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Vestibulares de medicina: a União reclama, o STF tende a manter

No dia 18 de fevereiro, o Ministro André Mendonça negou mais uma Reclamação Constitucional movida pela União contra a decisão favorável a um curso de medicina, pendente de análise no Ministério da Educação. O conflito parece não ter um final.

A Constituição de 1988 garante a coexistência de cursos públicos e privados, desde que sejam respeitados os parâmetros de qualidade e a legislação educacional. No entanto, desde 2011, a educação médica tem enfrentado um cenário restritivo, limitando ou até mesmo impedindo a abertura de cursos privados.

Durante esse período, o mercado chegou a ficar completamente fechado por cinco anos. Até mesmo as políticas públicas de distribuição de cursos, previstas na Lei do Programa Mais Médicos, foram suspensas. Isso gerou muitos processos judiciais para autorizações de cursos de medicina – um típico caso de litígio estrutural decorrente da desfuncionalidade das instituições envolvidas no processo regulatório.

Decisão do STF e recrudescimento da postura do MEC

Em agosto de 2023, o STF, por meio da ADC 81, determinou a tramitação de centenas de processos. Embora o número pareça elevado, ele representa um acúmulo de dez anos de travas e disputas administrativas e judiciais. Desde então, o MEC passou a adotar uma postura ainda mais restritiva, criando normas contestáveis e desafiando o Poder Judiciário com reiterados descumprimentos de ordens judiciais.

Apesar dos pareceres de força executória da AGU, que recomendam o cumprimento de decisões judiciais e a realização de análises justas, o MEC descumpriu algumas determinações. Além disso evitou cumprir ordens judiciais, seja por meio do uso de regras de aditamento nos processos de autorização – tratando cursos novos como se estivessem requerendo apenas aumento de vagas – seja aplicando normas que ele mesmo havia revogado meses antes.

Paralelamente, a AGU tem tentado cassar essas decisões judiciais. Em alguns casos recorreu aos Tribunais Federais e chegou a apresentar pedidos de Suspensão aos presidentes das Cortes. No entanto, uma estratégia específica chama a atenção: o uso de reclamações diretamente ao Supremo Tribunal Federal.

À espera de um “foro privilegiado”?

Considerando a atitude inusual, o MEC parece presumir que a decisão do STF na ADC 81 lhe outorgou uma espécie de "foro privilegiado", assegurando proteção contra decisões de primeira e segunda instâncias. Assim, tem ignorado ordens judiciais que determinam o afastamento de regras ilegais ou a revisão de indeferimentos baseados nessas regras.

Esse descumprimento resultou em intimações mais severas contra o MEC, com imposição de multas e até outras providências mais gravosas. Depois disso, a inércia do Órgão, levou o Judiciário a adotar uma medida extrema: a autorização da abertura de vestibulares antes da concessão formal da autorização do MEC.

Embora essa medida seja polêmica, poderia ter sido evitada caso o MEC tivesse agido rapidamente para solucionar as pendências. Em vez disso, não acelerou os processos, continuou aplicando normas ilegais e, em alguns casos, sequer recorreu das decisões judiciais que autorizavam a realização dos vestibulares.

Em resumo, o Ministério, talvez confiando em uma atuação do STF, opôs tanta resistência às instâncias ordinárias que criou um problema ainda maior do que as discussões prévias sobre a abertura dos cursos.

Muitas reclamações, poucos fundamentos

Após perder alguns dos recursos que opôs em segunda instância, a União, que representa o MEC, passou a atuar diretamente no STF, alegando que a ADC 81 lhe conferia imunidade para desconsiderar decisões contrárias. O instrumento mais utilizado foi a Reclamação Constitucional.

Hoje, existem cerca de 20 reclamações envolvendo a ADC 81 e não foi só a União que as propôs, mas quase metade é dela. Esse tipo de ação pode ser utilizado quando ocorre descumprimento direto de uma decisão do STF, mas apenas se houver uma violação clara do entendimento firmado na Corte. Nesse sentido, por exemplo, existem decisões favoráveis e contrárias a andamentos de processos sobrestados com base na ADC 81 e nas reclamações que foram julgadas foi constatada a aderência estrita entre o assunto da petição e o julgado do STF.

No caso dos vestibulares de medicina, vieram as negativas em sequência por falta dessa aderência estrita. Três Ministros analisaram as reclamações e negaram seguimento a todas elas. O Ministro Flávio Dino, por exemplo, afirmou que:

“30. Tal contexto evidencia a ausência de estrita aderência entre as decisões reclamadas (e-docs. 20 e 22) e o paradigma apontado (ADC 81), o que torna a presente reclamação inadmissível (nesse sentido: RCL 36688 AgR, RCL 50423 AgR e Rcl 50296 AgR, Tribunal Pleno).
31. Registre-se que é a própria ADC 81, apontada como paradigma violado, que estabelece que é possível apresentar requerimento administrativo pela instalação de novos cursos de graduação em medicina em localidades específicas, devendo o Poder Público apresentar resposta fundamentada, de forma pública e em prazo razoável.” (Rcl. 67.271-BA, transitada em julgado)

Resultados favoráveis

Mesmo após essas primeiras negativas, o MEC não desistiu e tentou uma Suspensão de Tutela Provisória perante o Presidente do STF (STP 1.048-DF). Neste processo a União conseguiu que o Ministro Roberto Barroso suspendesse um vestibular. No entanto, Barroso deixou claro que atuava em regime “complementar e de urgência”, pois o processo seletivo estava agendado para o sábado seguinte, e ressaltou que sua decisão prevaleceria apenas até o julgamento do agravo na reclamação constitucional já indeferida pelo Min. Nunes Marques.

Essa vitória da União baseou-se em um argumento parcialmente verdadeiro. O fundamento aceito foi que o curso estava funcionando por ordem judicial, sem um “juízo técnico do MEC”. No entanto, a União não enfatizou que a principal decisão da Justiça Federal determinava que o MEC deveria dar um desfecho técnico e justo ao caso. Ou seja, o curso só começou a funcionar sem o aval do MEC porque ele demorou ou se recusou a julgar a autorização.

Outra vitória divulgada pela União foi um voto do Ministro Gilmar Mendes, a favor de acatar uma das reclamações (Rcl. 66.439-DF). Em meio a outras premissas claríssimas foi decisivo o argumentando que o padrão decisório havia sido estabelecido “menos de dois meses antes da prolação da decisão monocrática reclamada”, o que impediria a caracterização de atraso administrativo.

No entanto, o Voto, influenciado pela confusa defesa da União, deixou de considerar argumentos relevantes, como o fato de que o processo já tramitava há mais de um ano, que estava na fase de parecer final e que, desde setembro de 2023, o MEC vinha criando entraves burocráticos para todos os cursos, inclusive suspendendo avaliações presenciais e ameaçando arquivar processos. Além disso, contando-se o prazo do primeiro padrão decisório, a decisão reclamada veio quando já havia transcorrido aproximadamente cinco meses dos primeiros movimentos do MEC após a cautelar do STF.

Por outro lado, a elogiável autocontenção do Ministro impediu a análise do conteúdo do dito “Padrão Decisório”, uma norma cheia de defeitos que as instâncias ordinárias já estão afastando. Sobre este tema, a decisão do Ministro Flávio Dino na reclamação já citada foi esclarecedora:

“...o assentado na ADI 81 não impede que o Poder Judiciário, quando provocado, se manifeste sobre possível lesão ou ameaça a direito no que tange a pleitos relativos à abertura de cursos de graduação em medicina e, assim, à luz da legislação aplicável, fatos e provas, expeça comandos autorizativos.” (Rcl. 67.271-BA, transitada em julgado)

O último resultado nas reclamações

Além das três primeiras reclamações rejeitadas, uma quarta foi recentemente decidida da mesma forma. Mais uma vez, a União perdeu.

Agora, no voto do Ministro André Mendonça, relator do novo processo, três argumentos podem ser observados. Resumidamente os pontos destacados são os seguintes:

  •  A situação “decorreu de mera inércia do ente reclamante”;

  •  A imposição do vestibular, nas circunstâncias descritas no caso, não caracteriza “descumprimento da decisão cautelar” do STF na ADC 81;

Em complemento, com base na ADC 81, Mendonça afirmou que: “é recomendável, senão imperativo, que as ações judiciais em curso considerem as circunstâncias fáticas de cada caso”, por isso o Juízo reclamado não excedeu os limites da decisão do STF. No mesmo sentido, destacou que a reclamação não é o meio adequado para discutir o mérito das decisões administrativas e que essas questões devem ser tratadas “pelas instâncias ordinárias, com plena observância do princípio do devido processo legal” (Rcl. 74.992-DF).

A decisão é acertada. É preciso observar que ADC 81 trata do fluxo dos processos, não do conteúdo das decisões decorrentes dele. O padrão decisório do MEC até pode ser compatível com o julgado do STF, em termos gerais, mas se descumpre leis federais, se é complementado por notas técnicas desarrazoadas e se, no caso concreto, for interpretado erroneamente, deve ser discutido “pelas instâncias ordinárias”. Esse debate jurídico não cabe em embargos ou reclamação no STF, pois o MEC não tem foro privilegiado e a Ação de Constitucionalidade não é uma panaceia jurídica.

A situação parece comprovar que a União teme discutir casos concretos e assumir seus atrasos e descumprimentos de ordem judicial nas instâncias ordinárias. Isso não é bom indício.

Enfim, os processos judiciais, que são “procedimentos em contraditório” deveriam sempre ser valorizados e respeitados, assim como as ordens advindas de qualquer instância. O mau exemplo em questão já gerou multas e pode gerar responsabilidade civil e administrativa, isso não é bom. O MEC, que poderia ter evitado todos os vestibulares que agora a União contesta, simplesmente decidindo os processos e cumprindo as primeiras ordens judiciais, precisa refletir sobre isso..


Jacobs Monteiro

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