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Ana Luiza Santos e Edgar Jacobs

Os Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas

Atualizado: 14 de nov. de 2021

As Corporações de ofício foram associações surgidas na Idade Média para regulamentar as profissões e o processo produtivo artesanal nas cidades. Havia um controle da técnica de produção das mercadorias com o objetivo de garantir a qualidade dos produtos e serviços ofertados. Marcadas pela hierarquia, limitavam o ingresso de pessoas desqualificadas.

Em muitos povos da bacia do Mediterrâneo e no Extremo Oriente foram detectados grêmios da mesma natureza. No código de Hamurabi, por exemplo, consta uma série de preceitos jurídicos relativos ao comércio e aos mercadores e muitos são os detalhes que podem ser consultados neste excelente artigo de Euripedes Simões de Paula, professor de História da Civilização Antiga e Medieval da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Ainda segundo o professor, o mundo helenístico viu-se coberto por um grande número de grupos a quem davam o nome de koinon e que os romanos posteriormente chamaram de collegium.

Posteriormente o trabalho livre ganhou corpo, ou seja, sem as restrições impostas pelas corporações existentes, como pontua o Ministro-Substituto Weder de Oliveira em trabalho apresentado no Tribunal de Contas da União, culminando com a extinção das corporações de oficio durante a Revolução Francesa, consideradas incompatíveis com os ideais da época.

O Estado abstencionista não comportava as associações e o mercado solucionava os conflitos e assim foi até que os interesses de grupos de profissionais de determinadas áreas, juntamente com os interesses da coletividade e do Estado em controlar atividades exercidas por alguns grupos profissionais, tomassem corpo.


No Brasil, tanto a Constituição de 1824 quanto a de 1891 foram firmes nos ideais de plena liberdade de trabalho, mas no interregno das duas, em 1870, houve a primeira regulamentação brasileira da profissão contábil, considerada como a primeira profissão liberal regulamentada no país.

Quando a Constituição brasileira de 1934 foi promulgada o texto legal foi modificado: passou-se a considerar livre o exercício de qualquer profissão, observadas as condições de capacidade técnica e outras que a lei estabelecesse, ditadas pelo interesse público.

A OAB, no caso, foi fundada em 1930, mas desde 1843 os profissionais da categoria se valiam do Instituto dos Advogados, cuja finalidade era organizar e criar a própria Ordem, a exemplo de associações que já existiam em Portugal.

Podemos dizer que os Conselhos Profissionais foram criados a partir da década de 1950, frutos do processo de regulamentação das profissões no Brasil: os Conselho Federal de Economia e Conselho Federal de Medicina, por exemplo, foram criados em 1951. Em 1964 tivemos a criação do  Conselho Federal de Odontologia.


A Constituição de 1988

Na Constituição de 1988 estipulou-se o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, competindo privativamente à União legislar sobre a organização do sistema nacional do emprego e condições para o exercício das profissões.

É da alçada dos conselhos de fiscalização de atividade profissional, sempre mediante leis específicas, orientar, supervisionar, fiscalizar e disciplinar o exercício da profissão. Zelar pelo prestígio e bom nome da profissão e dos profissionais que a exercem, bem como organizar e manter o registro profissional, que inclui a inscrição e eventual cancelamento.

As finalidades dos conselhos também são várias. As principais incluem, nos termos apresentados pelo Ministro Weder de Oliveira:


  • Examinar reclamações e representações;

  • Representar às autoridades competentes;

  • Atuar como órgão de consulta do Governo;

  • Atuar em colaboração com entidades de classe e escolas e faculdades;

  • Contribuir para o desenvolvimento econômico;

  • Disseminar a técnica econômica nos diversos setores da economia nacional, promovendo estudos e campanhas em prol da racionalização econômica do país e;

  • Promover estudos e campanhas em prol da racionalização administrativa do país.


A Ordem dos Advogados do Brasil

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ou Conselho Federal da OAB é a entidade máxima de representação dos advogados brasileiros  e responsável pela regulamentação da advocacia no Brasil.


Interessante é que é o único conselho profissional que manteve a palavra “Ordem”, herdada dos costumes da Idade Média e resistentes aos percalços da Revolução Francesa, como já mencionamos. A tradição se manteve, inspirando o nome de várias entidades corporativas relativas aos advogados em diversos países, inclusive em Portugal e Brasil.

Enfim, a Ordem dos Advogados do Brasil, instituída no plano nacional, é composta de seccionais instaladas em cada um dos Estados da Federação. Já foi uma autarquia federal de caráter corporativista, mas hoje, segundo jurisprudência do STF, é considerada serviço público independente, sem vinculação ao Poder Federal.

Goza de imunidade tributária, tem fins lucrativos, é autônoma, independente e seus funcionários são contratados pelo regime da CLT, sem necessidade de prévio concurso público. A OAB, portanto, está inserida em uma categoria ímpar no cenário das personalidades jurídicas brasileiras.

Conselhos de Fiscalização Profissional

Os demais conselhos de fiscalização profissional têm natureza jurídica de autarquias; estas entidades são criadas por lei, tendo personalidade jurídica de direito público com autonomia administrativa e financeira.

Podemos dizer que os conselhos possuem atividade típica de Estado, pois têm atributos que lhes permitem restringir direitos individuais em favor dos interesses maiores da coletividade, podem aplicar multas e sanções disciplinares como advertência, censura, suspensão e até cancelamento do registro. Os conselhos profissionais, portanto, têm poder de polícia – tese já consolidada pelo STJ - para fiscalizar as profissões regulamentadas, inclusive no que concerne à cobrança de anuidades dos profissionais a partir do momento em que são devidamente inscritos e à aplicação de sanções.

Em relação às anuidades devidas aos conselhos profissionais, constituem contribuição de interesse das categorias profissionais, de natureza tributária, sujeita a lançamento de ofício.

Ainda de acordo com o Ministro-Substituto do TCU, Weder de Oliveira, como os conselhos de fiscalização do exercício profissional têm natureza autárquica, arrecadam e gerenciam recursos públicos de natureza parafiscal, estão sujeitos às normas de administração pública, e ao controle jurisdicional do TCU, ou seja, precisam prestar contas e se sujeitar a inspeções e auditorias.

Um exemplo da sujeição ao controle externo encontra-se na Lei 3.820, de 1960, que cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Farmácia:


Art. 31. Os Presidentes do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Farmácia prestarão, anualmente, suas contas perante o Tribunal de Contas da União.
§ 1o A prestação de contas do Presidente do Conselho Federal será feita diretamente ao referido Tribunal após aprovação do Conselho.
§ 2o A prestação de contas dos Presidentes dos Conselhos Regionais será feita ao referido Tribunal por intermédio do Conselho Federal de Farmácia.
§ 3o Cabe aos Presidentes de cada Conselho a responsabilidade pela prestação de contas.

Há privilégios e prerrogativas também, como os conferidos aos conselhos pelo art. 188 do CPC e a submissão às regras dos artigos 730 do CPC e 100 da Constituição Federal quando de execuções contra a Fazenda. Isso sem mencionar que tanto a OAB como os demais conselhos profissionais gozam de imunidade tributária.

Os conselhos profissionais devem prezar pelos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, são obrigados a fazer concurso público para contratação de pessoal e de obedecer as regras da lei de licitação.


A Proposta de Emenda à Constituição 108/2019

Em julho de 2019 o governo apresentou à Câmara dos Deputados a PEC 108/2019 para acabar com a obrigatoriedade de filiação a conselhos de classe. A proposta, assinada pelo ministro Paulo Guedes, também limitava os poderes dessas entidades.

Caso aprovada, como exposto em matéria publicada no Nexo Jornal, poderia afetar órgãos como a OAB, que possui 1,1 milhão de inscritos, e o Conselho Federal de Medicina, com 466 mil profissionais ativos.   

A proposta de Paulo Guedes era consolidar o entendimento de que os conselhos profissionais não integram a estrutura da administração pública, sendo então definidos como “pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, que atuam em colaboração com o poder público”.

Inúmeras entidades de classe reagiram à iniciativa do governo à época. Para a OAB o movimento foi uma tentativa de enfraquecer a ordem e permitir o ingresso de escritórios estrangeiros de advocacia no país, bem como impedir seja exigido o exame da ordem, que garantiria o mínimo de qualidade dos profissionais que vão servir à sociedade.

Enfim, conselhos profissionais não são entidades sindicais que representam os interesses de seus filiados ou associados. O dever legal dos conselhos profissionais é o de zelar pelo interesse público, e, para isso, realiza a supervisão qualitativa, técnica e ética do exercício das profissões liberais, conforme a previsão legal.


Em relação à PEC, o relator na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, deputado federal de Roraima, Edio Lopes, retirou o texto do Governo Federal de pauta e pretende levar ao parlamento uma nova proposta que atenda interesses tanto dos conselhos profissionais quanto do governo.


Conhecendo as atribuições e finalidades dos Conselhos, suas decisões impactam ou não portarias do MEC?


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