeto social/estatutário a pesquisa básica ou aplicada, para fins históricos, científicos, tecnológicos ou estatísticos.


Exemplos de órgãos de pesquisa: IES públicas ou privadas sem fins lucrativos, centros de pesquisa nacionais e entidades públicas que realizam pesquisas, tais como o IBGE e o IPEA.


Pessoas jurídicas de direito privado com fins lucrativos não estão incluídas no rol de agentes de tratamento que podem recorrer à hipótese legal de realização de estudos por órgãos de pesquisa, ainda que, entre suas finalidades constitutivas, esteja a realização de pesquisa. Nestes casos, o tratamento de dados pessoais se realizará com amparo em outras hipóteses legais, como a do consentimento ou do legítimo interesse.


Também, os órgãos de pesquisa incluídos no rol são aqueles constituídos para - entre outras atividades - a realização de pesquisa básica ou aplicada, conforme definido em seu ato de instituição, a exemplo de leis, regulamentos e estatutos sociais. Não estão abrangidos pela definição de órgão de pesquisa órgãos e instituições que realizem atividades de estudos e pesquisa de forma eventual ou acessória e que não tenham sido constituídos para esta finalidade. Também neste caso, o tratamento de dados pessoais se dará ancorado em outra hipótese legal.


Padrões éticos aplicáveis


Todas as pesquisas realizadas com seres humanos devem observar padrões éticos, que são estabelecidos em atos normativos expedidos pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS). Ou seja, além de atender às disposições da lei, pesquisadores e respectivas instituições precisam submeter seus projetos de pesquisa à apreciação de Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) ou da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).


O Sistema CEP/CONEP é formado pela CONEP (instância máxima de avaliação ética em protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos) e pelos CEP (Comitês de Ética em Pesquisa), instâncias regionais dispostas em todo território brasileiro. O Sistema também envolve pesquisadores, assistentes de pesquisa, professores e universitários em iniciação científica, instituições de ensino, centros de pesquisa, fomentadores de pesquisa e os participantes de pesquisa.


O principal objetivo do Sistema é defender os direitos e interesses de participantes de pesquisa, mantendo sua integridade e dignidade, além de contribuir com o desenvolvimento das pesquisas no país. Obviamente, há uma relação complementar entre a LGPD e os padrões éticos aplicáveis à realização de estudos e pesquisas com seres humanos: ambos devem proteger os direitos de titulares cujos dados pessoais são utilizados e manuseados para fins de pesquisas.


Importante: eventual dispensa do consentimento para os fins da LGPD em razão da incidência de outra hipótese legal no caso concreto não afasta a necessidade de obtenção do consentimento dos participantes de pesquisa quando assim exigido pelas normas e padrões éticos aplicáveis. É perfeitamente possível que o consentimento seja dispensável do ponto de vista da legislação e necessário do ponto de vista ético.


Confidencialidade dos dados


O acesso a dados pessoais por instituições de ensino e respectivos pesquisadores é vinculado ao compromisso legal e ético de respeitar a confidencialidade dos dados e a privacidade dos titulares, bem como de utilizá-los apenas para a finalidade específica de realização de estudos e pesquisas.


Se houver acesso à informação pessoal por terceiros, será condicionado à assinatura de um termo de responsabilidade, vinculando a finalidade e a destinação que fundamentaram sua autorização à finalidade e à destinação que fundamentaram a autorização do acesso.


Enfim, o Guia orientativo foi elaborado com o objetivo de trazer maior segurança aos titulares de dados e aos agentes de tratamento; a ANPD não descarta futuras atualizações, orientações ou regulamentações sobre os temas tratados, inclusive decisões futuramente proferidas pela ANPD, as quais acompanhamos com frequência.


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