Com os debates sobre a volta ou não às aulas presenciais, é interessante conhecer o posicionamento de alguns cientistas que apostam que a vacinação de crianças contra a Covid-19 pode ser uma saída para erradicar a doença. O assunto é tema nos Estados Unidos, onde, até o momento, duas vacinas receberam sinal verde para uso emergencial e ambas estão disponíveis apenas para maiores de idade. A vacina Moderna, em verdade, é autorizada para pessoas com mais de 18 anos, enquanto a vacina da Pfizer é permitida para maiores de 16.
Na semana passada, funcionários da Pfizer anunciaram que terminaram de inscrever mais de 2.200 pessoas em um teste de vacina que inclui crianças de até 12 anos, e a Moderna atualmente está em processo de inscrição de adolescentes. Tais condutas preparam o terreno para que as empresas incluam pelo menos os adolescentes em seus pedidos de aprovação do FDA.
É fato notório que as vacinas ainda são escassas em todo o mundo, de maneira geral. E há um difícil cálculo de priorizar quem deve recebê-las. As crianças, portanto, nesse momento, ocupariam um nicho estranho, nas palavras de Gregory Barber, que escreveu sobre o assunto em meados de janeiro, pois a taxa de mortes e hospitalizações delas é reduzida frente as outras faixas etárias, e há também algumas - embora às vezes conflitantes - evidências de que elas podem espalhar o vírus em taxas mais baixas do que os adultos.
Entre vacinar um idoso de 80 e um rapaz de 15 anos, a pessoa mais velha e com maior risco de doença grave é a escolha óbvia, mas há muitos motivos pelos quais os jovens também deveriam receber a imunização.
Algo interessante a se considerar é que cada adolescente de 15 anos é diferente. Jovens com doenças preexistentes estão propensos a resultados piores com o COVID-19 e muitos adolescentes trabalham fora de casa em áreas como serviços de alimentação. Nos Estados Unidos, segundo texto publicado na The Wired, mais de três quartos das mortes infantis ocorreram entre crianças hispânicas, negras e índias americanas, e outros efeitos da doença, como MIS-C, a doença imunológica que às vezes acompanha a infecção por COVID-19 em crianças, têm disparidades semelhantes.
Há médicos também alertando que estamos focados em mortes e hospitalizações e ainda não pensamos sobre os efeitos de longo prazo. Se não tivermos a opção de vacinar as crianças, um retorno à vida normal faria com que o vírus causasse um impacto baixo, mas constante, nesses indivíduos, o que impede que a doença seja erradicada.
É fato também que o número de vacinas necessárias para interromper a livre circulação do vírus dependerá de quão bem as vacinas reduzem a transmissão, bem como a doença. Vacinar 70% da população é uma boa regra prática e se quisermos atingir os níveis de imunidade comunitária de que precisamos, excluir crianças vai fazer com que isso seja muito desafiador.
Campanhas de vacinas existentes costumam seguir esse princípio básico. Nos EUA, no caso da vacina pneumocócica, por exemplo, imunizar as crianças foi considerado melhor para suprimir a propagação da bactéria entre os idosos, que estão em maior risco, do que visar diretamente às pessoas mais velhas. O principal benefício da vacina contra rubéola em crianças, da mesma forma, é o de reduzir a propagação para mulheres grávidas e seus bebês, que podem ter complicações graves.
Crianças pequenas também vão rotineiramente ao médico para check-ups e reforços; então, para uma cobertura imunológica máxima, quanto mais jovem, melhor.
Infelizmente, ao que tudo indica - e ainda que exista esse planejamento - testes para o grupo de menores de 12 anos ainda demandarão um bom tempo. As quatro vacinas principais que podem ser utilizadas nos Estados Unidos, incluindo aquelas feitas pela AstraZeneca e Johnson & Johnson, têm planos iminentes de incluir adolescentes em seus testes, mas nenhum deles tem um cronograma definido para o teste em crianças mais novas.
Medo da vacina
Nesse ínterim, o foco passa a ser a aceitação por aqueles que serão elegíveis à vacina. Nas últimas semanas, temos presenciado, especialmente na TV, vacinação de profissionais da saúde e idosos que estavam ansiosos pela injeção. Todavia, sabemos que é uma população que se auto seleciona.
Muito antes da pandemia do coronavírus o mundo – em especial a América do Norte e a Europa - tem sofrido com muitos mitos e argumentos contrários à vacinação. Esse fenômeno sempre existiu, na verdade, mas começou a ser visualizado com mais clareza (e também no Brasil) a partir de 2017.
Os negacionistas da vacina fazem uso dos recursos da internet e se baseiam em ideias sem nenhuma comprovação científica e em teorias da conspiração. Podemos citar o caso do médico britânico Andrew Wakefield, que publicou um estudo fraudulento em uma conceituada revista científica, relacionando a vacina tríplice viral ao autismo. Apesar da revista ter verificado os erros no estudo e de Wakefield ter perdido o registro médico, até hoje grupos antivacina o utilizam como argumento, em uma nítida prática de má-fé.
Também há aqueles envoltos em teorias da conspiração mirabolantes, espalhadas feito água por meio das redes sociais. São vídeos e textos de supostos cientistas e de líderes religiosos que circulam fartamente, desinformando a população de maneira criminosa. Infelizmente, o ano da pandemia marcou a explosão das teorias antivacina, uma das dez maiores ameaças à saúde global segundo a OMS.
Outro motivo do surgimento dos contrários à vacinação está associado à falta de vivência da mortalidade que alguns vírus causavam no passado. Segundo Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, as vacinas estão culturalmente vinculadas à percepção de risco da doença. Quando se trata de doenças erradicadas, a população tem mais dificuldade de enxergar seus perigos.
Infelizmente, doenças já debeladas no passado têm voltado a aparecer em alguns países. Em 2019 o Brasil saiu da lista de países livres do Sarampo, doença que pode ser evitada por meio da vacina tetra viral, que protege também contra a caxumba e rubéola. Em São Paulo foi detectado um aumento de mais de 400 casos no mês de agosto de 2019.
Quando o Sarampo reapareceu em nosso território, o sinal de alerta já havia sido dado há um tempo por várias entidades e instituições de saúde envolvidas no processo de imunização.
Elas apontavam não só o obscurantismo como causa, mas também “o modelo de atenção à saúde prevalente, que prioriza as condições agudas de saúde e que, descolado da Atenção Primária à Saúde (APS), não dá conta do devido acompanhamento dos cidadãos”.
Vamos nos lembrar que o Programa Nacional de Imunização (PNI) brasileiro sempre foi referência mundial. O Brasil foi pioneiro na incorporação de diversas vacinas no calendário do Sistema Único do Saúde (SUS) e é um dos poucos países no mundo que ofertam de maneira universal um rol extenso e abrangente de imunobiológicos. Que possamos ter acesso contínuo, amplo e universal a todas as vacinas necessárias.
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