Infelizmente, ocorrências racistas têm sido comuns nos esportes, em todos os cantos do mundo. O que ocorre dentro das quadras é um reflexo da sociedade local e vez ou outra ainda percebemos casos diferenciados, como o do jogador Vinicius Júnior, hoje do Real Madri. O esportista tem sido verdadeiramente caçado e sofrido insultos tanto por parte dos torcedores de times rivais quanto por figurões do futebol, como o presidente da Associação de Agentes Espanhóis, que disse, na televisão, que ele tinha de “deixar de brincar de macaco” em campo.
Marcelo Carvalho, fundador e diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, órgão que monitora casos de preconceito de raça no futebol brasileiro, entende que Vinícius Júnior sofre mais preconceito do que outros jogadores negros porque, além de ser altivo dentro do campo, se mostra contundente na luta contra o racismo. E, “geralmente, o racismo opera dessa forma: se você se mostrar contundente na luta, os racistas acabam vindo com mais força”.
Outro motivo para a continuidade dos ataques a Vini Júnior é a pouca reação das instituições e clubes do futebol espanhol. A LaLiga, que comanda a primeira divisão, demorou muito a apresentar denúncias formais à justiça espanhola. A primeira queixa de crime praticado contra o esportista ocorreu em 2021 e só agora a organização tomou providências.
Mesmo os clubes envolvidos, como o Real Madrid, não tomam atitudes compatíveis e a mídia presta mais atenção nas danças de Vini Júnior - tomadas por provocações - do que nas violências sofridas. Além do racismo, tem a xenofobia e o brasileiro tem sido perseguido por alguns segmentos da sociedade espanhola.
A boa notícia é que aparentemente o jogador não vai se curvar. No texto Por que Vinicius Junior é vítima de tanto racismo, xenofobia e perseguição na Espanha?, a conclusão é a de que se “o sucesso de um jogador negro, retinto e brasileiro é mesmo um dos motivos do ódio contra o camisa 20, é melhor as autoridades espanholas fazerem seu trabalho. Os racistas ainda vão se morder muito por causa do brilho de Vini Jr”.
Instituto Vini Jr. - aulas de antirracismo
Vinicius Junior criou um instituto em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, voltado para a educação. A entidade fornece um curso para professores da rede pública e seu conteúdo abrange pontos como:
A solidão da criança negra no ambiente escolar e a importância de uma educação antirracista nas escolas brasileiras;
A sutileza do racismo recreativo e o impacto devastador que ele causa na mente de uma criança negra;
O racismo religioso como instrumento de terrorismo à saúde mental de uma criança negra;
A visibilidade que não é poder. O racismo que nos atravessa, independente de quem somos;
A branquitude exposta; e
Como ser educador antirracista.
Os professores são capacitados a trabalhar estas questões em sala de aula, bem como a identificar situações racistas e a combatê-las junto com as crianças no dia a dia.
O programa, que foi desenvolvido com a equipe pedagógica do instituto, vem sendo desenvolvido há quatro meses e é importantíssimo, considerando a existência da Lei Federal nº 10.639/03, sancionada em 2003 e que alterou a lei de diretrizes e bases da educação nacional para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”.
Quando a Lei Federal nº 10.639/03 foi promulgada, foram acrescidos dois artigos na LDB. Um deles determina a inclusão no calendário escolar do dia 20 de novembro como o ‘Dia Nacional da Consciência Negra.
O outro torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, incluindo o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. Os conteúdos devem ser ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
Ocorre que, além da intolerância e a discriminação enraizadas na sociedade brasileira, outra razão impede que a lei seja efetivamente cumprida:
a pouca formação da maioria dos educadores, que também não reconhece a importância da história e da cultura africana para a compreensão da sociedade brasileira.
As principais barreiras para o avanço da norma que incluiu no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. era a desinformação ou desconhecimento sobre a alteração da LDB, as normas que orientavam a mudança e a forma como inserir o conteúdo em sala de aula.
O instituto Vini Jr, ao ajudar na formação dos professores, é um elemento da sociedade civil que pode colaborar para reduzir este problema educacional. Afinal, parafraseando Kabengele Munanga, leis não são capazes de erradicar as atitudes preconceituosas existentes nas cabeças das pessoas, atitudes oriundas dos sistemas culturais de todas as sociedades humanas. Mas a educação é capaz de oferecer a possibilidade de questionar e desconstruir os mitos de superioridade e inferioridade entre grupos humanos que foram interiorizados pela cultura racista dominadora.
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Espanha x Brasil
Podemos dar início a um interessante e importante debate. Apesar de todo o racismo e preconceito que sabemos existir no Brasil, nossa discussão racial está avançada em relação aos países europeus?
Aparentemente o único país europeu que se preocupou verdadeiramente em admitir e discutir os erros do passado foi a Alemanha. O restante sequer se vislumbra racista, já que não entende da discussão racial que já é corriqueira no Brasil, apesar de todos os pesares.
Somos racistas. Mas já começamos a reconhecê-lo e – ao que tudo indica – estamos à frente dos europeus.
A Espanha, por exemplo, não tem uma lei de combate ao racismo. Texto escrito por advogado com residência em Madrid e compartilhado pela Global Voices em 2017 já dizia: “Na Espanha, criamos o melhor sistema contra o racismo: negá-lo”.
No Brasil o racismo se tornou crime inafiançável e imprescritível em 1989, quando regulamentado o inciso XLII do artigo 5º da Constituição; posteriormente, em 2021, o Supremo Tribunal Federal equiparou a injúria racial ao crime de racismo, considerando-a também imprescritível.
Na seara da Educação, a publicação da lei n.10.639, conquista do Movimento Negro que se iniciou da década de 1970, parte da história nacional, mas também do esforço de simpatizantes da causa na década de 1980, também vem colaborando com a discussão racial (também apesar de todas as falhas e omissões do poder público).
E, a propósito, lei que era imprescindível, afinal somos o segundo país em população negra do mundo, só perdendo para a Nigéria, ou seja, mais da metade do povo brasileiro descende de povos africanos. A valorização da cultura negra de maneira abrangente dentro das instituições escolares é vital.
Ainda sobre o trabalho social do jogador no Brasil, para finalizar, seu instituto pretende apoiar as escolas públicas e ser reconhecido como um dos principais agentes colaboradores com a redução das desigualdades no sistema educacional brasileiro; para tanto informa que vai trabalhar a Educação Antirracista através do professor, ensinando-o a ser um educador antirracista.
“Nós não vamos recuar! Ao contrário. Vem aí uma nova geração negra muito mais preparada para lutar contra o racismo e suas consequências.
...
80% das crianças do país estudam em escola pública. Em sua imensa maioria, são crianças pretas; é com elas que vamos trabalhar. Através das professoras; é nelas que estamos investindo, é em quem confiamos.” (“Vamos em frente, sem recuar”)
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