No dia 31 de dezembro de 2022 foi divulgada uma norma extremamente relevante para todos que possuem ou pretendem possuir cursos de graduação em Medicina: a Portaria MEC 1.061/2022. Essa norma foi uma das poucas publicadas em edição extra e trata do fluxo, dos procedimentos e do padrão decisório dos atos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento dos cursos de Medicina.
Ela teve vida curta: foi revogada pelo novo governo no dia 03 de janeiro, mas decidimos manter nossos comentários como registro do momento.
A norma era bastante contestável, não apenas por ser feita no “apagar das luzes”, mas tinha alguns pontos positivos. O primeiro deles é a definição de que o MEC não deve aplicá-la retroativamente. Nesse sentido, o Art. 39 definiu que a Portaria será somente aplicada aos processos “…protocolados a partir da data de sua publicação, observadas as regras previstas neste Capítulo…”. Outro ponto positivo foi deixar claro que o padrão decisório para cursos de Medicina não difere muito dos demais cursos superiores (Art. 28), ficando evidente, por exemplo, que para a definição das vagas na autorização de novo curso aplica-se a regra da Portaria Normativa 20/2017.
Porém, os pontos negativos eram os que mais se destacavam e, dentre esses pontos, a ambiguidade é o mais grave.
O texto era ambíguo em um de seus temas principais: a aplicabilidade da norma para processos de autorização fora do Programa Mais Médicos (PMM). Esta é uma questão crucial, pois agora existem vários requerimentos judiciais para abertura de cursos de Medicina por meio do procedimento regular de autorização em contraposição à via de editais e chamamentos públicos do PMM.
A Portaria trouxe logo no primeiro artigo essa discussão, pois o caput do dispositivo inicial é genérico, enquanto seu parágrafo primeiro diz que a autorização “…será precedida de chamamento público”. Dessa forma, a impressão, logo de saída, é de que se trata de uma norma aplicável apenas aos procedimentos que se iniciaram de editais e culminaram em certames de chamamentos.
Ao longo da norma essa visão é referendada, especialmente quando analisado o limite da competência do Ministério da Educação. O MEC só tem competência para legislar sobre “critérios do edital de seleção de propostas para obtenção de autorização de funcionamento de curso de Medicina” no âmbito da Lei do PMM (Art. 3º, IV, da Lei 12.871/2013). Nas demais situações, vale a Lei do SINAES (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior), que prevê que a Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES) é competente para “propor e avaliar as dinâmicas, procedimentos e mecanismos da avaliação institucional, de cursos…” (Art. 6º, I, Lei 12.871/2013 e Art. 8º, I, Decreto 9.235/2017). Ou seja, o MEC, sem o aval da CONAES, só pode criar regras para autorização de medicina no âmbito do Mais Médicos.
É necessário frisar que a questão não podia ser resolvida por um pensamento simples de que exista um único rito para autorização de cursos de Medicina, pois hoje, de fato, o Poder Judiciário já decidiu de forma diferente em mais de 100 processos. Ao lado do PMM existe a via dos processos de autorização iniciados por iniciativa privada, com base na Constituição de 1988. Dessa forma, o MEC perdeu uma boa oportunidade para pacificar a questão e definir os dois procedimentos.
No procedimento do Mais Médicos existe uma política de indução, com forte apoio dos Municípios e, por isso, existem também contrapartidas. Já nos procedimentos regulares as instituições ficam por sua conta e risco, investindo na criação de leitos de saúde como forma de garantir o ensino de seus estudantes. Enquanto o curso criado pelo PMM é uma espécie de parceria público-privada, o curso resultante da via comum é um empreendimento privado regulado, tal como um hospital, que deve seguir regras rigorosas, mas não tem que conceder contrapartidas nem receber benefícios. Em resumo, são dois procedimentos diferentes, que não deveriam ser confundidos.
Além desta ambiguidade, ou talvez em virtude dela, existiam outros problemas na norma. Um exemplo disso é a tentativa de exigir documentos complementares ao relatório de avaliação, uma exigência que negligencia que os parâmetros de avaliação são objetivos e padronizados. Além das regras criadas, é interessante lançar foco em ao menos uma das normas revogadas: a Portaria 328/2018.
A partir dessa revogação ficava aberto caminho para novos processos de aumento de vagas e para novos editais do Mais Médicos. Esta mudança, na verdade, estava na base da nova norma, que surgiu de um suposto estudo de 04 anos realizado durante a moratória imposta pela portaria de 2018. Todavia, o que se observa é que houve mais ênfase em criar normas restritivas que substituíssem a moratória do que em divulgar os resultados dos “estudos”.
Não deve ser por outro motivo que a Portaria 1/2023, ao revogar a Portaria 1.061/2022, repristinou o ato normativo que sustentava a moratória. "Repristinar" é restaurar a vigência da norma, ou seja, fazer valer, outra vez a Portaria 328/2018 e a moratória de cursos e aumento de vagas de medicina até abril de 2023. Por isso, hoje tudo está como antes, apesar de agora existir um dia útil de lacuna, o dia 2 de janeiro, no qual vigorou a Portaria 1.061/2022 e a abertura, por exemplo, para pedidos de aumentos de vagas.
Enfim, o ano terminou com uma nova norma, mas com os mesmos problemas técnicos antigos. E 2023 já começa com uma polêmica restaurada: serão abertos novos editais ou o mercado de cursos de medicina será mantido fechado? Vamos aguardar para saber.
Gostou deste texto? Faça parte de nossa lista de e-mail para receber regularmente materiais como este. Fazendo seu cadastro você também pode receber notícias sobre nossos cursos, que oferecem informações atualizadas e metodologias adaptadas aos participantes.
Temos cursos regulares já consagrados e modelamos cursos in company sobre temas gerais ou específicos relacionados ao Direito da Educação Superior. Conheça nossas opções e participe de nossos eventos.
Commenti