Nos últimos meses a criação de um regramento para o uso da Inteligência Artificial tem fomentado pautas importantes no Judiciário e no Legislativo brasileiro e é de grande importância que exista um amplo debate sobre o tema com a participação de diversos setores interessados.
Afinal, nada fácil regular uma tecnologia disruptiva e em pleno desenvolvimento. Neste texto vamos entender um pouco sobre a tramitação no Congresso Nacional do Marco Legal para o uso e desenvolvimento de IA.
Além dos debates no Parlamento, várias entidades da sociedade civil têm se reunido com órgãos governamentais para auxiliar na discussão dos tópicos afins, como ocorreu, por exemplo, no dia 18 de abril, quando a Autoridade Nacional de Proteção de Dados recebeu representantes da Coalizão Direitos na Rede – CDR, rede com mais de 50 organizações civis que defende princípios relacionados à liberdade de informação e expressão, privacidade, dados pessoais, entre outros.
Neste caso específico, o objetivo da reunião foi estreitar o relacionamento da ANPD com os representantes do grupo que trabalham com AI, abrindo um espaço de articulação entre as entidades. A ideia é reforçar os diálogos técnicos desenvolvidos pela sociedade civil que gerem reflexo na regulação da Inteligência Artificial no Brasil.
Seminários e estudos
Vários eventos e seminários também têm sido realizados pelo Judiciário para reunir especialistas no tema. No dia 17 de abril o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, realizaram o Seminário “A construção do Marco Regulatório da Inteligência Artificial no Brasil”.
O evento teve por objetivo debater sobre a elaboração do Marco Regulatório e tratar das principais repercussões para o setor de inovação tecnocientífica a partir da implementação de ferramentas de governança regulatória. Ele está disponível no Youtube; vale a pena conferir.
Tramitação do projeto de lei 21/2020
O projeto de lei 21/2020, de autoria do Deputado Federal Eduardo Bismarck, do PDT/CE, foi apresentado em fevereiro de 2020 e estabelece fundamentos, princípios e diretrizes para o desenvolvimento e a aplicação da inteligência artificial no Brasil e dá outras providências. Foi aprovado na Câmara dos Deputados em meados de 2021 e agora, em 2023, uma minuta elaborada por uma comissão de juristas já foi entregue ao presidente do Senado. Ao longo do ano de 2022, comissão específica reuniu em audiências públicas especialistas nacionais e internacionais para tratar o tema. Posteriormente, aprovada a lei no Congresso, caberá privativamente à União legislar e editar normas sobre a matéria.
Pois bem, o texto do projeto de lei define como sistemas de inteligência artificial as representações tecnológicas oriundas do campo da informática e da ciência da computação.
É um conceito amplo e que recebe tantas definições quanto significados diferentes à palavra inteligência. É possível considerar algumas características básicas desses sistemas, como a capacidade de raciocínio (aplicar regras lógicas a um conjunto de dados disponíveis para chegar a uma conclusão), aprendizagem (aprender com os erros e acertos para que no futuro possa agir de maneira mais eficaz), reconhecer padrões (tanto padrões visuais e sensoriais, como também padrões de comportamento) e inferência (capacidade de conseguir aplicar o raciocínio nas situações do nosso cotidiano).
Apenas recentemente, com o surgimento do computador moderno, é que a inteligência artificial ganhou meios e massa crítica para se estabelecer como ciência integral, com problemáticas e metodologias próprias. Desde então, seu desenvolvimento tem extrapolado os clássicos programas de xadrez ou de conversão e envolvido áreas como visão computacional, análise e síntese da voz, lógica difusa, redes neurais artificiais e muitas outras. Inicialmente, os modelos de IA visavam reproduzir o pensamento humano. Posteriormente, no entanto, tais modelos abraçaram a ideia de reproduzir capacidades humanas como criatividade, auto aperfeiçoamento e uso da linguagem. Porém, o conceito de inteligência artificial ainda é bastante difícil de se definir. Por essa razão, Inteligência Artificial foi (e continua sendo) uma noção que dispõe de múltiplas interpretações, não raro conflitantes ou circulares. (Definição de IA da Wikipedia)
O que mais importa neste momento é que o texto já aprovado pela Câmara sinaliza para o mundo que o Brasil está atento a esta inovação e que pretende que os órgãos públicos monitorem a gestão do risco dos sistemas de inteligência artificial nos casos concretos, avaliando os riscos de sua aplicação e as medidas de mitigação de danos.
Também, que o país pretende estabelecer direitos, deveres e responsabilidades e que reconhece as instituições de autorregulação. Outra questão importante é quanto ao uso transparente e ético de sistemas de IA no setor público, onde o poder público federal deverá promover a gestão estratégica e as estritas orientações.
Os fundamentos do uso da inteligência artificial no Brasil estão dispostos no art. 4º do PL e mostram claramente sobre qual conjunto de regras básicas de organização e funcionamento a tecnologia deve se basear.
Quais sejam: o desenvolvimento tecnológico e a inovação; a livre iniciativa e a livre concorrência; o respeito aos direitos humanos e aos valores democráticos; a igualdade, a não discriminação, a pluralidade e o respeito aos direitos trabalhistas; e a privacidade e a proteção de dados.
Além dos fundamentos, objetivos e princípios previstos, o projeto leva em conta a relevância da inteligência artificial para a inovação, o aumento da competitividade, o crescimento econômico sustentável e inclusivo e a promoção do desenvolvimento humano e social.
Afinal, e isto não mais se discute, inclusive sendo conteúdo da justificativa do projeto de lei, a Inteligência Artificial tem transformado sociedades, setores econômicos e o mundo do trabalho, sendo inevitável seu avanço.
A propósito, a OCDE, no primeiro semestre de 2019, já anunciou os princípios para o desenvolvimento da tecnologia e o Brasil é um dos signatários do documento, que recomenda que os aderentes promovam e implementem os “princípios éticos para a administração responsável de IA”.
Com tudo isto, diante deste cenário, se torna necessária a publicação de legislação sobre a matéria, tornando obrigatórios os princípios consagrados no âmbito internacional e disciplinando os direitos e deveres afins.
Por sinal, existem outras proposituras pretendendo regular o uso da IA no Brasil: alguns mais gerais, outros mais específicos. O PL 21/2020 vem condensando as propostas - via apensos - e aguarda outros futuros.
Questões
A expansão da IA exige transições no mercado de trabalho e traz implicações para os direitos humanos e para a privacidade e proteção de dados. Estes últimos temas foram tratados no projeto de lei observando-se as normas previstas na Lei Geral de Proteção de Dados.
Da mesma forma, é preocupação do projeto de lei a inovação na gestão pública para que o Estado supere obstáculos burocráticos e restrições orçamentárias e ofereça serviços mais eficientes à população.
Por ora focamos nos aspectos gerais do projeto, mas em breve falaremos também sobre os perigos para os quais a sociedade precisa ficar atenta quando lidamos com esta tecnologia, sobretudo para evitar discriminações socioeconômicas, política, de raça, de gênero e afins, e para alertar a população para os riscos existentes nas mais triviais aplicações em nosso dia a dia.
Também publicaremos sobre o que os legisladores precisarão antever como eventuais possibilidades no uso e desenvolvimento das ferramentas, sobretudo para determinar as responsabilidades dos desenvolvedores e empreendedores do setor e salvaguardar o usuário.
Por fim, a segurança digital é um fator essencial para a transformação decorrente da IA e, diante da complexidade do tema, o projeto de lei deve mesmo receber opiniões de diversos setores da sociedade e do poder público.
Atualização: a matéria do PL 21/2020 está tramitando juntamente com a do PL nº 2338/2023.
Leia mais:
Gostou deste texto? Faça parte de nossa lista de e-mail para receber regularmente materiais como este. Fazendo seu cadastro você também pode receber notícias sobre nossos cursos, que oferecem informações atualizadas e metodologias adaptadas aos participantes.
Temos cursos regulares já consagrados e modelamos cursos in company sobre temas gerais ou específicos relacionados ao Direito da Educação Superior. Conheça nossas opções e participe de nossos eventos.
Comments