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Ana Luiza Santos e Edgar Jacobs

O CRM/MT e a insistência em regular a atuação do profissional médico docente

Em 03 de outubro deste ano, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul publicou Resolução vedando ao profissional médico docente exercer seu trabalho se se tratasse de disciplina especificamente médica em Curso de Graduação em Medicina ou Residência Médica em faculdade que:


  • não tivesse autorização de funcionamento concedida pelo Ministério da Educação ou concedido por ordem judicial;

  • não possuísse condições mínimas para o ensino médico, nos termos definidos pelo MEC e critérios exigidos pelos Conselho Federal ou Regional de Medicina para a fiscalização do ensino médico.


A Resolução também estipulou critérios inovadores, como a instituição de ensino empregadora ter metas para corpo docente em regime de tempo integral e com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado, bem como possuir corpo docente e técnico com capacidade comprovada para desenvolver pesquisa de boa qualidade.


Outros requisitos foram erroneamente impostos, bem como definidas exigências para aumento de vagas já estipuladas na Portaria SERES/MEC 531. O fato é que, na ocasião, deixamos claro que o Conselho não tem competência para regular a atuação do médico enquanto professor. O exercício de atividade docente na educação superior sequer se sujeita à inscrição do professor em órgão de regulamentação profissional.


Leia nosso texto



Como se não bastasse, em 11 de outubro, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Mato Grosso publicou a Resolução CRM-MT nº 11, que, embora com algumas regras divergentes, muito se assemelha, em seu contexto, à Resolução do Rio Grande do Sul.


Inicialmente, em seu artigo 1º, a normativa já afirma que a organização, desenvolvimento, avaliação, competências dos graduados e a garantia das condições de formação dos cursos de medicina das Instituições de Ensino Superior (IES) públicas ou privadas no estado de Mato Grosso são de responsabilidade do coordenador, o qual, no âmbito de suas respectivas atribuições, responderá perante o Conselho Regional de Medicina.


Como já pontuamos, os Conselhos Profissionais não tem competência para regular a atuação do médico enquanto professor. O Decreto nº  9235/4017, que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação das instituições de educação superior e dos cursos superiores de graduação e de pós-graduação no sistema federal de ensino, em seu artigo 93, é bem claro ao especificar que o exercício de atividade docente na educação superior não se sujeita à inscrição do professor em órgão de regulamentação profissional.


Extrapolando limites


Perceba, a Resolução do CRM do Mato Grosso impõe algumas regras/critérios aos coordenadores dos cursos de Medicina que realmente não são discrepantes com as exigências do MEC, com outras normativas educacionais e com a Constituição Federal.

Por exemplo, ela impõe como dever do coordenador:


  • assegurar as condições necessárias para a melhor formação dos futuros médicos, em benefício da população, sendo os responsáveis por todas as etapas e competências determinadas pela Diretriz Curricular Nacional do curso ou;

  • assegurar que o graduado em Medicina tenha formação geral, humanista, crítica, reflexiva, ética, com capacidade para atuar nos diferentes níveis de atenção à saúde, com responsabilidade social, na defesa da vida e dignidade humana.


Todavia, vários outros deveres atribuídos aos coordenadores na normativa são excêntricos, como comunicar, por escrito e sob protocolo, ao CRM-MT o nome completo da IES do curso de Medicina que foi designado, bem como a grade curricular, nome dos alunos por ano de atividade, quadro de docentes com a respectiva graduação e os convênios dos campos de estágios práticos firmados.


Ou “assegurar ao Conselho Regional de Medicina acesso às instalações físicas dos diversos campos de formação do curso e notifica-lo imediatamente, por escrito e sob protocolo, de todas as transferências de alunos recepcionadas pelo curso tanto advindas de IES nacionais, quanto advindas do exterior”


Ora, as profissões são regulamentadas por lei e o exercício destas profissões é fiscalizado pelos Conselhos de Classe Profissionais.


Eles se incumbem de fiscalizar as profissões e os profissionais, mas não podem se imiscuir nas instituições de ensino, que, além de tudo, no caso das universidades privadas ligadas ao sistema federal de ensino, ainda possuem a garantia constitucional da Autonomia Universitária, que compreende a capacidade de gerir a si mesmo, de forma ampla, administrativa, didático-científica e financeiramente, sem quaisquer interferências exteriores.


Apenas o MEC, como órgão regulador do ensino superior, poderá fiscaliza-las e o fato de alguns Conselhos Profissionais interferirem nestes assuntos não legitima a ingerência.


A Resolução do CRM-MT também relaciona – como o fez o CREMERS - condições mínimas para o ensino médico como número de leitos do SUS disponíveis por aluno em quantidade maior ou igual a cinco; número de alunos por Equipe de Atenção Básica menor ou igual a três; e grau de comprometimento dos leitos do SUS para utilização acadêmica. Já sabemos que este critério negligencia a diversidade de formas de aprendizagem e de espaços de prática médica. Além disto, o CNE já demonstrou a necessidade de reflexão sobre o sistema de relacionar apenas leitos hospitalares ao número de alunos para a definição do número de vagas.


Finalmente, a norma do Conselho mato-grossense também convenciona como dever do coordenador do curso de Medicina assegurar hospital de ensino próprio ou conveniado à IES com mais de 80 leitos cadastrados no CNES, vedando o compartilhamento com outras IES.


Tal determinação é um óbice à instalação de um excelente curso médico em um município que poderia usufruir de hospital de ensino ou unidade hospitalar de um município vizinho ou, inclusive, se utilizar de outras formas de aprendizagem e de espaços de prática médica. Não por outra razão o STF vem decidindo que os cursos de Medicina devem atender à necessidade social da região de saúde, o que contribui para o desenvolvimento do SUS, o norte interpretativo das decisões do Supremo.


Enfim, o cenário é o da interferência indevida dos Conselhos Profissionais sobre as universidades e seus cursos, interferência conhecida e já declarada pelo Conselho Nacional de Educação em diversos pareceres.


Esta ingerência representa uma estratégia, em conjunto com o Conselho federal de Medicina, para barrar a abertura de novos cursos no país. Novamente, mais uma normativa degenerada pela ilegalidade.


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