De acordo com a World Health Organization, a maioria dos governos de todo o mundo fecharam as instituições educacionais na tentativa de conter a pandemia da COVID-19 e essa paralização provocou impacto em mais de 70% da população estudantil do mundo.
UNESCO e UNICEF, agências da ONU voltadas para a educação e defesa dos direitos das crianças, respectivamente, já definiram, desde abril desse ano, que o fechamento de escolas em todo o mundo apresenta um risco sem precedentes para a educação, a proteção e o bem-estar infantil.
À época ainda não havia evidências suficientes para verificar o efeito da suspensão das aulas no risco de transmissão da doença, mas já se conheciam os efeitos adversos da medida sobre a segurança, o bem-estar e a aprendizagem das crianças. Infelizmente, são bem documentadas as graves consequências de longo prazo para as economias e sociedades, notadamente o aumento das desigualdades.
De acordo com a UNICEF, quanto mais tempo as crianças, principalmente as mais vulneráveis socialmente, permanecerem fora da escola, menor será a probabilidade de elas retornarem. Estar fora das salas de aula, de acordo com o documento apresentado pela agência internacional, também aumenta o risco de gravidez na adolescência, exploração sexual, casamento infantil e violência, entre outras ameaças. O fechamento prolongado também interrompe serviços essenciais da escola como vacinação, merenda, apoio à saúde mental e psicossocial, podendo causar ainda estresse e ansiedade devido à falta de interação com os colegas e à interrupção das rotinas.
A suspensão das aulas presenciais foi medida imprescindível de prevenção contra o espalhamento da doença, comprometida na essência com a saúde dos estudantes.
A triste constatação é a de que não há decisão desse porte sem algum prejuízo e por ora a sociedade enfrenta o desafio de retomar aulas presenciais e arriscar o espalhamento do vírus ou manter escolas fechadas e lidar com as implicações sociais, econômicas e de bem-estar que isso provoca.
Não há dúvidas, enfim, de que há consequências adversas do fechamento das escolas, como algumas das citadas pela UNESCO:
Aprendizagem interrompida;
Má nutrição;
Confusão e estresse para professores;
Pais despreparados para a educação a distância em casa;
Desafios na criação, manutenção e melhoria do ensino a distância;
Lacunas no cuidado às crianças;
Aumento das taxas de abandono escolar;
Maior exposição à violência e à exploração;
Isolamento social;
Desafios para mensurar e validar a aprendizagem.
Os dados da instituição são de aproximadamente 258 milhões de alunos no mundo todo sem condições de estudar; a maioria, obviamente, em países menos desenvolvidos e desse montante há o risco de que 24 milhões abandonem definitivamente os estudos.
Às autoridades resta trabalhar promovendo e salvaguardando o direito de todas as crianças à saúde e à segurança, mas também à educação, conforme estabelecido na Convenção sobre os Direitos da Criança.
“Quando e como reabrir as escolas é, hoje, uma das decisões mais difíceis e sensíveis das agendas políticas. É seguro reabrir as escolas, ou existe o risco de reativar os contágios? Quais são as consequências para a saúde mental e para o desenvolvimento social das crianças? Os estudantes envolvidos no ensino a distância estão realmente aprendendo? E, quando chegar a hora, como as escolas garantirão o retorno dos estudantes, e como elas ajudarão aqueles que ficaram para trás durante o período de fechamento?” (Reabrir as escolas: quando, onde e como?)
Marco de ação e recomendações para a reabertura de escolas
Se a reabertura das escolas é desejada, reproduzindo o título do texto apresentado no site da UNESCO, quando, onde e como fazê-lo? As agências internacionais recomendam alguns critérios e alertam que a redução de casos e mortes pela Covid-19 não pode ser o único indicador para retorno das atividades nos países.
Além de o retorno ser planejado em 03 momentos distintos, ou seja, preparação, início das atividades com monitoramento e acompanhamento com possibilidades de fechamento de grupos, turnos ou da escola, alguns critérios devem ser reforçados para o retorno, critérios esses que já foram colocados em documentos da Ensp/Fiocruz:
A transmissão da doença deve estar controlada e o município deve ter disponibilidade de pelo menos 30% de leitos disponíveis, com diminuição constante do número de hospitalizações e internações nas últimas duas semanas, além de redução do número de mortes pelo menos nas últimas três semanas;
Um rígido protocolo deve ser adotado com medidas sanitárias, higienização e garantia de distanciamento entre as pessoas. Deve ser exigido uso de máscaras para todos os trabalhadores, profissionais da educação e alunos (dos 2 a 10 anos);
O transporte público e escolar deve ser reorganizado para garantir o distanciamento social;
O risco de importação de doença deve ser controlado;
Estudantes especiais devem ser amparados;
Professores e suas organizações representativas devem ser incluídos nas discussões sobre o retorno à escola e questões relacionadas à reorganização da sala de aula, por exemplo;
Trabalhadores da educação e professores acima de 60 anos ou com comorbidades no isolamento social devem ser mantidos em isolamento social.
As recomendações incluem garantir melhores condições de trabalho para toda a comunidade escolar: é importante que os gestores não adotem práticas que possam prejudicar a atividade didática e a qualidade da educação, como aumentar as horas de ensino ou recrutar professores não capacitados.
Vários órgãos e instituições, enfim, governamentais ou não, por todo o mundo, publicaram protocolos e marcos de ação para a reabertura das escolas.
Confira alguns deles:
A retomada é heterogênea no país
Passados mais de 5 meses do fechamento das escolas, presenciamos situações heterogêneas no país. Uma decisão judicial na terça-feira, dia 04 de agosto, permitiu o retorno às atividades presenciais em unidades particulares na cidade de Brasília/DF. As instituições de ensino, todavia, ainda não abriram as portas. Existe uma instabilidade judicial sobre o retorno das aulas e notadamente incerteza para donos de escolas e pais.
No caso de Pernambuco o retorno às salas de aula ocorrerá a partir de 17 de agosto e será optativa por parte dos pais e estudantes. As atividades presenciais poderão ser mescladas com atividades à distância. De acordo com o secretário de Educação do Estado, Fred Amâncio, os índices de contágio do coronavírus permanecem em queda, indicando que o Estado tem capacidade de dar esse passo.
São Paulo/SP anuncia testes com alunos da rede municipal para decidir a volta às aulas: a prefeitura realizará testes sorológicos em 6 mil estudantes e a decisão final sobre o retorno das aulas presenciais será apresentada após o dia 20 de agosto.
O uso de testes sorológicos é realmente o mais indicado para auxiliar a identificar grupos ou populações que já tiveram contato com o vírus, auxiliando o gestor de saúde a avaliar a população ou grupo de risco para adotar as medidas de controle. No caso da cidade de São Paulo, os dados dos testes – realizados em alunos sorteados - constarão de pesquisa para medir a extensão da imunidade nas crianças na rede municipal de ensino.
O governador de São Paulo também já havia anunciado no final do mês de junho que a retomada de aulas presenciais em todos os níveis de ensino das redes pública e particular estaria previsto para o dia 08 de setembro, em fases. No dia 07 de agosto, contudo, adiou a previsão para 07 de outubro, justamente por não terem sido cumpridas as condições impostas para o retorno.
Nos termos da gestão estadual, a expectativa inicial é de que as salas recebam apenas 35% dos alunos, o que deve ser feito via revezamento de estudantes durante a semana. O governo anunciou que seguirá rígidos protocolos de segurança e que nenhuma decisão será tomada sem debates prévios com o Comitê de Saúde do estado; isso para garantir prevenção e segurança a alunos, professores e funcionários das redes pública e privada de ensino.
É bom ressaltar que esse cronograma de reabertura das escolas já estava previsto no chamado Plano São Paulo e a reabertura das escolas só deve acontecer se todas as regiões do estado permanecerem na etapa amarela por 28 dias consecutivos, o que significaria uma estabilização consolidada e situação de segurança.
Posteriormente, caso ao menos 10 dos 17 Departamentos Regionais de Saúde do Estado permanecerem por 14 dias consecutivos na fase verde, serão 70% dos alunos de volta às escolas.
A totalidade dos alunos em sala de aula concomitantemente só será admita quando ao menos 13 dos 17 Departamentos Regionais de Saúde estejam por outros 14 dias na fase verde e se uma região regredir de fase a reabertura das escolas será suspensa em todas as cidades daquela área.
Escolas de idiomas, música e atividades diversas já estão autorizadas nas regiões que atingirem os indicadores de saúde exigidos para classificação na fase amarela. As escolas, segundo as autoridades, deverão obedecer a rígidos protocolos de segurança para a reabertura.
Os dados brasileiros
Infelizmente, os dados do Brasil ainda parecem indicar que a pandemia – de uma maneira geral - está fora do controle. Dados do Boletim InfoGripe da Fiocruz mostram que enquanto vários estados enfrentam o crescimento da primeira onda de novos casos semanais da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) (situação de todos os da região Sul, além de Sergipe e Mato Grosso do Sul), outros já dão sinais do início da chamada “segunda onda”.
É o caso do Amapá, do Maranhão, do Ceará e do Rio de Janeiro. Nestes estados o número de novos casos semanais atingiu um pico, iniciou processo de queda, mas já voltou a subir. Em Alagoas, por exemplo, o número de casos voltou a crescer sem nunca ter caído.
O cenário nacional como um todo ainda não é favorável e os dados indicam manutenção do número de crescimento de novos casos semanais após leve queda observada no mês de maio.
Se o estado de São Paulo não atingir as metas definidas terá de postergar a data da volta às aulas e caso continue com o planejamento precisará estar bastante vigilante para caso necessite retroceder, como o fizeram várias escolas na França, que fecharam suas portas após uma semana de funcionamento ao detectarem novos casos entre alunos, trabalhadores e parentes.
O grande desafio
Inúmeros estudos têm sido publicados desde o início da pandemia e não existe um consenso sobre qual é o melhor caminho a seguir.
Ao mesmo tempo em que algumas pesquisas sugerem que é seguro reabrir escolas em localidades sem grandes surtos da doença - sempre mantendo medidas como distanciamento social e respeitando testes e rastreamento de contatos — outras demonstram que professores, funcionários e alunos de escolas secundárias estão em maior risco que crianças pequenas de contrair a covid-19 e que esses riscos não são diminutos.
Há vários estudos mostrando que grandes surtos da doença foram registrados em escolas e também há outros que sustentam que o fechamento das instituições provocam danos que superam os riscos enfrentados com a COVID-19, como pode ser lido na reportagem de 07 de agosto da BBC Brasil, “Coronavírus na escola: o que diz a ciência sobre os riscos da volta às aulas?”.
Resta-nos respeitar as determinações das autoridades de saúde acerca do momento da reabertura e, quando for a hora, agir com toda a cautela, crítica e observação necessárias. Se for preciso, recuar. E recomeçar para progredir.
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