Tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, são equivalentes às emendas constitucionais. Foi o que aconteceu com o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinado em Nova Iorque, em 30 de março de 2007.
Aprovado posteriormente pelo Decreto Legislativo nº 186/2008 e pelo Decreto Presidencial nº 6949/2009, a Convenção Internacional se tornou parte do arcabouço legal do país, dando origem, posteriormente, à Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, a Lei nº 13.146/15.
Quando da Convenção da ONU, portanto, os Estados Partes reconheceram o direito das pessoas com deficiência à educação, determinando que devessem assegurar um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo da vida, garantindo, da mesma maneira, a provisão de adaptações razoáveis para todas as pessoas com deficiência. A ideia de que nenhum tipo de aluno poderia ser rejeitado pelas escolas e que medidas em prol da inclusão estaria nas mãos de professores, alunos, familiares, técnicos, funcionários, demais componentes da comunidade escolar e autoridades foi devidamente ratificada.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência, então, a Lei nº 13.146/15, deu sequência às inovações trazidas pela Convenção e, no que diz respeito à educação, reforçou o dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade em assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação.
A obrigação geral é de toda a sociedade, mas o poder público é responsável por um rol de atividades que concretizem o sistema educacional inclusivo, como, por exemplo, pelo projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, pela adoção de práticas pedagógicas inclusivas, pelos programas de formação inicial e continuada de professores e oferta de formação continuada para o atendimento educacional especializado, dentre outras.
Uma nova politica, entretanto, proposta durante o governo Temer e levada a cabo pelo atual governo, foi publicada, flexibilizando os sistemas educacionais e oferecendo a maleabilidade de existirem também, como alternativas, escolas especiais, classes especiais e escolas bilíngues, o que, ao fim e ao cabo, anula o princípio da educação inclusiva. A norma foi o Decreto nº 10.502, de 30 de setembro de 2020.
Leia:
Ação direta de inconstitucionalidade
No final de outubro de 2020, seguindo as teorias de grande parte dos especialistas em educação, o Partido Socialista Brasileiro – PSB Nacional – ajuizou ação direta de inconstitucionalidade em face do Decreto Presidencial por violar preceitos fundamentais da Constituição Federal como o direito à educação, à dignidade da pessoa humana e à não discriminação.
Defendeu que os alunos com deficiência continuem frequentando instituições de ensino comum, sob pena de um retrocesso absurdo na legislação e afronta à ratificada Convenção das Nações Unidas.
Além dos argumentos jurídicos, o PSB apresentou relatório do Instituto Alana que reuniu evidências de mais de 280 estudos em 25 países e que demonstra que configurações inclusivas de ensino (aquelas nas quais crianças com deficiência são escolarizadas ao lado de seus pares sem deficiência) conferem benefícios substanciais a curto e a longo prazo para o desenvolvimento cognitivo e social da criança.
Menciona também a ausência de participação das pessoas com deficiência na construção da nova política nacional de educação especial e, ao final, requer a declaração de inconstitucionalidade do Decreto.
A liminar do ministro Dias Toffoli
No dia 01° de dezembro, atendendo aos pedidos na ação de inconstitucionalidade, o ministro Toffoli suspendeu o decreto 10.502/20. A decisão liminar se deu na ADIn 6.590 e ainda precisa ser referendada pelo plenário.
Para o ministro Toffoli o decreto, que tem por objetivo regulamentar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, na verdade está inovando no ordenamento jurídico, já que não se limita a pormenorizar os termos da lei regulamentada. Ele promove a introdução de uma nova política educacional nacional, com o estabelecimento de institutos, serviços e obrigações que até então não estavam inseridos na disciplina da educação do país.
Ressaltou que a Constituição Federal garante o atendimento especializado às pessoas com deficiência preferencialmente na rede regular de ensino, e que, ao internalizar a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, por meio do decreto presidencial 6.949/09, o país assumiu um compromisso com a educação inclusiva, "ou seja, com uma educação que agrega e acolhe as pessoas com deficiência ou necessidades especiais no ensino regular, ao invés de segregá-las em grupos apartados da própria comunidade".
Também menciona que uma interpretação sistemática dos princípios e dispositivos constitucionais sobre a questão mostra que nosso atual modelo confere prioridade absoluta à educação inclusiva e que não cabe ao Poder Público recorrer aos institutos das classes e escolas especializadas para deixar de tomar providências para a inclusão de todos os estudantes.
Enfim, entende que a Política Nacional de Educação Especial, ao não priorizar a matrícula desses alunos no sistema educacional geral, contraria o modelo já adotado no país.
O relator expôs que o decreto pode fortalecer políticas públicas que fragilizam o imperativo da inclusão de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento/altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino.
“É bem verdade que a educação inclusiva nem sempre foi o paradigma para a escolarização de pessoas com deficiência no Brasil, sendo certo que, por muito tempo, foi dado um olhar precipuamente terapêutico, com pouca ênfase às atividades educacionais e acadêmicas.
O paradigma da educação inclusiva, portanto, é o resultado de um processo de conquistas sociais que afastaram a ideia de vivência segregada das pessoas com deficiência ou necessidades especiais para inseri-las no contexto da comunidade.
O ministro requereu à Presidência da República informações no prazo de três dias e determinou a intimação do advogado-geral da União e do procurador-geral da República para se manifestarem antes do julgamento do referendo da medida cautelar.
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